Alta Definição: Gilmário Vemba: "Tenho memórias de me esconder dos tiros debaixo da mesa"
Joana Beleza 5/20/23 - Episode Page - 56m - PDF Transcript
— Bem-vindo, Gilmario. — É, Daniel. Estou a ver aqui sentado num cenário de interrogatório criminal.
— Não tanto. — Bem, vamos responder mais uma vez à letra.
— Vamos. — Concrás, exatamente.
— Gilmario Vemba, 37 anos de idade, e estou como sou, em alta definição.
— Agora esqueci a letra, sabe? — Hoje é dia de responder às letras.
— Todos os dias, é dia de responder à letra. Já num dia que eu ouço uma música,
eu não estejo a pensar em responder à letra daquela música.
— Com tanto problema que há no mundo, tantas bênças passei,
o Deus está a parar de apreciar Matias da Más e com a namorada.
— E tu é esse tipo de responder à letra, ou é mais tarde no teu canto, na tua vida?
— Eu sou mais tarde no meu canto, embora nos dias dois todo mundo está à espera
de uma opinião sobre tudo e sobre alguma coisa. Às vezes eu penso, mas guardo para mim.
Algumas opiniões são só para mim.
— O país daquilo é enterrar, das 8 às 15, não há pausa para o moço.
— Percebes o que jurou nos outros? Atenção sobre ti.
— Qual é a tua graça?
— Acho que as pessoas identificaram isto em mim.
Já na escola, de teatro, quando eu quisesse fazer uma peça dramática, as pessoas disseram,
a cena é comédia.
— E assim também na tua vida, as pessoas, quando estás a falar a sério,
tendem a ter dificuldade em entender que estás a falar a sério, agora as pessoas a esperam.
— Uma coisa que está implantada na cabeça das pessoas, as pessoas sabem que eu sou comediante,
as pessoas tendem a pensar que o comediante está a sempre a fazer piada.
As pessoas estão sempre a esperar, estão sempre a esperar, estão sempre a seguir.
— E agora? Agora vai fazer uma e não, não sei nada.
— Tu precisas da validação dos outros? Nessa relação entre humorista e público,
ou basta de sentir que aquela piada é boa?
— Se eu não achar a piada boa, eu não faço.
Conteste-te o chá da piada boa e o público não terem a mesma reação?
Sim, aí já é culpa deles, é isso mesmo.
Aí é já eles que não têm o mesmo senso do humor que é...
E acontece muito isso, né?
Acontece muito isso que é...
Vamos para o palco com a certeza absoluta que...
É pá, não.
Isto aqui vai ser um ponto da piada.
E vamos para o palco e lançamos aquilo e as pessoas estão tipo o quê?
Amaz...
Aqui em Portugal, quando a pessoa diz até manhã, ele sabe que é até manhã.
O meu país é até manhã, se Deus quiser.
Por alguma razão, eu tinha quase a certeza que ia ser morte.
Só me resta emplorar e pedir, por favor, não façam mal as minhas chicas.
Gosto muito de moamba, de ginguba.
Não gosto de puré debatado.
Adoro lapas, gosto muito de lapas.
Sempre que te verem lapas, me convidem.
Os homens não estão talhados para relações muito longas.
Nosso melhor amigo é o cao.
O cao não demora muito tempo, morre rápido.
Mas a mulher não, a mulher demora.
Quando é que tu começas a sentir que és humorista?
Ah, quando começaram a pagar.
Quando começaram a pagar.
Aí eu disse, não, agora isso é sério.
Porque nós já me fizemos parte do teatro.
Com aquela atividade extra curricular que é...
Pô, para não estar no final de semana a fazer coisas menos boas,
vou pensar de teatro, vou fazer uma peça de teatro,
vou estar no meio de outras pessoas.
Até alguém aparecer e dizer, pá.
Quanto é que vocês cobram para fazer isso?
Já como assim cobrar?
Nós não cobramos, nós simplesmente fazemos, não.
Isso tem que cobrar.
Tu emputei a ser o quê?
Era ser músico, ou então locutor de rádio,
apresentador de televisão, era a minha cena.
Eu estava sempre para apontar para profissões de exposição.
Não sei porquê.
A música eu sempre gostei muito de cantar
e também vem de uma família que tínhamos ambientes muito artísticos,
muita música.
Até que começo a minha carreira,
assim, a mostrar dotes artísticos,
a imitar os avós, os tios, as tias.
Era isso, fazer em casa para o avós.
Sabe o quê com o avós?
O avós chegou malo ontem.
Beleza.
E os pessoas riam, se é pá.
Não, deixa o Gilmar contar as histórias.
Gilmar conta como é que o tio fez.
Então, aí comecei também a perceber
que eu gostava das coisas que fazem rir aí.
A que memória as regressas mais vezes dessa infância?
Eu regresso mais vezes para tentar compreender
como é que eu era feliz com tão, tão, tão pouco.
Que é estar sentado à volta de um candier ou uma vela
ao ouvir a minha tiasita contar uma história.
Como havia muita falta de energia,
nós tínhamos a tiasita que era a nossa televisão,
que ela contava nos histórias com vários capítulos.
Agora vão dormir.
E no dia seguinte, perguntavam onde eu parei ontem.
E nós falamos, ah, paraste com o príncipe a vida de cavalo.
Ok.
E ela pagava daí.
Era a novela?
Era a novela.
Então, estes momentos também são os que me fazem hoje
apreciar mais tudo aquilo que eu consegui, né?
Porque as regressas, ah, também não é muito.
Você fala assim, se não tem nação do pouco que eu venho
para me dizer que isto não é muito.
Se calhar aquelas pessoas que tiveram comigo
criam muito teríssimo, mas não conseguiam.
E mesmo assim conseguiram se reinventar
e conseguiram sobreviver a isto.
O que é que sabes hoje com o olhar de hoje
que não havia na altura?
Eu sei que não havia brinquedos.
Já consigo olhar a volta e dizer,
pai, eu não tive brinquedos.
Eu era puto que ia atrás de qualquer coisa
para transformar de brinquedo,
que era fazer bonecos com lodo,
que apanhávamos na rua,
que era reaproveitar pedaços de outros brinquedos
que já estavam polis.
Às vezes brincávamos de ouvir látimas
e não um indivíduo que não tem rádio,
não tem nada, e vai apanhar uma espécie de abelha,
uma vespa, mas tem dentro de uma caixa de foifo.
E ela ficava lá tentando fugir.
E nós entendíamos que aquele látimo
ainda está bem, agora bem, agora bem.
Era estranho como é que a criança entendia
com o relato de jogo de futebol na rádia.
Era só isso, era só o ritmo.
E eram esses momentos que eu lembro,
eu não tive isso.
Para comida havia sempre?
Para comida havia sempre.
Fora o 92, que foi a primeira vez
que houve confrontos em Luanda,
e aí faltou comida.
Aí faltou comida porque houve aí
uns 15 dias de muito pânico.
O confronto não durou assim tanto tempo,
mas o ambiente de pânico
durou mais tempo.
Ou seja, os mercados fecharam,
as pessoas não saíam para comprar nada,
não saíam para vender nada.
Então houve aqueles dias que
estávamos em casa e, apá,
e fomos o que apareceu.
Tinha sete anos para ir?
Tinha sete anos,
tem essa memória bem presente,
tem que entrar debaixo das mesas,
viram um monte de tiros e
granadas e outras coisas,
ouviram os gritos na rua,
eu não sabia se aquilo estava a vir para casa.
Algumas pessoas tentaram fugir,
e depois daquilo avorou-se todo o passar,
tu percebes, olha, morreu aqui, morreu ali, morreu ali, morreu ali.
Aí, sim, faltou comida,
faltou tranquilidade, faltou segurança.
Não sei como é que os meus pais
deviam ter sentido naquela altura.
Eu aqui não tenho capacidade de
proteger essas crianças.
Está todo mundo aos gritos,
todo mundo ao tiro, todo mundo a tentar fugir,
nem consigo dar de comer a elas,
porque eu não consigo sair
para comprar alguma coisa,
para pedir alguma coisa,
então foram momentos.
E um puto de sete anos percebe o que está a acontecer?
Um puto de sete anos percebe o que está a acontecer.
Quando há muito grito,
há muita coisa a arrebentar,
para uma criança, aquilo é um panico.
É, porque tu não sabes exatamente
o que está a acontecer,
mas tu sabes que...
Há um instinto de perigo.
Sim, um instinto de perigo,
tu estás em alerta constantemente.
Então, não consigo perceber bem,
e tanto é que eu cresci no Sambizanga,
que era um bairro muito perigoso,
e ficou mais perigoso ainda na sua altura,
porque a população civil foi armada,
de causa do conflito,
e como, depois da guerra,
vem sempre,
uma crise econômica grande,
o nível da criminalidade tende a aumentar,
e muito.
Então, eu me lembro de ser puto,
e ver várias frases a serem assaltadas,
serem baleadas,
mesmo assim à frente,
papada, verbos, etc.
Eu me lembro várias vezes de estar à vida à escola,
e ver gás darem-se de corrida,
com o tiro, tiro, tiro.
É que,
quando estás nesse ambiente,
durante muito tempo,
tu normalizas,
é só mais um dia,
é só mais uma terça-feira.
E chega uma altura que,
nem te pôs desilamentar,
porque achas fazer qualquer,
e depois,
ah, mas não tem pra ser ali,
matar um jovem, e depois.
É o dia a dia.
É o que acontece aqui.
Nós vivíamos
frente ao mercado,
que era o Rocksanteiro,
o maior mercado informal
que alguma vez existia em África.
As senhoras, quando saíssem do mercado,
passavam pela minha rua,
para irem para suas casas.
E ali aconteceu muita sal.
E nós viemos aquilo todos os dias.
Estamos a jogar bola e tiro.
Chega uma altura que você já nem esconde.
Já nem esconde.
Ouves do tiro, olhas.
Ah, ok, é ali.
E a vida continua.
Estão um puto de sete,
de oito, nove anos.
Eu vivi no Samizanga,
até os catorze,
então eu me lembro disso todo.
Como é que um puto não se torna frio,
e indiferente ao sofrimento,
tendo vivido isso?
O agente diz que saia a tempo.
Que saia a tempo.
Às vezes acontecem coisas na vida
que te forçam a sair.
Eu acredito, porque a minha mãe,
meu pai provavelmente,
se não tivesse nos aconhecido
uma barbaridade,
um assalto terrível,
em que eles sentiram que,
não está seguro estar ali.
Nós viemos continuar a viver lá,
e, se calhar,
eu me tornaria ainda mais frio.
Se calhar menos empático.
Com essas situações.
Antes de sairmos do Samizanga,
nós fomos assaltados em casa.
Mas não é assalto terrível.
Para se calhar, as pessoas achavam
que nós estávamos a melhorar a vida.
Porque, imagine,
meu pai arranja um emprego novo,
porque o pai dela aposentou-se,
e ele ocupou o lugar do pai
no Banco Nacional da Angola,
e ele era motorista lá.
O que fazia é que ele trocasse de carro todos os dias.
Começou a ganhar melhor,
começamos a melhorar as condições da casa,
e as pessoas começaram a achar,
aqui há dinheiro.
E nós levamos com um assalto
de mais de três horas,
tipo, nós, lá dentro, com fãs.
Despararam-me contra mim duas vezes.
Despararam-me contra mim duas vezes,
ameaçaram-me,
porque quando eles entram em casa,
eu estava aficiado no jogo ainda na altura,
era a primeira vez que eu tinha um jogo em casa,
nem a dormir.
Nós tínhamos conseguido comprar uma consola,
então eu fiquei até tarde a jogar.
A hora que eles chegaram, ainda estava acordado.
E, quando batem à porta,
tinha polícia de polícia.
E eu tento ir para a janela
para espreitar,
para ver quem era realmente aquela hora.
Eles veem a minha silueta, assim,
na sombra e disparam na janela.
Com uma janela de madera,
não é essa expressura,
aquilo desvia a bala.
Eu me lembro de por-me-no-chão,
restijar até o quarto,
pois eles repartem o telhado
e entram.
E a minha ação fazia tiro nos quartos,
nós estávamos nos, os meus irmãos,
os meus irmãos pequenas ainda,
e ela queria que alguém saísse
para abrir a porta principal da casa,
que então tinha entrado só um pelo teto,
e a pai precisava abrir a porta
para que os outros entrassem.
E ela me assara, disparar aí.
Aí eu percebi que a minha mãe
é, pá,
das maiores heroínas
que alguma vez eu vei na minha vida,
porque ela sai,
e diz, olha, não faça estir,
eu vou abrir a porta.
Tipo, a minha mãe me mete
frente a outra coisa.
E, na altura,
o bandido continua insistir
que vai disparar,
ela luta com ele.
E, para mim,
ainda foi mais terrível ver
depois do outro sentir
que já havia presença dos outros,
e começa a espancar
a minha mãe aí.
Tipo, a minha frente, tipo, todos.
Então, desde aquele dia,
nós percebemos que, ah,
não dá para estar aí,
e a minha mãe andou traumatizada
com isso durante muito tempo.
O não conseguísse fazer nada
quando estás nessa situação.
É, pá, o que eu posso é
esperar o máximo
que essa pessoa tenha bom senso
e não dispara contra ninguém.
É a única coisa que eu posso esperar daqui,
porque se eu tentar agir,
isso pode piorar.
Se eu tentar reagir,
ele pode, de repente,
sentir essa ameaça.
Ah, porque quem rouba,
normalmente, está sempre em alerta.
Está em mais alerta
até do que quem está a ser roubado.
Então, ele tem um medo de ser apanhado.
Então, qualquer coisa,
é motivo para disparar.
E aí foi...
Como é que acabou esse episódio?
Graças a Deus, acabou com todos vivos,
apesar dos disparos,
apesar de nos levar em tudo
que temos em casa,
tudo que os nossos pais
tinham conseguido juntar
naquela altura,
é a televisão, a sofá,
as leras, etc.
Deixaram-nos a casa vazia,
levaram tudo até a comida, levaram.
E, dois dias depois,
o meu pai alugou uma casa,
não sei como ele conseguiu o dinheiro.
Não sei, deve ter se endividado,
provavelmente,
para conseguir tirar a família dali.
Mas, como a minha mãe diz,
é sempre males que vêm para bem
e há males que vão para balém.
E, para confiar nesse acontecimento,
porque elas, se calhar,
são um motivo que vamos nos levar
à transformação.
E, para nós, foi,
porque se eu não tivesse mudado o bairro
e morar para a ilha de Luanda,
não teria conhecido os Clegas,
que depois formámos os Domésiais,
se calhar eu não estaria aqui
hoje a dar essa entrevista.
Então, ainda bem que foi assim.
E, graças a Deus, que todos cheiram com a vida.
E essas moreas estão apaziguadas em ti?
Eu acredito sim, porque, também,
eu vou aprendendo cada vez mais que,
se nós não apendermos a estar bem
com o que nos aconteceu de mal,
nós vamos sofrer para sempre.
A única maneira que eu tenho hoje
e que me ajuda a sobreviver a isso,
é interpretar isso como uma coisa
que nos ajudou a avançar.
Como é que era a relação com os dos irmãos?
Havia prioridades dos mais velhos,
de formas novas?
A hierarquia do mais velho,
mas eu, como meu irmão mais velho,
temos a diferença apenas de dois anos,
basicamente a nossa prioridade era lutar.
Nós lutávamos muito.
Quer dizer, ele me batia.
Quer dizer, ele me batia,
mas depois não deixava ninguém
no bairro muito cara.
Continua a ter a mesma atitude até hoje,
onde eles são bem.
Nós somos os mais velhos,
depois vem duas meninas,
nós, depois vem um rapaz,
depois vem outra menina,
e depois vem os outros irmãos,
que já não são meus irmãos,
pai e mãe, não crescerão na mesma casa que eu.
Mas, até hoje, nós temos
uma relação de proximidade,
tentávamos cuidar um dos outros,
dentro da medida de possível.
São só 16, não é?
São só 16, pouco,
há quem faz mais, há quem faz mais.
Que gesto de amor,
guardas dos teus pais para contigo?
Da minha mãe, do meu pai,
deixarem de comer,
para que nós pudéssemos comer.
Ah, eu lembro disso,
tem isto bem presente.
Muitas vezes,
tu não tens sequer noção daquilo.
As vezes, ok,
estamos todos a comer,
mas ela não está...
ela não está a comer.
Ou ela está a comer pouco.
Quando tu cresces,
e começas a olhar para trás,
tu começas a perceber bem,
isto é um sacrifício muito grande.
Eu me lembro um dia,
acho que foi a primeira vez
que eu vi a minha mãe chorar.
E não foi um choro porque
morreu alguém,
ou coisa parecida.
Nós estávamos a fazer obras na casa.
Ela estava no quintal,
a lavar roupa,
e nós tínhamos de estar a ajudar,
o pessoal que estava a fazer as obras,
e não sei o que,
porque também era tudo pareente,
para sair mais barato.
E eu lembro de ela ralhar-nos
por alguma coisa,
e de repente,
tem uma quebra, tipo,
a chorar e dizer para ela,
não consigo.
É demais, estou cansada,
não consigo, tipo, com lágrimas.
E eu e o meu irmão,
nós ficamos congelados,
e para si, congelados,
a olhar para a situação,
o que é que se passa aqui?
Por que ela está chorada?
E hoje, adulto,
eu percebo que aquilo era subcarga,
um bar nao de que ela teve naquele momento.
Descambou, chorou,
depois já pode limpar lágrimas,
e continuou a fazer as coisas na seguida.
Se o vês alguém que está a tentar,
manter uma casa,
está a tentar cuidar,
gostar de fazer tudo,
e é pá,
de repente, tem um brecadão.
Se eu conseguir ser,
digamos que um terce,
daquilo que os meus pais foram,
para mim,
se eu conseguir ser isso,
para os meus filhos,
eles têm a vida a ganhar.
Eu acho que é um bocadinho mais fácil,
porque eu tenho uma profissão,
graças a Deus,
tenho algum sucesso,
consigo alcançar outros bens,
mas eles fizeram isso
quando não tinham absolutamente nada.
É pá, faltava tudo e mais alguma coisa,
mas eles já se conseguiram criar,
esses filhos todos,
conseguiram alimentar,
e conseguiram dar educação,
e não só educação acadêmica,
mas educação pessoal.
Ascentem o valor?
Ascentes no valor da justiça.
E para quem cresce angola,
e depois quando vês ficando adulto,
começa a ser quase que um calcanhar daquilo,
porque tu começas a olhar para as situações,
e dizias, pá, isso não é justo,
isso não está certo,
não é assim que eu fui educado,
e está tão enraizado em nós,
que nós não conseguimos agir de frente.
Está no nosso ADM,
que é propositadamente ser injusto com alguém.
Ainda que eu não gosto dessa pessoa,
ainda que essa pessoa não seja meu amigo,
essa pessoa não merece que a vida seja injusta com ela.
Pode até ser meu inimigo,
mas eu não vou participar de uma injustiça
para com essa pessoa.
Então, estes valores para mim são os que é o mais preso,
e que a minha mãe sempre nos ensinou assim.
Sempre que fizessemos alguma coisa,
ela chegava e olhava para a nossa vida assim.
Nós temos que ser amigos da razão,
e não das pessoas,
porque às vezes nós somos amigos da pessoa,
mas essa pessoa não me tem razão.
Então, vamos ser amigos da razão.
E quando ela dizia a razão,
ela quer dizer de dar justiça.
O que é que é justo aqui?
Tu és meu filho,
mas tu não estás certo,
tu estás errado,
e eu tenho que estar do lado
onde está a coisa certa.
Nem sempre os nossos são justos,
e nem sempre os nossos têm razão.
Que o teu avô aprendeste o que é?
O senhor Lázaro vem,
ensinou-me a ser um homem que foca-se nos estudos,
no crescer,
no respeito, na família.
E o meu avô dizia sempre assim,
um homem tem que construir o seu.
Um homem não pode estar à espera da herança do pai.
O que é do pai?
É do pai.
O teu você tem que fazer.
O pai tem responsabilidades contigo
até quando tu fizeses 18 anos.
Depois daí,
tu deixe fazer a tua par.
Quando eu tive a minha primeira filha,
recebi a notícia de que a minha namorada estava grávida.
Eu empanico.
E a única pessoa que eu achava
que eu tinha que falar,
primeiro era o meu avô,
porque o meu avô era meu tutor.
Fui para casa dele,
cheguei lá e disse ao meu avô,
tenho uma namorada e ela está grávida.
E a família está dizendo para que temos que nos casar,
e essa coisa.
E o meu avô olhou para ele e disse assim,
olha,
quando eu tinha a tua idade,
havia muitas mulheres bonitas.
E quando eu cheguei à idade do teu pai,
ainda havia muitas mulheres bonitas.
E agora que eu estou aqui,
nesta idade de teu avô,
ainda há muitas mulheres bonitas.
Então muito cuidado com a pressa, não é?
E se queres casar,
olha bem para a moça,
porque vai continuar a ver
muitas mulheres bonitas.
Como o avô basicamente está a dizer,
Pato, tu estás numa fase,
tu estás a te descobrir agora.
E as que dá tu?
Tinha 20 anos.
E a cena do olhar para que vejas uma pessoa bonita
e pensar que isso é a pessoa da tua vida,
se calhar nem faz ser isso.
E é isso que eu valorizo muito também na minha família,
seja os meus avôs e meus pais, que é.
Estás a fazer isso, estamos contigo.
Nós não temos como fazer o contrário.
Não temos como desistir disso,
nem legalmente desista a possibilidade
de chegarem para nunca ir mais.
Para mim, essa coisa de filho,
agora acabou, vai procurar outro pai,
porque eu cansei.
Não tem isso, então sempre vieram com nós.
E quando há coisa que corro mal,
olha assim, faz a ver.
Depois de ter a minha filha,
há mais alguns anos com a mãe dela,
e acabamos depois de nos separar.
Mas hoje, graças a Deus,
continuamos amigos,
e olhamos assim, Pato,
também estávamos mesmo com uma pressa lixada.
Duas filhas lindas.
Tu diz que és o filho de tua mãe
que mais vezes conseguiu não morrer, né?
Sim, sim, sim.
Foi muito tranquilo.
Eu acho que estava sempre a tentar perceber
como é que as coisas funcionam.
Estava sempre a tentar meter as minhas capacidades em prova.
De ver um petróleozinho.
Venho.
Há coisas que, pronto,
foi engano, não sou meu.
João Pintos, aquela vunda, pai da minha mãe.
Chega em casa, completamente copado,
né?
E eu vou ter com o meu avô.
O meu avô chegava e brincava sempre com nós,
que lá vinha ele cantava e brincava com nós,
e eu disse, olha lá, vou ter um sedo.
Soco os reservatórios de água e patróleo,
são iguais, o meu avô com copo,
pega no patróleo, põe num copo,
toma monete, beba água.
Eu me lembro de estar a bebê e eu senti, pera aí,
esta água está diferente,
mas atenção, que eu acabei a chave.
Eu acabei a chave nas minhas tias,
quando deram conta.
Eu acho que eu ia morrer mais,
porque as minhas tias estavam a tentar me salvar
do que, propriamente, que elas queriam que eu vomitasse.
Eu nunca mais vomitava, que ele era dedos,
na gargata.
Vomita, traz leite, toma.
Já apanhei uma alverdosa alcoólica.
Nós temos uma bebida em Angola que é várias,
que te parecem a mesma coisa,
que é aqui sangue, o quimbombo e o marufo.
Que sangue é uma espécie de refrigerante.
Já o quimbombo é mesmo álcool forte.
E o meu irmão vi-me, oh, aqui que sangue.
Pegamos os nossos copos e fomos lá.
Até caímos para o lado.
E tantas outras coisas, já caí da árvore,
já fui atrapalado por autocarro.
O autocarro?
Sim, mota, bicicleta.
Como, não precisa de atenção ou fez arco?
Também foi muito azar, por exemplo, o autocarro.
Não é porque eu estava no meio da estrada,
o gás vinha desgovernado, já dão sítio
e apanhou-me mesmo no passeio.
A bicicleta era noite, estava escuro,
nem o gás me viu, nem eu vi o arco.
Um dos raios da roda da bicicleta
entra aqui na cabeça.
Até hoje ainda tem aqui.
O mundo andou a conspirar a meu favor.
Pessoas que vão morrer e várias oportunidades
que o mundo me ofereceu.
É tiros, é afogamentos.
Afogamentos também.
Fomos brincar à praia e subimos numa daquelas boias
feita com câmara de carro.
E há um meu amigo que de repente
acha que todos nós sabemos nadar como ele.
E ele resolve virar aquilo.
E nós estávamos muito longe.
Até hoje não sei como é que conseguimos sair da Lima.
Apenas tu começas ali a fazer
o escândalo e vem as pessoas
para te ajudarem a sair ali.
Sempre viste Jesus por um momento.
Por um momento tu fos e voltar
a estar ali achado.
E é aquelas coisas que nem podes chegar em casa
e contar a tua mãe o que é que aconteceu
porque senão levas outra surra.
Levei muito, levei muito.
Principalmente da minha mãe.
E as mães são as que mais passam o tempo com filho.
As mães é que têm que estar toda a hora entrando.
E toda hora não faças isso.
Os nossos pais não cresceram numa época
tão tranquila como as nossas.
Hoje é muito falso que um pai de hoje
dizia que não se bate na criança.
Porque tu estás num ambiente
de tranquilidade
e de estabilidade social que te permite fazer isso.
Eles não tinham aquilo.
A vida era muito, muito dura.
Era muito dura. E às vezes eles descontavam
nas crianças quando fizessem alguma coisa de mais.
Porque já não tem tempo
para sentar ali e entrar contigo na base do diálogo.
Ele era no ar.
E nós levámos muita surra.
A minha mãe, hoje, quando reclamam o que ela disse,
mereciam.
Gosto de dançar.
Gosto de conversar.
Não gosto de acordar sete.
Não gosto de pessoas que acordam sete.
Não gosto de trânsito.
O mundo ia acabar no ano 2000
e, portanto, tu decidiu aproveitar as coisas mais rapidamente.
Exatamente. Tinha a mesma certeza que ia acabar.
Converseiram-me bem.
Eu só tenho mais esse ano. Tinha 14 anos.
Mas é tudo. E eu fui, fiz tudo e mais alguma coisa.
Eu experimentei tudo.
Naquela certeza que, olha,
2000 disso já era.
Vou morrer com 15 anos.
Vou aproveitar agora.
Eu acelerei muito a minha vida naquele ano
por causa dessa noção.
Tantas miudas bonitas.
Tantas miudas bonitas, tantas coisas.
Dizem, pai, é agora.
Vou aproveitar o fogo da puberdade.
A gente não tem a noção do que nós, homens,
passámos pela puberdade.
E tudo o que tu podes ouvir,
isso não se faz.
E o mundo vai acabar.
Não se faz, eu vou fazer.
Vou fazer. Aí, comecei a introduzir-me na vida
menos boa muito cedo.
Mas depois eu dei conta que, depois de 2000,
não aconteceu nada.
Acho que isso ainda vai continuar
para quebrar mais algum tempo.
Andaste muito na Catequese?
Andei muito na Catequese. E isso, graças a meu irmão mais velho.
O mesmo mais velho teve essa influência
em mim, porque como temos dois anos de diferença,
eu ia sempre atrás dele.
E ainda bem que ele não foi para outra coisa.
Porque senão estava completamente lixado.
E até agora continua muito ligada
a Igreja, a Recoligião.
Então eu fui atrás. Eu fiz Catequese.
Eu sou católico com todos os sacramentos.
Eu tenho batismo, crisma, casamento.
Tenho tudo feito.
São faltas na Santãoção.
Compreir os estudos era um imperativo para ti?
Para mim era.
É um novo disse-me isso tantas vezes.
Eu acho que se eu não tivesse me dedicado
tanto aos estudos,
não teria o sucesso que tenho hoje.
E até hoje, para mim faz todo sentido
ler um livro, faz todo sentido
ir atrás do conhecimento novo.
Faz todo sentido, às vezes só sentar
e ouvir uma entrevista a destra.
O que ainda sentes que há do puto Gilmário?
Há curiosidade. A curiosidade do puto Gilmário
continua aqui. A espontaneidade
continua aqui. Um bocadinho mais covarde
que agora algumas coisas já olhe e digo
não.
Tenho quatro filhos para criar,
não posso morrer ainda.
O que é que procuras passar aos teus filhos?
Tendo de passar os meus filhos que
eles podem contar comigo sempre.
Se vocês forem bons,
maus, eu vou estar sempre aqui.
E é isso que eu tenho de querer.
Eu tenho de ter um liberdade suficiente
para crescerem, experimentarem as coisas
que eles queiram experimentar.
Trazer em realidade todas as suas
imaginações e criatividades.
Não quero que eles apuntarem nada.
Não quero apuntar nada. Não quero passar essa ideia
de que eu sou mais certo
e tudo que eu fiz está correto
ou algumas coisas que eu fiz estão erradas
e por aí a fora.
Queres que estes tenham a sua própria experiência,
cresçam no seu próprio tempo,
no seu próprio ritmo.
Eu aqui como pai estou para garantir saúde,
educação,
a país de estabilidade familiar.
Você é filso-fio de tudo aquilo que tu queres
que os teus filhos estejam ser tu primeiro?
É possível liderar-se a ser exemplo.
Não adianta estar a dizer aos meus filhos
sejam isso ou aquilo, se eu não faço.
O exemplo pode servir em dois sentidos.
Se eu for muito mal com exemplos,
podem olhar para mim e pensar bem,
eu não quero ser isso.
E se eu for muito bom,
eu posso convencer-los a tentar ser como ele.
Eu quero que o meu filho seja um bom leitor,
tenho claro, não posso dizer até que ele é livro,
mas eu nunca te vi com nenhum.
E eu vou tentar ser a melhor pessoa do lado deles.
E não o melhor pai,
ser uma boa pessoa, ser um bom vizinho,
ser um bom marido, ser um bom amigo.
Tudo aquilo que eu consegui fazer em bom,
para que eles possam olhar e repetir nas suas vidas,
para mim já teria a vida a ganhar.
O que é que aprendes com eles?
Eu aprendo com eles todos os dias
como é ser criança e ser ingênuo outra vez.
Como é ter aquela curiosidade
não controlada.
Como um filho de 6 anos diz coisas que eu olho assim,
como é que este cérebro
consegue pensar uma coisa tão estúpida assim.
Mas ao mesmo tempo
eu penso e às vezes
não nos esquecemos que nós
podemos pensar coisas estúpidas
para nos lembrarmos enquanto adultos
que às vezes a certeza de uma verdade
que temos pode até não ser verdade.
Às vezes é só estúpido. Nós é que estamos aqui convencidos
que se está correto, que se é o certo
e a humanidade dentro da sua história
várias vezes agiu errado, dentro de teorias
que se pareciam certas.
Quando eu vejo meu filho dizer coisas estúpidas
eu falo assim, não, é possível.
Não é porque ele é adulto que não pôs tão
é possível dizer coisas estúpidas.
E provavelmente se ele está a ver com ideias
que podem ser tão estúpidas
como aquelas que nós vimos no passado
de pessoas que foram desenvolver
e estragaram a humanidade com isso.
Se o pai tivesse prestando mais atenção
olha lá, diz-me lá Hitler, qual é essa tua ideia?
O que é que estás a pensar?
Pentar e ir até o fundo e perceber
ok, não, não, não.
Esse meu daqui é preciso ser controlado
e eu não posso ser igual.
Desde o instinto de protetor grande
para com eles, muito.
Enquanto o pai,
é para tu queres garantir
toda a segurança possível das vidas.
As pessoas ponham até esponjinhas
no pronto das mesas
que a tua filha não bateu com a cabeça.
Então, nós temos esse instinto.
A minha primeira filha
é o meu combustível para aquilo que eu sou,
que eu quando tive aquela medo
dessa tua vida. Estão jovens, vais ter um filho.
Agora como é que vais sustentar essa criança?
Eu parei assim e disse, peraí,
isto aqui é sério?
Eu tenho que me esforçar o máximo que eu consegui
para que não falte nada dessa, amigo.
É trabalhar, trabalhar, reinventar, reinventar,
estudar, preparar e crescer
para eu conseguir dar o melhor àquela criança.
Como é que procuraste
produzir as tuas filhas no momento do rapto?
Aí é essa ideia.
Isso é o momento de maior impotência para mim
enquanto pai.
Esse é o momento que eu sim disse, olha.
Era só Deus.
Completamente imobilizado, amarrado,
pés e mãos.
Tu faz uma força aqui
e faz uma força ali e diz,
bem, esses restos
quiserem fazer o que quiserem
com os meus filhos.
Não há nada que eu possa fazer aqui.
Não há absolutamente
nada que eu possa fazer.
O que eu vou fazer é o que eu quero.
Vou gritar, gritar,
vai fazer com que eles
parem de fazer
mal aos meus filhos.
Vocês estavam a passear, não?
Távamos a passear porque, no entanto,
eu tinha ficado aqui sete meses a trabalhar
contra da pandemia, tinha projetos
que tinha que terminar, não conseguia,
basicamente falava com meus filhos só para o telefone.
E aí eu fui.
Eu queria aproveitar todo o meu tempo
com meus filhos de manhã, tarde à noite.
Eles estavam de férias e de repente
um dia que fomos treinar,
fomos todos felizes, treinavam comigo,
que estavam a fazer um hi-tai comigo.
A mãe das duas minhas filhas
falou, olha, preciso das meninas,
que elas têm marcação no salão,
vão traçar o cabelo ao manhã,
e é muito cedo.
Vem deixar elas hoje.
Tinha deixado a minha comadra em casa
com quatro, cinco caras, todos armados.
E ficas o que tu e a tua filha?
Estou eu e duas filhas minhas
que já estavam no carro para mim.
E se calhar, a ideia deles até nem era
levar as minhas filhas, era a ideia deles
que o cara era só levar em mim.
Mas eu como tenho os vídeos do carro fumado,
quando eles entram, põe-me rápido no carro,
não quanto eu estava de duas filhas,
comigo no carro. E, neste momento,
amarram-me os pés, amarram-me as mãos.
Eu estava com um rudo, cheguei com um rudo,
feche um aqui, ja.
Vou dar-me a mão, e ficar assim com a mão,
agarrar-me o carro.
Elas ficaram congeladas.
Elas tinham que idade?
A Graciela estava com quinze,
e Aline com onze,
onze anos.
Sim, pânico.
A ideia deles é para, mano,
deixe-os aqui tudo,
tenho aqui a minha carteira, tenho os telefones todos aqui,
levem o carro, deixem o pessoal aqui,
passei um assalto.
Mano, está aqui, levem tudo,
tenho o telefone, tenho o telefone das meninas,
tenho o carro aqui, tenho a minha carteira,
dovos escódicos, dovos estudos.
Mais depois, começam a mandar cenas,
gostas muito de falar de política,
estou, né, estás armado agora, e queres revô.
Aí, neste momento, eu disse, ok.
E eu sabia que aquilo era para mim.
Que era para ti?
Sabia que aquilo era para mim.
Estavam, basicamente, a tentar
simular um assalto,
mas a mensagem era mais forte,
era mais além.
Isto aqui era só um assalto.
Então, a partir daí, a única coisa que eu implorava
era só, é para, olha,
não toquei na minhas vidas.
Por alguma razão, eu tinha quase a certeza
que ia ser morte.
Só me resta implorar e pedir,
porque eu sei que vocês me conhecem,
que vocês sabem que eu sou,
sei que a vida está difícil para todos,
mas por favor,
não façam mal as minhas vidas.
Foi uma hora e meia disso.
As minhas filhas, eu pedi para Terencão,
entreguem tudo, entreguem os telefones,
porque eles depois, a pedirem para desbloquear
os telefones e tirar os ID's,
e não sei o que, tudo, os telefones,
os telefones estarem clines.
Mas não, não tem código no telefone,
não tem ID, não tem nada.
E ela dizia, não tem, não tem, não tem isso.
Deve ter sim, deve ter sim, se não tem.
Começam a ameaçar a elas e a minha filha
amassem a perda, e disseram,
agora, eu pensava,
chegavam, vão me arrebentar a cabeça
que atire, a frente da minha filha.
E não sei como elas vão,
vão sair disso.
E a pai foi e panica.
Eu não sabia para onde ia,
porque sou completamente incapossado.
E eles iam os gritos,
carro, vamos, aqui não, para aqui, não, para aqui,
vem aqui, vem, não, entra aqui, entra aqui.
Estou no meio do nada.
Tirou um bairro,
completamente escuro,
completo, lá ali,
recebem as coisas e dizem assim,
cuidado com o que andas a falar,
muito cuidado com o que andas a falar,
estás armado e espero.
Aqui não é Portugal,
nem se é quem te mandou voltar.
Isso é aquilo,
estou calado e mobilizado,
estou escolhindo código, código de cartão,
estou escolhindo, isso é mesmo código.
As casas param,
abrem o carro,
limpam todas as impressões digitais,
ficam ali em paralí,
eles vão,
fica ali uns dois minutos, assim, em silêncio,
nos, dentro do carro,
silêncio, eles já não estavam.
Eu faço isso, abro o capuche
e tenho o mesmo derrame
que teve a minha mãe,
comecei a chorar desalmalamente.
Chorava, chorava e as minhas filhas
abraçaram-me, pedia desculpas a ela,
por ter matido naquela situação,
por não ter a capacidade de chorar,
e elas disseram,
mas é culpa de papá, de papá,
porque no entanto, antes disso,
eu já estava a lutar
para conseguir tirá-las da Angola,
porque o país não estava bom,
com a crise, mas a pandemia,
aquilo aumentou, o nível de criminalidade
estava muito, muito alto,
e eu estava já a lutar com o consulado
para conseguir o visto,
depois mil das virem para aqui,
sem a família, mas não consegui, não deu certo,
e depois, porque papá,
achava que elas tinham o mesmo que vir para aqui
para estar em sítio mais seguro,
porque estava cansado de estar a ouvir sempre assaltos
e rápidos, e não sei o que,
e isso estava me deixando preocupado.
E quando eu percebi que aquilo
também estava a acontecer, por causa da minha posição,
por causa do que eu falava,
naquela semana tudo fiz,
eu falei com todo mundo e mais alguma coisa
para me ajudarem a conseguir o visto
e tirar as minhas delas,
e eu percebi o visto num dia,
e no mesmo dia, noite,
havíamos para aqui.
Quando voltas a ver os outros dois filhos,
durante aquela semana foi só sondar
para perceber como é que eles estavam
mentalmente, se eles estavam
com algum pânico, algum momento,
já estavam com o pânico,
e eles dizerem que não iam à escola,
porque os gatunos do carro disseram que sabiam
onde eles estudavam e disseram,
os horários e as turmas delas,
porque assim, ok?
As vieram mesmo super preparadas,
isso foi um trabalho
feito com tempo e de educação,
não foi só uma coisa assim,
e naquele momento eu pensava ser,
eu falo sobre isso ou não falo?
Se eu falar isso, onde é que isso cresce?
Porque, no entanto, nós estávamos muito perto das eleições,
em um país como nossa,
onde nós ainda não conseguimos atingir
essa parte democrática, da alternância,
do poder, é muito complicado.
São as presas ao poder agarradas
com os dividendos e não larga aquilo,
e tentam persuadir e ameaçar
e dar todo mundo que vem
contra aquilo que se faz lá.
Então, é para quando percebi
que também era isso de sábado,
que estou lixado.
O vídeo da Câmara de Segurança,
o teu filho ainda tenta ir ter convosco?
O meu filho tenta agarrar-se a mim,
e até hoje eu nem consigo olhar para o vídeo,
tal o meu filho, mas não vou tentar entrar
no carro comigo.
É para...
e o bandido com a arma apontada
e recebeu-lhe o telefone que estava na mão.
É desconfortável ver aquilo.
Ele está lá, inocente, tenta seguir o pai,
está sempre puxado pela minha comadriga,
e diga, pega, pega os miúdos, pega os miúdos.
É um momento que tu estás ali,
tu não sabes o que vai acontecer.
Não sabes.
Por uma hora e meia,
eu não sabia se aquilo era para me matar,
era para me assaltar,
se era para o que vais ou não sabe.
E as miúdas, principalmente?
As miúdas, principalmente.
Como estava todo o caminho a pedir pelas miúdas,
ao momento que eu dizia assim,
ah, afinal, estou a ponto de fraco a todos os filhos.
E eu na minha casa disse,
mas quem é o pai que não tem os filhos como ponto fraco?
Mas ao mesmo tempo,
também percebi que precisava fazer
ainda mais força para que esta situação
mudasse no país.
Porque eu acho que,
ainda que haja fome de poder,
não pode ser até esse ponto de metermos
em risco a vida de crianças.
Precisamos encontrar a verdadeira paz.
Já tivemos paz em 2012,
com cada lado das armas,
agora precisamos encontrar outros passos
dessa paz, que é
que conseguimos estar no nosso país.
E sentirmos livre, sem medo,
às vezes de dizer o que pensamos,
que nós não podemos ser criminosos
porque contrariamos uma ideia,
porque não gostamos da maneira de agir
algumas vezes.
Afinal, aquilo é nosso, é de todos.
E todos têm que ter uma voz sobre aquilo.
Esse episódio e os outros
reforçaram a ideia de viz para Portugal.
Forçaram muito, muito, muita ideia
de viver cá.
Eu já tinha que viver cá
por conta dos compromissos laborais
que tavam muitas propostas,
estava a correção para bem,
então não vou deixar passar essa oportunidade.
E está sendo incrível.
Portugal é um país muito lindo
e com muito boa gente.
Sem esquecer um catalisador na quebra
determinados preconceitos e muros,
às vezes masiado altos que se estabeleceram entre as pessoas
e entre Portugal e Angola.
Também sim, ajuda-se muito
a cabrar estereótipos sobre um povo e outros,
tanto os que eu tenho sobre Portugal
e portugueses, tanto como
portugueses que tenho sobre Angola e os Angolanos.
O que eu digo é que nós nos conhecemos
muito pela televisão
e pouco entre as pessoas, mas.
O que é notícia normalmente é aquilo que é má.
As coisas mais são sempre bem enoteciadas
e então quando olhamos para um país
estamos sempre a olhar para as coisas mais
que acontecem naquele país.
Mas quando tu chegas e tu conversas com as pessoas
e perceber por que que também a pessoa pensa isso.
Porque os preconceitos não surgem de nada.
Às vezes aquela pessoa não tem acesso
ou nunca teve um clique
que motivasse aí buscar um bocadinho
de mais informação sobre aquilo.
Que ela é a melhor forma de combater o racismo.
Primeiro, admitir que as pessoas
têm, se calhar, aspectos diferentes
e que a diferença não é má.
É só de frente. Não quer dizer
que seja mais ou menos, porque o racismo
ele é construído na base
de que uma raça é superior a outra.
E há uma estrutura
que assim o faz. A partir do momento em que
tu começas a olhar para o outro e achar
que por ser determinado a raça é menos inteligente,
é menos capaz
isso é o que mata.
E por isso é que se fala sempre em darmos
uma visibilidade maior e melhor
às outras raças. E que seja
menos só pelas notícias mais
mas que possamos ver também
o outro lado das pessoas, as coisas.
O mundo foi criado
não tendo
o preto como elemento da sociedade.
Mesmo que a abolição
da escravatura acontecesse no século 19
mas até as pessoas começarem a olhar
para essas pessoas como gente
é uma coisa que tem pouco tempo.
Nós há 40 e poucos anos atrás
ainda éramos uma colônia.
Sendo colônia, claro que havia lá pessoas
que olhavam os outros como gente
mas no conceito geral não eram
tida em contas, não eram prioridades
não havia políticas para que as pessoas
pudessem contar dentro da sociedade.
Então nós lá no baio que vocês diziam
quer estudar para quê? E nós somos
os daqueles que crescem sem nenhuma referência
porque nenhum toutinho ou vizinho
é engenheiro, é médico,
é rico, ou tem...
Não, todo mundo ali é degraçado, então tu creste
que o horizonte é aquilo
que limita a nossa visão, tudo.
Até onde o nosso olho consegue chegar
e até onde o nosso olho consegue chegar
só vê degraça. Então nós dizemos
não, tudo já está tomado, isso tudo é deles.
Já que conseguimos o pão, o mínimo
está fixe.
E é assim que o pessoal viu.
Eu acho que as pessoas querem
minimizar o racismo
como chamar um de preto
ou outro de branco, ou azul,
ou castanho não, não é uma questão de cor.
É uma questão de estrutura
política, económica
que tem que ser
quebrada. Há países, não digo muito
em Portugal, mas daria países como
o Brasil, como os Estados Unidos
que têm uma presença
do homem preto, muito, muito grande
precisam de ver que essas
pessoas não são só pessoas de favelas
não são só pessoas
de marginalidade, mas são pessoas
que podem fazer tudo
o que o resto faz.
Há preconceitos que estão tão erraisados, que as
pessoas aprenderam a ver isso como normal.
Às vezes que nós estávamos lá, coisas brincadas
vamos a montar uma mesa e falta um parafuso.
O branco não vai inventar um parafuso
para sobrar. Esse parafuso tem um lugar
que não estamos a montar malice.
Então há esta crença de que há
uma raça superior a outra.
E foi defendida durante muitos anos.
Foram séculos de defesa
desta ideia. Esta ideia fez com que
toda uma raça
fosse escravizada na boa.
Eu acho muito de uma frase
de Trevor Noah e vários humoristas
do Africano também pegam muito.
Na África do Sul, até os anos 90,
cresceram sob um racismo muito claro
de platas que diz
só para brancos
proibidos pretos.
Aliás, há um texto do antigo presidente
desta altura do apartheid na África do Sul
de Pica Bota, que ele dizia
que o mundo finge
gostar
dos pretos. Nós aqui não fingimos.
Nós dizemos na cara. E às vezes
o problema é isso, que é
quando as pessoas fingem que tu fazes parte
e até tem um amigo, até não sei o que
que se torna. É mais frustrante
porque ao mesmo tempo tu sente, mas não
consegue explicar alguma coisa que não
está certo. Porque está tão disfarçado
eu tenho um amigo
eu até empreguei um, eu até conheço
um, que o pessoal não consegue
identificar de forma clara
porque quando a coisa é clara, as pessoas dizem
ok, não, aqui há uma placa
que diz proibido preto. Mas agora
já não há placas, mas existe ali
uma mão invisível. E eu só
tenho a paz. É estranho que a gente está sempre
a ir para o sítio.
Eu olho
para a África. Nós somos o continente
mais pobre, mais no entanto
somos o continente também mais rico.
Temos todos os recursos e mais
alguma coisa. O que é que se faz
as pessoas acreditarem? Que nós não somos inteligentes.
Que nós não temos capacidade
de pensar o mundo. E por isso é que nós não
me desenvolvemos. É dizer, pato galal, gastem
a faca, o pão, o queijo, o forno
e tudo lá e o caso não consegue fazer
uma sana desencontração. Mas porque
existe essa mão invisível, que toma
conta das coisas e aliás
eu sou formado em relações internacionais
e a nação política. E nesse curso
nós aprendemos a perceber como é que
a arena internacional funciona,
como é que essa sociedade
do país funciona.
Gosto de música, gosto de cavio
de lão, não gosto de barulhos.
Tipo, aquelas pessoas querem conversar
no meio do espetáculo, não gosto.
Eu quero que me termos um negócio
também dentro da garagem.
Sim. Eu entendo, né?
Vais deixar os côculos lá fora e podem roubar.
É rouba, claro. Foi um difícil
a manter a vida que tu tens ao ritmo
que tu ouvies. Tu de repente
passaste a fazer muitas, muitas
coisas. Foi difícil porque pela primeira
vez eu estava sozinho em pau.
Os meus primeiros 17
anos de carreira, foi em grupo.
Tem Fernando da Rato aqui?
Tem, isso aí, vai levar? Não, não,
não. Vou trazer o rato
para comer aqui, já já vê.
Sair do grupo não era bem o que eu queria.
Eu queria fazer stand up, mas eu não queria
uma carreira solo.
E depois vem as eleições
de troca de Presidente da República
e eu disse bem, isto
devia ser um momento de viragem
para todos nós.
Para conseguirmos educar nos assuntos sociais,
criticar, conseguir falar,
conseguir se posicionar,
e aí eu começo a perder a aprovação
por parte do grupo.
Realmente em Angola, quando tu
tocas nestes aspectos, politicamente
começas a sofrer
represais. Até com dias, falaram comigo
e disseram para, olha, trabalhar contigo
já não dá. Perfiro
perder, colegas do que perder
amigos. Já que este meu caminho
é um caminho que é perigoso,
vou seguir então o meu caminho
a solo. E por causa disso, se eu também
mentir na minha cabeça, eu tenho que fazer sucesso.
Isto tem que me correr bem.
Viver muito é para viver mesmo.
Por isso é que vocês casam tarde. Você sabe que
aquela p*** vai durar até os 85 anos.
Foram 3 anos
de trabalho arte.
E com essa vida é mais difícil fazer resistir
um casamento? Se calhar sim, eu fiquei
muito tempo fora. E, apai, eu achei
que estava tudo bem. No final
de contas eu estava a fazer também pela família.
Havia um sacrifício que precisavam
ser feito, como ficar aqui 7 meses
direto a terminar um projeto
que precisávamos disso. Já
estávamos em crise e vem a pandemia, vem para
piorar. E, apai, eu tinha que fazer
esse sacrifício, que era ficar
longe da família por 7 meses
a trabalhar. E, infelizmente,
quando voltei, já não
tinha ferido.
Quando voltei, minha ex-mulher disse
me olha, já não.
Já não quero continuar esse
casamento. Já não há nada
para mim aqui.
Xinglei, me atirei no chão,
cheguei tudo, fui fazer terapia,
tentar perceber a ela, também,
principalmente, porque às vezes nós temos que tentar
perceber o outro. Não muito para entender
quais as motivações, mas
para encontrar uma página, para estar
ok. Porque se ficamos ali
sempre a lutar, mas porque
já não sou bom o que que aconteceu.
E foi um tiro, para mim foi
um tiro assim, muito desagradável,
porque eu achei que tinha chegado
à hora, né?
Pá, estava a fazer sucesso
com a carreira, a televisão, tinha rádio,
estava com sucesso brutal em Portugal,
pá. E quando as coisas
correm bem em Portugal, é
coa para todos os palopos, e eu estava
naquela dissapar, porque era
até fixe, com aquela alegria
para dizer, olha, família, cheguei,
agora temos
condição, tinha conseguido
continuar a dar sustento
e uma vida condigna da minha família,
mas, perdia
a mulher no processo.
O que é que é mais difícil desse processo de divorce?
É a separação dos filhos.
No meu primeiro casamento, eu tenho uma mais
experiência de separação com a mãe das minhas
primeiras filhas, porque as minhas filhas
sofreram com isso. E isso é uma coisa que
até hoje ainda me cria um
certo desconforto, então é se medo, pá.
E quando há essa separação, fio por ser
um comédio, será que eu estou a dar
atenção certo? Será que estou a
aqui ou para ali? Isso para mim é muito
difícil até hoje, ainda é. Convistaste
com eles? Não, não, não. E falando
a ser, acho que nem com as minhas primeiras
filhas, eu nunca tive a coragem de
sentar com elas e tentar para estudar
delas o que que elas acham. E o que
eu faço, basicamente, é estar de longe
e observar e perceber como
elas estão mentalmente. E hoje eu fico
mais atento. Nas minhas primeiras filhas, não
estava assim tão atento, estava naquela
espécie, não sei o que. É como se
o karma voltasse
no primeiro casamento. Eu decidi isso aí
e agora também fui
deixado ali, então. E houve
barulho público, sobretudo em Angola
com essa separação? Sim, houve.
Para nós tentamos manter
isto ainda para nós,
até porque não queríamos os miúdos
a levar em conhecimento. Quando é
figura pública, bem ou mal as coisas
acabam vir ao de cima. Foi
só mal porque a história que foi
contada não era a história verdadeira.
Eu bastante achei que, mas,
ninguém aqui ia tentar trabalhar para
denigrir a minha imagem completamente.
Porque não foi, só olha, e o Mario
está separado, chegou ao fim e foi
que eu expulsei
a minha ex-milha de casa
e ela teve a alugar um quarto
ou de velas para ir viver com os meus
filhos porque eu queria a casa para mim
para os meus irmãos e a minha mãe.
E é estranho ver
que as pessoas acreditaram naquilo.
Não sei se eram pessoas reais
ou se eram um grupo de pessoas que
íamos aqui uma oportunidade, agora vamos
encostar a sociedade na parede. Eu sei
que essas coisas provavelmente
comigo vão acontecer algumas vezes.
Eu tenho uma voz
e uma voz não se cala a sua.
Nem tirando a vida dessa pessoa às vezes, o primeiro
passo é desacreditar essa pessoa.
Fazer com que a sociedade
odeie essa pessoa para alguma coisa que
disse, uma coisa que fez. Mas depois eu
esclarecer e a minha família
também foi ao público esclarecer que
tudo aquilo era mentira. E aproveitar
da verdade que era o facto de não estarmos
separados para materem outras histórias
acima. De repente
a minha mãe começou a receber ataques
em Angola. Pessoal ia para as redes sociais dela
dizer, sai da casa de seu filho
e ela está na casa dela. Como assim?
Até onde eu me lembro, este é
minha casa e a minha mãe
nunca veio para Portugal. Senhora que é
muito via, mas não consegui ver.
Gosto sérios, gosto rádio,
gosto de abraçar, gosto de
seguir bem, não consigo esticar,
não consigo. Porque, cara,
não gosto de extravagância.
Alguém te deve um pedido de desculpas?
Eu acho que não. Hoje principalmente
nós achamos comum que nos deve
alguma coisa. Acho que ninguém nos deve
nada. As pessoas estão aquilo que elas conseguem ser.
E fazem dentro da visão
dela, das motivações dela, sejam
emocionais ou sejam racionais. Não tem
nada a ver com nós. Nós somos
as únicas pessoas que temos a capacidade
de nos desculparmos, estar à espera
do pedido de desculpas de alguém. É aumentar
a toda. Tu pediste desculpas a todas
as pessoas a quem querias pedir? Eu acho
que sim. Uma das pessoas que
eu me ajudei e pedido de desculpas
foi a mãe das minhas primeiras filhas
porque eu fui injusto com ela
quando me separei dela. Éramos muito amigos,
viemos na escola, tivemos
filhos e, é pá, chegou uma
altura que eu queria outra coisa, não aguentei
e simplesmente deixei-a
assim. E ela queria
muito, ela lutou muito para aquilo. E às vezes
quando ela lutava eu nem sequer a percebia
mas eu pedi desculpa a ela
que o perdão dela
eu recebi e aí seguimos bem
e feliz. Está ela feliz
na vida dela, eu feliz na minha vida
e, é pá, temos as nossas filhas
que também estão felizes com isso e
estamos agora numa onda boa.
Para alguém que já renaixeu tantas
vezes, de que é que tens mais medo?
Eu acho que o meu maior medo
é não conseguir vencer
o medo. Eu não
quero ter este medo
que paralisa, que também me peça
de olhar para uma
coisa que eu não concordo, que prejudica
alguém e, é pá, eu tenho
medo demais para não conseguir
agir em prol dessa injustiça
que está a acontecer à minha frente. Imagina
que eu tenha que salvar
os meus filhos e o medo de tomar ponta
de mim e não conseguir fazer isso.
Então, eu acho que
isso é uma coisa que me apõe
em pânico. Tens ambições políticas?
Nenhuma. Eu acho que eu não sou
suficientemente frio para ser política.
Daquilo que eu estudei, de quem
eu investigo, eu acho que o mundo
da política exige uma certa
frieza para tomar determinadas decisões
porque tu estás ali para liderar e quem
lidera normalmente, às vezes, tem que
sacrificar coisas. Tem que
sacrificar às vezes até pessoas e eu acho
que eu não tenho essa frieza.
Qual foi a melhor coisa que disseram sobre
você? Que eu sou uma pessoa de luz
no sentido de que
eu transmito
boas energias para o ambiente
que estou e para as pessoas que me rodeiam.
Então, para mim, isto é a melhor coisa
que me disseram até hoje. Se encontrasse
aquele puto Gilmário que tem sete anos
e é de noite, a casa de
ele está a ser assaltado, ele está a viver uma coisa
terrível e tem uma vida muito difícil, o que
ele dirias? Há malas que vêm para bem
e há malas que vão para bem.
Teria exatamente isso ao puto
de separar. Aguenta a ferro
que o melhor
está por vir.
Que coisas os teus filhos disseram que não os
canses? É uma coisa que
eu ouvi
da minha filha Alina e eu
nunca esqueci e infelizmente
também não vou conseguir
nunca corrigir isso. Que eu me lembro
dela com três aninhos e ela queria
muito que eu a fizesse dormir.
Mas já fazia tarde e eu tinha que ir para
minha casa e não podia estar na casa
com a mãe dela até tarde
e eu disse a papá, infelizmente
mas o papá tem que ir e ela me disse
se o papá não tivesse
se separado da mamá
o papá podia estar aqui e me fazer
dormir à vontade.
Quem queres que eles digam que foi o pai?
Que o papá
foi um homem justo.
O que é que dizem? Os teus olhos?
As minhas olhos que transmitam
sempre essa esperança
na esperança na humanidade.
Somos confusos
somos complicados
mas no fundo
nós somos
somos seres humanos
acho que é isso que eu quero
que as pessoas comprenam
que olhem sempre
para alguém e consigam
enxergar num outro ser humano
que sente
que pensa, que sofre
que tem ideias confusas
que têm preconceitos
e
que é feito de tudo, tudo
que um ser humano possa
vir a ter.
Obrigado.
Obrigado.
Obrigado.
Quase.
Quase vinha a lágrima.
Feito.
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Numa grande entrevista de vida com Daniel Oliveira, o humorista Gilmário Vemba recorda o que o fazia feliz em Luanda, quando era criança: "Transformava tudo em brinquedos. Havia muita falta de energia, então a nossa televisão era a minha tia a contar histórias". Recorda os conflitos armados no país em 1992, única altura em que faltou comida em casa e em que a violência era tanta que se normalizou e conta a história do assalto à casa da família: "Foram três horas ali, sequestrados. Espancaram a minha mãe". Oiça a entrevista completa em podcast.
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