Vamos para a Tua Terra: Congo (RD)
7/23/23 - Episode Page - 45m - PDF Transcript
A tua terra, a tua terra,
Vamo-os, a tua terra,
A tua terra, a tua terra,
Vamos para a tua terra
Olá Immanuel
Olá Outro
Tás bom?
Olha uma notícia, hoje vamos voar até o Congo, é verdade?
Ou melhor, a República Democrática do Congo
Que é para não confundir com a outra, mais conhecida por Congo Brazzaville
Que é bem mais pequena
Aquela que falamos hoje, a República Democrática do Congo
É a extensão, um dos maiores países da África
O segundo maior país da África e aliás um dos maiores países do mundo
Vivem lá mais de 100 milhões de pessoas
Fica no meio da África
Fica a sul da República Centro-Africana
E a norte de Angola
E depois muitas outras fronteiras que têm
E um bocadinho de costa atlântica
Falar da história desta parte do mundo, claro
É falar da história dos próprios seres humanos na terra
Mas não vamos começar tão atrás
Vamos dar assim um salto mais para a frente
E falamos do reino do Congo
Que existiu entre os séculos XIV e XIX
Até que chegou a famosa corrida à África
Ou seja, quando os europeus de repente se interessaram
Pela colonização de todo o continente
O Congo tem uma história de colonização muito peculiar
Foi a propriedade privada do rei Leopoldo da Bélgica
Que usou este vasto território
Basicamente como uma enorme fazenda de produção de borracha
É verdade que isto aconteceu nos finais do século XIX
Mas a memória das atrocidades que lá se fizeram
Nesta altura, incluindo as famosas mutilações
Continua muito presente e viva no Congo
Não é que não tenha concorrência
Com outras memórias trágicas e tristes
O Congo torna-se depois uma colônia
Já mais oficialmente da Bélgica
Propriamente dita até a independência
Que chega em 1960
Sexo é um período de muitas tensões internas
Que estavam ali fervelhar debaixo do poder colonial
Até um golpe de Estado que leva ao poder mobuto
César seco
O país muda de nome para Zair
E começa uma ditadura megalómana
Um culto de personalidade
Que inclui palácios gigantes no meio da selva
E que vai durar 30 anos
Depois que o fim da ditadura em 1997
O Zair volta a chamar-se Congo
E vem a guerra
Seis anos depois
Tenham morrido outros tantos milhões de pessoas
É o conflito mais mortífero
Desde a Segunda Guerra Mundial
A paz vai chegar com o presidente José E. Kabilá
Mas não vai acabar aquela expressão
Que nós nos habituámos a ler nos jornais e nos relatórios
Atropê-los aos direitos humanos
Que na vida real quer dizer, claro, o sofrimento das pessoas
Em 2019 começou o longo e muito ardo
E difícil caminho para a democracia
A guerra ainda não acabou completamente
E são aos milhões o número das pessoas
Que ainda não conseguiu voltar a casa
O Congo é um dos países mais ricos do planeta
Em recursos naturais
Mas as pessoas que lá vivem
São das mais pobres do mundo
Agora, não deixa de ser simbólico
Que um dos berços da humanidade
Não tenha ainda encontrado a paz
Claro, nós aqui acreditamos que os países
São mais do que o sumatório
Dos seus momentos mais tristes
E queremos saber mais
Queremos conhecer mais sobre o Congo
Na área Madeleine Mangani
Nasceu em 1985 na capital, Quinshaça
E também estudou lá
Viva em Portugal desde 2017
E trabalha no centro de acolhimento
Para os refugiados
Olá, Madeleine
Olá, bom dia
Muito bem-vinda
Obrigada
Vamos começar pelo início
Quero que me fale...
Nasceu em Quinshaça
Quero que me fale de como era Quinshaça em 1985
Vivia-se ainda em ditadura do Mobutu
Aquele ano, aqueles anos
Eu era muito pequena
Eu cresci na França
Em 1985
Fiquei na França 13 anos com meu pai
E a minha mãe
Depois regressamos para Quinshaça
E daquela época
Falando de meu país
Meu país era bom
Era muito bom
E como era criança
Dava para brincar na rua
Não tinha problema, nem maltrato, nem nada
E as coisas estavam correndo bem
Até chegou a 1996
Na entrada do presidente...
Cabilá
Cabilá
Aí tinha a primeira vez
Que eu ouço de guieira
Então aí tem que se trancar dentro de casa
Não dá para sair
Porque lá fora tem
Barrolo de tiro
E era um...
Era um momento horrível
Terrível com o facto de eletricidade
E o facto de sair na rua
O facto de ir na escola
Ter que ficar trancado
E era um momento que
Não queria mais voltar a viver
Aqueles momentos, aquelas épocas
Mas passou mais ou menos
Demorou um pouquinho de tempo para passar
Viu lá durante o período
Estas são duas guerras basicamente
No espaço de seis anos
Viu lá esses seis anos inteiros
É um pouquinho difícil imaginar nós
A Segunda Guerra Mundial
É uma referência dos livros de história
Para todos nós hoje em dia
Passaram-nos já muitas décadas
Mas é...
Eu disse há poucos números
É difícil imaginar que
Em seis anos tenha morrido
Quase seis milhões de pessoas
Ou seja, é impossível que a guerra
Não fosse uma presença
A cada segundo de cada dia, não é?
Eu vivi lá
Numa província com o meu pai
Numa província de Matadi
Matadi
Eu tive lá com o meu pai e com meus irmãos
Aí...
Não tinha paz
Sendo uma criança
Mas estás afatada de muitas coisas
Da muita liberdade
Não tinha liberdade
Ter que ficar trancada em casa
Quando começa aqueles barulhos
Vocês têm que deitar para o chão
Deitar para o chão
Depois quando passa mais ou menos
Que vocês têm um pouquinho de pai
Depois de voltar mais, aqueles barulhos
São os momentos que não gostam muito
Porque não foi muito agradável
Não foi muito, muito bom
E conseguir ir à escola
Dentro disso?
Não, não
Eu tinha como indo à escola
O país foi cancelado durante esses seis anos?
Sim
Mas...
Algumas pessoas criaram praça
Aperto de casa
Algumas mais
Porque nós temos um privilégio de ter quintalha
Onde que tem, onde...
Não sei como falar
Planta maior, uma espécie d'ortes
Algumas pessoas que tinham quintalhe grande
Tinha...
Há um momento de vender na porta dele
Legumes, frutas
E dava mais ou menos para ir naquele sítio
Mas depois tem que todo mundo ter que correr
Ter que correr
E são os momentos...
O que faziam os seus pais antes disso?
Meu pai era afaiático
Culturado
Sim
E a minha mãe era uma mulher de negócio
Era porque já não estão cá
E naquele momento
Meu pai não dava nem para fazer nada
Tava aí parada
Mas a minha mãe corajosa que ela era
E vendia, vendia bolinha
Bolinho
Bolinho de...
Não sei se aqui chama bolinho de que
Não sei
Bolinho
E vendia fuba
Era muitos irmãos?
Quatro
Quatro
Na altura tivemos quatro
E depois meu pai foi continuar a história
Eu há pouco falando do Mobut
Claro, isto é uma visão
Mas que tem uma herança
Que não é caso única em África
De pessoas que foram heróis da independência
Dos seus países em relação aos poderes coluniais
Mas depois rapidamente a coisa corre
Lí um bocadinho menos bem
E torna os seus próprios ditadores
Eu sei que no Congo
Ele tem uma herança
Para algumas pessoas
Foi um período próspero
E feliz da história do Congo
E para outras pessoas não foi
Com uma repressão política
Mas havia uma espécie de paz
Era isso durante estes 30 anos
Da ditadura do mundo
Sim, falando na época do...
Claro que não viveu
Ou seja, não viveu o tempo todo
Sim, mas...
Era a criança eu me lembro de algumas coisas
Era tudo bem
Naquelas momentos, eu me lembro
O meu tio
O meu tio tinha um pouquinho de dinheiro
Um pouquinho, ele tinha dinheiro
Porque ele trabalhava no...
Onde que fabrica a cerveja
E aqueles momentos
Todas as coisas andavam muito bem
Muito bem, eu iria na escola
Não possui reclamar daquelas momentos
Porque eu tinha uma boa vida
Naquelas momentos, tinha boa vida
Isso já em Kinshasa
Sim, naquele momento da época do Mobutu
Antes de chegar à guerra
No final dos anos 90, sim
Aquele momento eu não posso reclamar de nada
Era o momento que eu queria viver
Até nesse momento, mas infelizmente não dá
Como é que era Kinshasa nessa altura?
Os anos 80, os ministros anos 90?
É uma cidade grande
Não é uma cidade muito, muito grande
Kinshasa, naquele momento
Kinshasa
Se voltar um pouquinho na minha memória
Kinshasa era, como nós falamos
Kinshasa era bela
Kinshasa era bela
A minha cidade era muito bonita
As ruas
Não tinha muitos buracos
Como está nesse momento
E para chegar nas praças
Era tudo fácil
Mas agora as coisas estão complicadas
Porque as ruas estão...
Claro, são muitas décadas de guerra
É, entretanto, costuma voltar
Vai muitas vezes a Kinshasa
Diz que eu sei da minha tirenda
Não volte
Por causa das políticas
Quando sai em 2017
Para Portugal
Ou estava no sítio antes de vir para Portugal
Eu tive na Austria
Fiquei lá 9 meses
E depois voltamos aqui em Portugal
Em 2017
Desses tempos de Kinshasa
Durante a paz
Andava na escola
Sim, sim
Andava na escola
E a minha escola era muito boa
Muito boa
Muita atividade
Porque eu estudei a primária
Era muito bom
Pronto
Ainda não tem contacto com alguns dos seus...
Não, e felizmente não
Porque foi muitas coisas assim
Muitas pessoas saíram do país
Alguns que já moraram
Alguns que já perderam as vidas
E...
Não tem muito...
Os contatos que eu tenho
E daqueles que eu estudei com ele na Segundária
Sou algum mas também
Ainda em Kinshasa
Sim, em Kinshasa, sim
Mas já na altura mais complexa
É...
1999
1999-2000
Aqui
Como é que foi essa chegada da guerra?
Lembra-se disso
Lembra-se onde estava
Naquela altura
Eu só comecei a ouvir
E aí, você está aqui
Entende em casa
Entende de nada
Rebele, rebele
Tem que fugir e entrar para casa
Não sabia o que estava a acontecer
E depois estão a falar que o Rebele
Tão vir tirar o presidente que está
No...
O Mobutu
Tão tirar o Mobutu
Então nós ficamos aí
Só ouvi a guerra, a guerra, a guerra
Não sei mais como explicar
E depois
Parte para outra cidade que estava a falar
É uma parte
Mais rural, era uma cidade também grande
Viveram essas vidas
Sim, Matadi é uma província
Do Congo
Que era a segunda
Como posso falar em português
O Quinshaça
É a primeira capital
E Matadi era a segunda
Era a segunda capital
Continuou vivendo uma cidade grande
Um bocadinho mais popada da guerra
Não
Aquela cidade
Não foi popada da guerra
Tinha a guerra também
Por que se mudaram para lá? Porque achavam que era mais segura
A guerra começou
Desculpa
Quando a guerra começou
No 1996 eu estava na Matadi
Com meu pai
Meu pai mudou-se para a Matadi
Porque lá
Em português não sei
Dê do animal
As coisas que saem de roupa
Que chegam no barco aí
Não sei como explica em português
Porque aí era fácil para ele
Porque
Para as coisas que tem na Quinshaça
Era
Gasta muito dinheiro
Então, ele preferiu viver lá
Em Matadi
Então, a guerra
Quando a guerra começou, eu estava na Matadi
E depois é que se mudou para a Quinshaça
Sim, sim
Pustava mais em paz
Mas a Quinshaça era
Mais ou menos
Em paz
Porque a guerra
Toda a República Democrática
Sim
Toda a República
Em Quinshaça
Estava mais ou menos
É muito diferente
Ser do Norte do Congo
Ser do Sul do Congo
A diferença aí
Dos dialeto
Mas quase todos nós
Temos a mesma cultura
Fala um pouco dessa cultura
Qual é o traço principal
Dos congoleses?
Nós temos
Nós temos uma língua
Aquela língua
Só nós congoleses que falamos
É
Langila
É um lingala
Misturado com algumas
Algumas
Algumas palavras
Que só tem que ser nós
Se um congolês está aqui
Falamos entre nós, vocês não vão perceber
E que não é falar
E que não é falar de mais lá
De mais em uma zona da África
E já volta aí
Não, eu sou no Congo
Eu sou nós
E há outras províncias também
Cada província tem
Dialeto deles
E eu sou do Bacongo
Nós falamos que Congo
Sim
E falam um bocadinho da vida familiar
No Congo
Com
A minha família
Era toda a gente da cidade
Ou tinha família fora da cidade
Tinha família na cidade
Também tinha família fora da cidade
É só um momento
Que queria
Que
Deu viver-se até agora
Aquele ambiente
Aquele entendimento
Aquela comunhão, aquela paixão
Era
Não posso comparar isso
E nada, não posso comprar isso com dinheiro
É uma coisa natural
Que nós
Filho do tio, filho da tia
Entendemos bem
Estamos aí
São muito alargados esse conceito
Pode ser até
Uma aldeia inteira
Pode ser, pode ser sim
É muito importante
Mesmo as pessoas que vivem na cidade
Toda a gente tem
Essas ligações, onde estão, geralmente, as pessoas mais velhas
Era assim
Os seus avós provavelmente
Estavam
Tive lá, com meus avós
Qual longe era
De Quinshaça?
Porque imagina, se num país tão grande
Pode se vir de muitos milhares de quilômetros
De distância da Quinshaça
Não era muito distante
Era pertinho
Mas deixa contar um pouquinho
No quintal
O avô
Era um quintal grande
Que tinha lá cinco mangueiras
Com três
Abacate, não sei como falar
Árvore do abacate, sim
Três de abacate
E de papai
Papai
E tinha muitos legumes
E ele tinha galinha
Pato
Cão, gato
E
Fiquei um pouco arrepiada
Para sentir
Aqueles momentos
Que não dá nem para voltar mais atrás
Porque já foi uma época que já passou
Sendo criança
Aqueles momentos
Não sei
Não sei bem como explicar
Porque está me dá vontade de voltar
Naqueles momentos
De sentir meu avô
Eu estou com voltado de lá
De sentir meu avô
Estava de sentar
Em baixo da mangueira dele
Com os neto de lado
Com aquelas brincadeiras
Ele tinha algumas músicas
Aquele que cantava para nós
Aqueles momentos
Que nós brincavamos
Entre nós
Ai meu Deus
Como que você conhecia que ia visitar os seus avós
Quando estava a crescer
A ocasiões especiais
Acesamentos
Como é que você gostou desse equipe?
Era se gostasse de
O fim de semana
A vez nos passamos
O fim de semana aí
Voltávamos domingo
E o nosso avô
Era aqueles que gostava
Daí na igreja
Que nos levava para a igreja
Quando volta faz aquele almonso
Aquele pato que ele gostava
De fazer com aquelas verduras
Aquelas batatas
Às vezes tenta fazer
Esse prato
Tenta fazer
Tento e gosto
E é parecido o sabor?
Não, não é parecido
Aquela era natural
Que sai da terra
Diretamente para a panela
Mas agora passa tempo
Fora e depois para colocar na panela
Fico sempre lá
Isso era o avós do seu pai
O lado da sua mãe
O lado da minha mãe
O lado do meu pai já tinha falecido
Em 1991
Da minha mãe
Eu passei muito tempo com eles
É mais comum ter uma ligação
Mais forte com um lado da família
Ou outro?
É de repente muda de família
Para a família
Fiquei com muita ligação
Na família da minha mãe
Porque
Depois da separação
Do meu pai
Nós passamos tempo na família
Da minha mãe
Com o nosso avô
Os seus avós contavam de histórias
Seguramente como todos os avós fazem
Que histórias é que eles contavam
Do passado do como?
Quando ele
Em 1975
Quando ele chegou
Na cidade
De Kenchassa
Naquela área aí
Que ainda não tinha muito
Muitas casas
Porque eles eram de Angola
Eles eram angolanos
Eles também fugiram
Na altura
Fugiram da guerra da Angola
E como é que essa
Aventura de sair do con
Quando é que chega essa decisão?
Ah
Chegar aqui não gosto muito
Vou contar porque eu fui uma
Uma altura muito
Muito triste
De deixar tudo
Deixar os filhos
Deixar a família
Negócio, casa, caro
E sair fugindo
Na tua própria terra
Para salvar a vida
Para se salvar
E salvar o marido
Não gosto muito dessa história
Porque me faz
Relembrar algum
Sentimento ruim
E muito mal
E hoje trabalha com refugiados
É bom poder
Dar de volta
E trabalhar com pessoas
De quem conhece muito bem
O drama
Gosto de trabalhar com os refugiados
E eu sinto a dor deles
Porque eu também fui refugiada
Também deixei minha terra
Com o que a gente trabalha
Sim, eu gosto de trabalhar com os refugiados
Porque
Eu compartilho a de vez com eles
Aos momentos que
Eles também estão passando
Com alguns dificuldades
De deixar tudo
De deixar as famílias
Criança
As pessoas com quem trabalha
A maior parte
São dos árabes
Da África
E também tem alguns ucranianos
Pergunto se acha que faz diferença
Para um refugiado
Ter
Ajudá-lo
Alguém que também já foi refugiado
Importante, importante, importante
Porque
Quando carega contigo
Um sentimento
De perder
E compartilhar como a pessoa também
Que perdeu
Muitas coisas na vida
Aí vocês combinam
Vocês
Dá para você ajudar
Para ajudar
Para entender o que ele quer falar
Para entender o que ele precisa
A pessoa que passa
Que tem depressão
Uma pessoa que
Mato porque não quero ver ninguém
Porque está a passar mal
Mas quando você chega lá dá para conversar com ele
E vai preferir melhor conversar contigo
É um lugar de alguém que sabe o que está a dizer
Sim
E há um momento que
Só um momento que
Dá para dar abraço para reconfrontar a pessoa
São os momentos assim
É o gosto de trabalhar
Qual é que sinto que a principal necessidade
Das pessoas que chegam
Na situação de refugiadas
É esse abraço que falou
Sim
Abraço, entendimento
Para entender o que ele precisa
E dinheiro
Verdade
E esse apoio
Psicológico
Ou seja
Quase toda a gente chega
De viagens duríssimas
Que fizeram ter que chegar aos países
Onde chegam
São viagens muito complexas
Sim
Tipo, ano passado
Há alguns que chegaram do barco
Um
Era do
Um país da África
Em
Português
É
Os camarões
Ele contava que
Ele deu irmão
Na água
Irmão dele mais novo
Há oito anos
Ele se afogou
E para ver o coragem
Do jovem
A contar isso
A olhar na tua cara
Com a lágrima no fundo
Só me dava vontade
De abraçar
Sempre de falar com ele
De falar com ele
Dezinho
Que não se compra
E
Eu me entendo muito bem
Com todo mundo
Eu gostava
Eu gostava de falar com eles
E há um outro
Que disse
Que estava na Líbia
Na Líbia, ele foi mal tratado
Que
Ele prendia, ele batia
Mão assim, amarado
Se ele não faz bem
Um trabalho que ele manda fazer
Ele passava com mal tratado
Com mal trato
E resolveu fugir
É isso
São de história que
Arrepia
Mas como é que faz
Para conseguir
Não é tirar essas histórias da cabeça
Mas para
Como fazer a música
Vai andar
Um bocadinho pela rua
Qual é o segredo?
O segredo é
O segredo é isso
Contar as piadas
Contar as piadas
Ficar na frente
Perto da pessoa
E começar a mexer com ele
O que se passa?
Por que estás aqui?
Por que não estás bem?
Hoje não acorda
Até que acorda é porque a noite já passou
Aquelas brincadeiras
Faz bem
Ajuda e
Tem uma colega também
Que ela também entrou
É uma portuguesa
Ela também entrou no jogo
Que gosta também de fazer aqueles brincadeiras
Com eles
E depois vai ver que a pessoa
Vai se animar um pouquinho
Vai começar a falar
Fazer qualquer coisa para comer
Desqueça um pouquinho naquele momento
É depois
Mas naquele momento
Nós ajudamos para tirar
Para colocar um pouquinho de surizo na cara
Pois é isso
E sempre que partilhar essa experiência entre todos
Ajuda um bocadinho
A suportar melhor
Esse sofrimento que se traz e essa tristeza
Eu digo uma coisa
Aquilo que nós semeamos
É aquilo que nós recolhamos
Quando você semea surizo
Vai recolher também surizo
Quando você semea
Margura
Estes amarguras
Isso também é aquilo que vai recolher
Eu gosto de transmitir que eu tenho
Eu gosto de transmitir surizo
Felicidade que eu tenho
Porque eu gosto
Eu gosto de ser positiva comigo mesmo
Eu gosto de transmitir
A
Positividade
Positividade
Eu gosto de transmitir isso
Sente que
É uma característica pessoal
Mas também de certa maneira um traço cultural
Posso falar sim
Sente isso
Posso falar sim
Sentar a sua volta
Tem mais amigos do Congo que vivem em Portugal?
Ou pessoas do Congo que vivem em Portugal?
Amigo a si
Não tem
Tem congolês
Aqui em Portugal
Mas amigo a si e pertinho não tem muito
Como é que mantém o Congo
Vivo na sua vida?
Houve músicas do Congo
Que já dizia que fazia o Pátreco
Seu ovo que estava a fazer
O que mais mais é que mantém o Congo
Vivo aqui em Portugal?
Bem, tem o Congo vivo
É
Primeiramente eu roupa
Desculpa
Aí eu me sinto e já estou no Congo
Quando faço aquelas comidas
Já sinto e já
Essa comida não é europeia
Essa comida é do Congo
E quando estou a falar minha língua
Porque a minha língua é minha língua
A minha língua é minha língua
Aí já
Eu já estou no Congo
E assim que eu mantenho
Em Congo
Comigo
Um desses congolês fica horas a falar isso
Sim
Falamos a mesma língua
Como é que é o dia a dia do seu trabalho?
Como o trabalho dia a dia é bom
É bom
Eu falo isso sempre
Acho que a minha parte das pessoas
Não sabe como funciona o centro
Da acolhimento para refugiados
Como é o seu trabalho dia a dia?
Eu trabalho na lavandaria
E eu fico também na recessão
Eu sou auxiliar
De servi geral
E dia a dia
É só um dia normal
Todos os dias chegam pessoas e isso?
Falando sim
Todos os dias sim
Às vezes recebemos
Três pessoas
Mas eles chegam no outro centro
E quando aí não tem mais espaço
Eles lhe mandam para nós
E dizem que não dá nem para contar
E depois vai se notando ao longo dos dias
Uma progressão nessa tal
Depois desses tais abraços
Quase como se as pessoas voltassem a ter
Um bocadinho de vida isso
A pessoa que chega sem nada
Sem telefone, sem roupa
Do jeito que está
Nesses casos
É começar por tudo
E depois as pessoas ficam lá durante muito tempo
Até acontecem a organizar
Em sua vida
Vivem lá quanto tempo mais ou menos?
Isso depende
Depende de outras pessoas
Depende da decisão do SEF também
Estão pessoas que estão à espera
Do estatuto de refugiados
No nosso centro
É muito das famílias
Nesse momento
Como nós não temos muitas famílias
Nós estamos a receber os outros
Que estão saindo do outro centro
Para o nosso centro
Quando saem a decisão
Se é positivo que vai para a segurança social
Se negativo que fica
Que vai para Santa Casa
Mas do nosso
Que são das famílias
Quando nós preparamos casa para eles
A casa foi mobiliada
E depois que vão mais ou menos
4, 5 meses
Também foi um processo pelo qual passou
Não, eu não passei com esse processo
Mais ou menos assim
Eu
Foi batalhadora para conseguir
Tudo que eu tenho agora
Mas é bom haver
Apoios institucionais
Mudou muito desde o tempo que chegou cá
Sente que mudou muito o acolhimento
Aos refugiados
O que acha que aconteceu
Para se mudar?
São diretivas europeias
A percepção do governo português
Que era preciso acolher
De maneira diferente dos refugiados
Eu acho que só mudança de
Mentalidade, senti-se
É mais fácil agora ser refugiado
Em Portugal, senti-se do que era
6 anos atrás quando chegou
Para falar-lhe
Acho que agora as coisas estão mais duras
Porque agora
A pessoa
A pessoa que
Chegou
Do mesmo
Estatuto que eu
Daria um pouco difícil
Por causa das casas
Casas da renda
Quando na época que eu cheguei
As casas estavam
Estavam baratas também
Parecia na altura
Mas agora para encontrar
Um tema muito difícil
Muito difícil também
E muito calmo
E o ambiente em geral na sociedade portuguesa
Sente que é um
É um país
Que acolhe bem as pessoas
Da sua experiência
Sim, falando isso sim
Porque gosto de viver aqui
E aqui eu sinto
Calmo
Me sinto livre também
E fui bem acolhida
E o desejo de voltar ao Congo
Pensa muitas vezes nisso
Pesso
Queria tanto para me falar
Olá, vamos agora
Já estou aqui com minha mala
Tenho muita vontade
Porque aí no Congo
Tem muita parte de mim
Que estou lá
Continua, tenho muita família lá
Fala com eles
Te contacto muito
Agora sim
Porque alguns
Que não tinham a rede social
Mas agora estão a ter rede social
Que conversamos
Mas não os voltou a ver
Desde que saímos? Não, ainda não
Sou
Na rede social
Consegue ser a mangalinha
Como nós chamamos uma mãe
Muito protetora
Que vigiou as filhas
Mesmo com estes quilômetros
Todos de diferença
Não posso largar
Só a minha parte
Como é que se faz
De ser bem à distância?
Eles fazem que estes uns dos outros
São a portar mal?
Comportar mal, agora já não há ninguém
Que se comporta mal
Agora estão
Estão centrando
Estão na escola
E tem que dizer as notas que tiveram
A matemática
É isso, ligam-lhe e dizem
Tem que ser
Tem que ser
E eles são
Crianças, não é?
Muita criança, não
A última
Completou
13 anos de Fevereiro
Mais velho ou mais nova?
Ela está aqui comigo
E os outros irmãos
Como é que se explica
E se está a morar
A morar longe? Eles percebrem
É difícil
É difícil como essa aqui
Que eu tenho com ela
Veja, ela chora
Ela queria tanto ficar com a mana
Queria tanto ficar, ela está aqui sozinha
E fala-lhes muito do Congo
Ela
A filha que vive consigo
Ela não fala muito do Congo
Porque
Ela tem
Ela agora tem muito
Tem muitos hábitos daqui
Porque quando ela saiu da tera
Ela tinha
Era muito criança, não é? Sim, muito criança
Muitas coisas ela já não sei mais
Dos irmãos, ela não se esqueça
Porque são os irmãos que se fala
Também diariamente
Mas sobre a tera
Ela já não se lembra de muitas coisas
E conta-lhe, gosta-lhe de contar
Essas histórias todas?
Muito não
Muito não
Ela não gosta muito
É um lugar estranho para ela
Como é isso? Sim
Mas ela gostaria
De voltar
Para ir visitar
Para ir viver mais um pouquinho
É
Porque hoje em dia provavelmente
Gosta de viver em Portugal
Acompanhe
A facilitação política no Congo
Ver notícias do Congo
Agora não gosto
Porque só
É tipo estar colocando mais trece na cabeça
Como eu quero viver em paz
Essa parte
Deixo mais no meu marido
Para ele mesmo porque
É só um assunto dele
Porque cada vez acho coisa
Cada vez
Cada vez
Prefiro de não
Mas prevê
Que possa voltar
De férias para visitar a sua família
Está nos seus planos
Em breve
Está mesmo
Qual é a primeira coisa que vai fazer
Quando, bem falando, suponho
Beijar aos seus filhos com muita força
Primeira coisa é
Primeira coisa é só ele
Só
E depois de a comida
A comida
A comida, há muitas coisas que
Tem uma lista de coisas na cabeça que vai fazer
Vou chegar e vou visitar
Tem sim
Falam-nos um pouquinho dessa lista
A primeira coisa
É só meus filhos
A segunda coisa é a comida
E atrás
Atrás dos pés
Dos pés
Aqueles pés
Quando os pescadores tragam aqui na terra
Nós tiramos
Temporamos e colocamos na folha de
Aluminia
Não, aluminia
E temperamos com
Só com o alho
Com nossos ingredientes
Daí depois colocamos
Em cima do
Carvalho
Como é que se chama esse prato?
Libocé
Libocé
E poixão aí em volta
A aldeia dos seus avós
Ah
Aí
Vou chorar, assim eu volto lá
Vou chorar porque já não estão
Já não vai ser de jequeira antigamente
Vou preferir pra não voltar
Pra segurar o meu coração
Que vou fazer o momento que
Vou passar tempo pra chorar
Melhor não, mas vou querer mesmo
Passar tempo em que já só
Vê as coisas do jeito que está agora
Visitar algum sítio que eu não deixei
Que agora mudou
Algum sítio que
Algumas construções que eu estou vendo
Na internet que eu queria tanto
Vê visitar
Gostou de fazer isso? Vai ver como estão os
Cities ou a pergunta
Seus familiares
Sítios X
E elas vão me contar
Vão me levar
E visitar
Uma praia
Uma praia aí
Chit de lualaba
Gostaria
Mesmo imenso de ir lá
Onde que sai a água quente
Gostaria de ir lá
Algumas praias novas
Que estão cria
Que só estou vendo
Me dá a vontade de
De ir lá já
Passar o tempo
Como aos filhos
Um fim de semana
É incrível
Estamos todos a fazer essa viagem
Dentro da cabeça
Descrever
E Manoel, o que nos contas?
Olha, eu na verdade
Não tenho aqui nada
Relativo
Ao país
Claro, nós não vamos sugerir
Claramente a visita ao Congo
Não é fácil ainda viajar até
Até ao Congo
Outra pergunta, onde é que se pode comer
A Cities onde se come
Boa comida do Congo
Em Portugal, em Lisboa, por exemplo
Ah, nunca vi, sou na tua casa
Sou na minha papá
Qual é os pratos que cozinha mais?
Já tentou fazer com essa receita do peixe
Faz duas vezes
Aqui não dá pra fazer porque não tem folha
E o peixe provavelmente
Não é
Os peixes daqui são diferentes
E aqui tem
Legumes
Folha de
Banoneiras, será?
Não, batata doce
E tem folha de
Nós temos
Algumas folhas
Mas aqui não tem só andavi
Quando tem a pessoa aqui
Quando vem alguém do Congo, pede pra trazer
Que nós chamamos fúmbua
Fúmbua, aquele prato é cozido
Com
Amendoim
Amendoim
Com olho de palma
Com peixe fumado
E tem cites onde consegue comprar essas coisas
Que em Lisboa é difícil
Só ter que peder alguém que traga
Aqui não tem
É uma boa ideia do negócio
Mas tem
Mas tem também
Aqui tem peixe fumado
Tem peixe fumado
Tem algumas pessoas porque
Tem as pessoas de Guiné
Que vêm de também, que eles também
Comam peixe fumado
Tem peixe fumado, mas
Aquele peixe mesmo da minha tera
Não tem
Mas fiquei uma sugestão
No negócio
Nós estamos a acabar
Foi
Obrigado pra esta viagem
A que fez a sua infância
A que fizemos todos na cabeça
Do seu
Regresso ao Congo
Que esperamos que seja
Rápido
Feliz
E que tá como é nossa ideia do nosso programa
Que um dia possamos ir lá
Também
Todos visitar
Foi impressionante, obrigado
Obrigado, a música que escolheu
Podemos ouvir como sempre
Na playlist Vamos Pra Tua Terra
Que está no Spotify
Com estas sugestões
Nós voltamos pra semana
Vamos
Pra Tua Terra
Pra Tua Terra
Pra Tua Terra
Pra Tua Terra
Pra Tua Terra
Vamos
Pra Tua Terra
Machine-generated transcript that may contain inaccuracies.
A história de Madeleine Mangani é igual à história de milhões de pessoas refugiadas. E diferente, como são as histórias de todas as pessoas. Na longa espera de anos para voltar a ver os filhos mais velhos, conta-nos que o seu país — devastado pelo conflito mais mortífero desde a Segunda Guerra Mundial —continua a ser o mais bonito do mundo. A nossa viagem esta semana é à República Democrática do Congo.