Alta Definição: Zé Amaro: “Eu sei o que é a morte. Estive mesmo a uns dias de morrer. Fiquei irreconhecível”

Joana Beleza Joana Beleza 8/20/23 - Episode Page - 47m - PDF Transcript

Bem-vindo, José Mário. Gostei de ver o que está.

Chegou o Zé, como é que é?

Mas o segundo não fala das pessoas. Já sabem o que podem contar comigo.

A alegria, boa disposição e o mais é o possível.

José Mário, isto começou na alta definição.

Para chegar a este momento da sua vida há um longo caminho.

Até aqui.

Muito, muito longo.

Desbarbar muita coisa e com muitas coisas difíceis pelo caminho.

Nino pobre nasci, eu chorei, eu sofri.

Lutei muito e cresci.

Eu cresci.

Descendo de Reis do Mil, onde o sonho daquela criança que gostaria de cantar

estava absolutamente empognado, porque não tinha condições.

Era muito distante.

Tudo aquilo que eu queria não era muita coisa.

Era conseguir ser cantor.

Tenho aquele fascínio muito grande pela música.

Mas era preciso alguma estabilidade financeira que eu não tinha.

Os meus pais não tinham dado-me tudo graças a Deus.

Mas essa estabilidade financeira não, não podia.

Faltava dinheiro para quê?

Para tudo.

Tive necessidades de algumas coisas.

Eu nunca comia iogurtes, por exemplo.

Uma coisa simples.

Eu sou o sétimo de dez irmãos.

Só a minha irmã à décima que veio só uma rapariga, no fim.

Só ela é que eu me lembro dela comer iogurtes.

E você era lá, com uma sopa.

E quando havia, era difícil.

Mas a felicidade sempre.

Ao crescer com a dor, aprendi com o amor.

Construí o meu caminho.

Construí o meu caminho.

Aprendo-se com o amor.

Muito.

Só o amor vai ao todo na vida.

O amor é capaz de tudo.

Quando se aplica amor em tudo que se faz,

quando se aplica amor nas pessoas,

quando mesmo não nos dando, a gente entrega-se.

A gente dá-lhes.

Aqueles percebam que isto sim é o amor e abre a porta.

Que gestos de amor é que recorda dos seus na sua infância?

Há muita coisa.

O meu pai, um olhar sempre eterno.

Infelizmente, ele já não está entre nós há bastantes anos.

Mas bastava um olhar, um chegar à casa,

que nos dava uma paz incrível.

Proteção.

Minha mãe nunca trabalhou por todas as razões.

Trabalhou muito em casa.

Somos dez, todos os seguidos.

Era impossível fazer mais alguma coisa.

Trabalhava.

A minha mãe a educava.

E educava mesmo.

Também.

Era preciso.

Com um voto de ferro?

Também.

Mas eu amo aquela mulher.

É incrível.

Com tantos irmãos, com essa condição,

e o pai a trabalhar tanto,

o miúdo tem desejos que verbaliza,

que quer brinquedos de alguma coisa,

ou fica mais...

Fica muito retraído.

Os únicos brinquedos que eu tenho que me lembro,

porque guarda religiosamente,

é um carrinho de chapa, um autocarro,

que foi dado para os sindicatos aos meus pais.

Na altura, havia aquelas festas de sindicato

que faziam e que davam.

Nunca tive direito a um carrinho,

porque vi a sete irmãos à frente,

mais dois atrás.

Não dá para todos?

Não.

Não de todo.

A roupa vinha vindo de uns para os outros.

Eu andei descalço,

passe sempre, em criança.

Até que dá?

Eu não sei, mas até uns oito anos.

É brincar na rua?

Sim.

Eu tinha um calçado para ir para a escola,

que era uma bota,

e não dava para mais.

Eu não podia fazer os trabalhos de casa.

Eu não tinha tempo,

porque eu tinha que ir trabalhar,

eu tinha que ir buscar lenha ao monte,

para a cozinha.

Eu dizia à minha mãe,

mas eu tenho que estudar,

que até era bom aluno,

eu quero estudar,

mas nós precisávamos de lenha,

precisávamos de buscar lenha aquelas coisas.

Era ter que levantar muito cedo,

para antes de ir à escola trabalhar,

fazer coisas.

Era muito difícil.

Os invernos, como é que eram?

Os invernos eram frios,

muita chuva.

Lembro-me, perfeitamente, de uma vez,

o meu pai tentou mudar o telhado no inverno.

Chegámos centelhas duas ou três noites,

e uma das noites choveu muito.

Mas eu lembro que eu estava centelhado,

mas eu estava absolutamente protegido.

Dormíamos quatro em cada cama,

e sentia-me protegido pelos mais velhos.

A mesma que a chuva e o frio viessem,

naquele momento podia ver as estrelas,

podia ver o céu,

é um pouco isso, complementar as coisas.

Tinha que haver necessariamente

uma grande som de família.

E havia também uma hierarquia.

Respeito, eu sempre respeitei

todos os meus irmãos ao máximo.

Existiam muitas coisas erradas

daquela hierarquia de ser um pouco malvelineada,

fazer coisas que os meus pais vinham fazendo,

que acho que poderia ser mudado,

mas tinha que ser.

A continuidade de não poder estudar,

mesmo os meus irmãos trabalhando, os meus irmães,

a continuidade de ter que ir e descer,

de levantar-se, de buscar o meu feio-que,

de dar uma favorinha, de tudo, fazer.

Podia ser mudado.

Uma vez eu fugi para o meu irmão para não trabalhar,

fugi a primeira vez que eu peguei o meu cicleta,

nunca tive hipótese de ter cicleta,

nunca tive hipótese de ter nada.

Eu fui fugindo de uma cicleta velha,

eu caí, não tive empurrado,

mas o meu irmão veio porque eu não me ajudei

e ainda me bateu.

E eu... Essas coisas...

Como é que isso é possível?

Eu quero ser criasa, quero estar,

quero fazer as coisas normais

que tantas crianças fazem,

e eu isso não consigo.

Isso havia um bocadinho de revolta.

Tinha sempre forças para as tarefas que lhe dava?

Eu tinha sempre forças,

a dar os momentos que eu sentia vontade de desistir.

Isto não é para uma criança.

Eu mereço ser feliz,

de outra forma.

Eu mereço outras coisas.

Eu mereço viver como uma criança

e não como um adulto.

Desculpe, o adulto sei que fazem aqueles trabalhos

que eu já estava fazendo na altura.

Não é certo.

Ou dizer isto, eu não me estou a dizer

que eu tive uma família longe disso.

Era fruto de circunstância, não é?

Era fruto de circunstância.

E a morte sempre houve respeito, carinho,

sempre houve.

Mas havia algo que era mais forte,

com certeza os meus pais também tinham que invertir,

porque a circunstância era essa.

E porque o seu pai era a única fonte rendimento,

era preciso que houvesse mais braços a trabalhar?

Sem dúvida.

Com tanta criança a nascer sempre,

sistematicamente, era preciso.

Eu lembro perfeitamente.

Havia um tanque na aldeia,

iam as mulheres e iam os meus irmãos lavar.

As mulheres dos outras casas e os meus irmãos.

Iam lavar a nossa fonte,

para ajudar a minha mãe a fazer tudo o que tivesse que ser feito.

E os banhos, como é que tomavam?

Somávamos vacias,

aquelas alquidades que haviam.

Ajudávamos a lavar também.

E na altura certa iam buscar um cátaro de água

e tomávamos o baio.

E em Citânia de Briteiros, é assim?

É verdade.

Havia outras famílias nessas?

Havia, muitas.

Havia, muitas.

Era após em todas as casas,

ou em muitas delas.

Te ves para quem vive na cidade,

parece uma realidade distante,

mas não foi assim há tanto tempo.

Absolutamente.

Absolutamente.

É isso que penso para mim.

Será que eu devo dizer isto?

Será que as pessoas vão perceber

que a minha vida foi assim?

Porque parece que isso vai lá muito atrás,

há muitos e muitos anos e não.

Foi há poucos anos.

Era possível ser-se feliz nesse contexto?

Era, mas podia ser mais.

Eu tinha sempre isso em mente.

O que é que eu não sou feliz a fazer isso?

O que é que eu não posso fazer aquilo?

Porque de uma criança que era brincar,

que era sair bem com os amigos,

ir ver os amigos a comer certas coisas

que eu não tinha potes,

ter certas coisas que eu não tinha potes.

Mas com a aula, aquela diferença muito grande,

uma diferença aceita-se, ok?

Mas uma diferença tão grande,

a sensação de que nós temos um bocado de vergonha,

nos sentimos um bocadinho mal ao pé dos outros,

e que aqui o ali até poderíamos ser diferentes.

Como é que isso?

Numa criança não provoca inveja,

antes resignação?

É, mas isso, inveja, não.

A inveja eu nunca tive de ninguém.

E isso realmente é todos aqueles que trabalham,

atirem sempre no chapéu, barrobalmas, sempre,

porque eu sei o que é isso.

Sei o quanto há pessoas que lutam para ter as coisas.

A gente deve apoiar e deve ajudar.

Eu fiz isso na minha vida inteira.

Continuarei a fazer sempre, porque não é possível ajudar.

Ajudar pessoas, ajudar pessoas que eu gosto,

ajudar pessoas que eu nem conheço,

muitas das vezes,

mas que, de uma certa forma ou de outra, chegam a mim,

podendo ajudar,

o focinho está sempre presente.

Eu nunca digo nada um prontamente,

só se eu não consegui, e depois acabo de me ajudar sempre.

Há algum momento que tenha sido particularmente marcante

dessa infância, que ainda hoje seja fraturando?

Sim, houve um momento que ficamos sem a minha mãe e o meu pai,

por questões de família,

e eram facilmente entregues a outras senhoras

que vinham cuidar da casa.

E eu lembro perfeitamente que aquilo na mente de uma criança

é muito difícil perceber isso.

Minha mãe e meus amigos emigraram para cuidar da minha avó,

que estava emigrada, e a gente sente-se deslocado completamente.

Isso fratura.

Isso era explicado às crianças ou a conhecimento?

Difícil.

Olha, vai vir a dona Maria para cuidar de vocês,

e tal, ela vai vir para cá,

e vai cuidar de vocês, portem-se bem.

Mas era algo assim...

Era um fície meditivo, cuidadosa.

A senhora, por acaso, das vezes que teve lá, foi excelente.

Uma senhora muito mel, simples, trato, fácil.

Tiramos a sorte de ela nos cuidar bem.

Mas sentimos a falta dos pais, sentimos muito a falta.

Eu nunca contei isto, mas no dia que ele foi seu,

foi a primeira para chegar à casa.

O sonho da guitarra começa com o que dá?

Começa mais ou menos aos oito anos.

Aos oito anos, eu começo a ouvir os sons,

começo a ouvir.

Eu adoro isto.

É uma coisa incrível.

E depois eu fechava a minha casa numa sala,

ouvi coisas.

Ninguém sabia, praticamente.

Já comecei a cantar, a fazer coisas,

já era tímida,

até que cheguei a um ponto de que eu goste de uma viola.

Quando eu vi as cordas da viola,

uma guitarra, eu ficava fascinante.

Eu pedi durante dois anos ou três uma viola,

e meus pais não podiam me ajudar.

Não conseguimos.

Tinha uns vizinhos que iam para as feiras vender,

eu fui despedir.

E eles disseram,

''Mas tais uma criança?''

''Mas vou ter férias, se você pudesse levar,

eu nunca tinha saído de casa perto dos meus pais.''

E eu, quando cheguei tão longe,

a primeira vez que eu saí de carro,

saí de volta.

Marés e Lameco,

eles disseram que eu tinha saído de casa.

A primeira vez que eu saí de carro...

Marés e Lameco?

Sim.

Eu saí fora quando,

eu fiquei sem chão, completamente.

Para fazer o quê?

Fui trabalhar,

vender na feira de telheres,

nunca mais me esqueço.

Sempre que vou lá,

só eu sei.

Quando sempre que vou Lameco,

há algo que me chama ali,

para me trazer de novo.

Tu és o Zé Mar, o que gostabas aqui.

Eu vou lá às vezes às festas,

e na entrevistão do ar,

eu lembro como se fosse hoje,

que eu chorei durante uma semana inteira,

eu escondi a chorar,

as pessoas não perceberam,

tratava muito bem.

E hoje são meus vizinhos,

mas eu era uma criança,

eu estava completamente deslocada.

Quando eu cheguei lá,

pequenino,

e mesmo no início de uma escadaria,

estava o Pedro Barroso,

eu fui do Pedro Barroso,

fiquei fascinado pelo homem.

Eu tinha marmônica,

uma viola,

e só cantava assim,

para senter nas pessoas.

A partir de ali,

quando eu tiver uma guitarra,

vou começar,

eu vou querer fazer isto.

E enquanto trabalhava na feira,

tinha jeito para convencer as pessoas a comprar?

Tinha,

tinha muito jeito.

Os meus vizinhos gostam muito de mim ainda hoje.

O meu objetivo estava lá,

mas eu sou muito afim,

muito aplicado naquilo que eu quero fazer.

E para conseguir,

para ser marcido,

eu tenho que me aplicar.

Aquela recompensa,

a gente quer aquilo,

então a gente vai se aplicar,

vai fazer,

e vai conseguir.

Aí começou aquela mudança em mim.

Eu sou capaz?

Eu estou a conseguir.

Com quem é que aprendeu a tocar a guitarra?

Eu fui sempre a autoridade.

Depois, mais tarde,

ou mais tarde, tive umas aulas,

mas fui a autoridade.

Eu via cassetes,

eu me puxava para trás,

punha.

Quem foram as primeiras pessoas

que o ouviram a cantar?

Bom, o meu pai.

A minha mãe também.

A minha mãe abria a porta da sala,

sem eu que desse,

por ela que ela estava.

E eu já estava um bocado,

tocar um bocadinho de guitarra.

Ela saia.

Mas o meu pai eu dava com ele,

sentado numa cadeira a ouvir-me.

Que eu estava-me muitas vezes juntos,

comecei a cantar,

a ver que ali-al, na altura.

Bem, bem, bem.

Bem, bem, bem.

E o meu pai juntava-se e percebia.

E eu notava que o meu pai tinha um orgulho muito grande.

Dê alguém que estava a conseguir as coisas.

Quando comecei a cantar,

veio um senhor à minha casa

a pedir-me para eu ir ao grupo.

Mas tinha 15 anos.

É, Pau,

eu tenho que deixar o seu filho.

Então, eu fui aos 15 anos,

já era guitarrista e vocalista

de uma banda com muitos anos.

Não tinha lugar na carrinha.

Não tinha nada.

Mas ia em cima dos instrumentos

Estou de contente para traduzir montes, tocar, era uma criança, já tocava, já cantava.

E lembro-me que era às cinco horas de concierto.

Com três anos ainda foi trabalhar para uma fábrica de calçado?

Foi trabalhar para uma fábrica de calçado e, nessa altura, foi uma decisão muito difícil porque eu queria estudar.

E minha mãe não pode estudar.

Como seis anos nessa altura?

É, não pode estudar mais.

Temos que trabalhar, era da forma de que se usava em casa.

Se chegava àquela edade, tinha que trabalhar.

A minha mãe foi e deixou-me, e foi, pasa-me, uma coisa como abandonar-o.

E eu fiquei triste, triste.

Quando sei de lá, sei outro homem, completamente.

Consegui muitas coisas.

Consegui fazer tudo, também, naquela fábrica.

Tinha como exemplo um patrão vertical, muito rígido, mas um grande homem, empreendedor, muito grande, muito grande.

E hoje ainda o é.

Mas era pequeno, era muito novo.

E era muito difícil, a gente levantar-se às cinco da manhã para andar de lá ao tocar,

depois a andar três quilómetros a pé, a chuva, para ir para a fábrica.

Foi muito difícil, foram ali 17 anos.

17 anos?

17 anos da minha vida, depois aos 15 anos com a música em paralelo.

Depois dessa manhã, dessa jornada de trabalho, depois do regresso a casa era que eras.

Era sempre, a meia parte, às vezes, muito tarde.

Noze da noite, porque nós ficávamos sempre a dar horas, ficávamos sempre.

Até mais tarde, para acabar, a alimentação era complicada, tinha que levar de casa.

Vávamos uma marmitazinha, uma sopa e com uma comida, parávamos até o tempo mesmo e continuávamos a trabalhar.

Depois, para os seus dias, fazíamos horas, sempre, sempre.

Algumas porque era obrigatório, se colocava lá que havia um comenda para sair.

E outras porque também nos dava jeito, não tínhamos a venhar mais alguma.

Que tipo de tarefas é que era o fabrico mesmo do calçado?

Era o fabrico mesmo, eu cortava a pele, uns à mão e outros em cortantes,

depois comecei a fazer tudo, desde a cola, a faciar, a informar.

Depois naquela fábrica até mais tarde fui para uma loja em Guimarães.

A música já estava na minha vida, uns 40%, e eu comecei a perceber que poderia fazer algo ali e abrir uma loja de calçado.

O patrão ficou muito desateado comigo, mas eu tinha que ir.

Porque eu queria ter a música ali como suporte, mas nunca deixado de trabalhar.

Porque eu queria mais e sustentar a minha vida na música.

Eu vesti mesmo alguns dias de falsete, mesmo mesmo eu senti a morte, eu sei o que é a morte.

A criança que fui, e o homem que hoje sou, não parou de sonhar.

É verdade, isso é uma letra que eu escrevi, todas as palavras são sentidas e são a minha história.

Porque um homem não para de sonhar, um homem não para de se querer e levar, não para se mostrar,

mas a si próprio, evoluir e mostrar aos outros o que é possível.

Mesmo como um futuro não é o riso, quando a gente está lá atrás, pensei, eu estou luchado de morrer.

Mas hoje eu conloço a canção, mostra a muita gente que é possível.

Hoje é a morbida, a vida que sempre queria.

Sempre gostou de música Country?

Sempre adorei. A música Country tem uma coisa muito bonita na minha carreira.

Comprei o meu primeiro carro, uma Diana, uma daquelas dois cavalos.

Eu tive vários problemas, vi aquela chapa que dormia toda,

bebia mais óleo de gasolina que era um carro já muito velho.

E esse carro vinha com uma K7, foi ainda a guardo hoje, que são bocadas pegadas e essas coisas.

Eu não me esqueço, é uma K7 toda laranja, do Ellen Elson.

Depois comecei a ficar um bocado desinibido, levava-te à capota e eu via a música.

É uma coisa que entrou em mim e eu não sei explicar aquele estilo, aquela sonoridade,

aquela forma de cantar, com os instrumentos bonitos, mas sim para fazer algo tão bonito.

A partir dali eu acho que foi aquele foco.

A pare disse não que antigas derrubam?

É verdade, foi.

Nosso filho de Zé Figueiras, que me apresentou naquela altura, e Diana do Castelo.

Longe de ti, Império dos Sentados.

A paz está absolutamente cheia, cheia, cheia, uma coisa incrível.

E eu tremia por todo lado.

Eu senti que não era aquilo que eu queria.

Então agarrei-me mais aos grupinhos, aos casamentos e tal para conquistar o meu público.

Os casamentos eram uma animação?

Era uma animação total.

Era algo incrível, porque nós tocávamos tudo aquilo que gostávamos e tudo que estava na moda.

Tive sempre um dupe, um piano, eu tocava uma guitarra e cantava-me.

E não havia amigas da noiva que tentavam voar, e tal?

Havia, mas o profissionalismo já me chamava.

Sempre disse é, tenho que cuidar, anda por aqui.

Eu nunca permiti alguém que toqueasse comigo ter um copo normal.

Não dava um aspecto.

Nós não somos os convidados, nós vamos trabalhar.

E isso era a responsabilidade.

Mesmo nos olhar-nos também.

Aos 30 anos é que começa a dedicar-se à música de forma mais...

É verdade.

Estou como Zé Amaro há 15 anos, tenho uma história incrível de quando eu gravei meu

primeiro disco.

Eu gravei meu primeiro disco por iniciativa própria, porque fui às editoras e ninguém

quis esperar naquilo.

Eu passado 2 ou 3 meses e tinha vendido 3 mil discos aos meus amigos.

Então aquilo começou, fui a um de algumas rádios todas chuchadas às portas.

Eu vivi uns momentos mais incríveis na minha carreira logo no início.

Eu fui a uma rádio bem perto de mim, eu cheguei e bati na porta e veio um senhor, uma cadeira

de rodos, e eu mostrei o disco, ele percebeu que la capa, um chapéu, umas botas e tal.

Isso também não é brasileiro, eu não sei o que, cantar assim e dizer só, não vamos

passar a sua música, a sua música não passa aqui nesta rádio.

Eu sabia que passava tanta música e tanta coisa, pois mais tarde foi uma coisa incrível.

Fui convidado pela rádio para fazer um concerto para os imigrantes.

Um dia incrível, 15 de agosto.

Então hoje cheguei, quem foi a primeira pessoa que me apareceu, esse senhor, Zemar.

Olha, eu vou lhe dizer, esta gente está aqui toda para si, e eu tenho que pedir desculpa.

Eu tenho que pedir desculpa porque olha, eu não desisti, estou cá.

E esse investimento inicial foi muito por si.

Completamente, por minha conta e risco, estava a trabalhar também na minha loja de calçado,

fazia de tudo, até concertos eu fazia de calçado.

Às vezes as pessoas iam lá e ficavam, como é que se faz os concertos?

Só é que estava a ir, vai de trabalho.

Algumas pessoas já iam lá pedir um autógrafo.

Eu estava a trabalhar da ventala, a fazer as coisas.

E as pessoas ficavam realmente admiradas.

Mas para um bocado e vai tomar uma água e um café porque eu disse,

ah pá, não posso, eu tenho que pôr isto pronto, tenho que trabalhar.

Então a loja de calçado teve sempre paralela à música.

E foi isso que me permitiu fazer esse tal investimento.

A minha equipe própria ia ali depois vir músico ao de cima,

perceber que aquilo que eu toco não chega.

Tem que contratar músicos.

É ser humildado esses exercícios.

Sem dúvida.

Se eu quero os melhores a tocar comigo.

Meus amigos e tal, os não tem, estão até hoje comigo.

E mesmo que a música não tivesse resultado,

sabia ter em si a força de poder fazer outra coisa.

Completamente.

Eu costumo dizer que Deus deu lá os ossos passarinhos para voar

e a mim deu-me pernas e braços e mãos.

Eu faço tudo.

Eu não tenho problema nenhum.

Tenho problema em trabalhar e ir para o campo descalço, andar.

O que foi preciso, eu faço.

O meu hobby é andar descalço.

O campo, cuidar das plantas.

É aquilo que eu amo fazer.

Aquilo que eu amo fazer é o próprio fazer sempre.

Isso, mulher Sandra, era também sonhador ou mais pé na terra?

Mais pé na terra.

Muito mais.

Eu costumo dizer aquela coisa.

Eu estou sempre um pé na terra e outro nas estrelas.

Eu estou sempre assim.

Aos poucos eu fui conseguindo.

Aquela percebesse que eu sou profissional,

aquilo que eu gosto, aquilo que eu quero

e que eu quero construir a minha família.

E esta é uma base importante na minha vida, a música.

O Zé e a sua mulher andaram na mesma escola?

Andámos na mesma escola, fazámos o mesmo dia que ele.

E depois acho que ali o Clique foi uma tia dela que casou com o tio meu.

E as famílias aproximaram-se um bocadinho.

Eu tinha 16 anos e ela tinha 13.

Então a partir daí nunca mais nos navegamos.

Era difícil porque a família dela era uma família mais pequena,

com outras possibilidades, mais conservadores com outra educação

e foi difícil para mim.

O que é que foi mais difícil?

Acho que foi mais difícil aquele estigma de que a família é grande,

pobre e tal, mas mais uma vez eu quis provar que

quando se gosta, quando se quer, quando se ama,

quando a gente vai ao nosso mais íntimo e pensa, isso é possível.

Eu quero isso.

Tendo o orgulho naquilo que você é?

Eu tenho muito orgulho.

Parece uma pessoa que tem orgulho naquilo que eu fiz.

Eu sou uma pessoa do bem.

Eu faço tudo sem passar a perceber alguém.

E se aparecer alguém no meu caminho, como já apareceu, eu conto.

Mais longo, tem mal, está tudo bem.

E o olhar dos outros alguma vez condicionou?

Não, eu sentia isso, mas nunca me deixei avalar no fundo.

Olhavam-se de cima, mas eu nunca me intimidei sobre isso.

Eu sempre percebi que é possível sermos gente humilde, ser gente séria

e é possível sonhar porque sonhas não parem postes.

Quanto tolerante é que a Sandra contém um cowboy em casa?

Às vezes é difícil porque ela não gosta de aparecer,

não gosta de certas coisas e eu respeito muito.

É difícil porque eu sou um crime mais à frente nas coisas

e elas puxam-me para baixo.

E o cowboy é só da porta para a rua ou em casa também?

Às vezes também sou em casa.

Fazo aquela pouco de alegria, boa disposição, estarmos bem,

ponho um chapéu e uma moto e canto.

Eu sinto verdadeiramente que eu sou aquele boneco, eu sou aquilo.

Eu respiro isto.

Quantos chapéus é que tem?

Houve muitos.

Eu uso mais de 60.

Depois aquilo que eu juntei.

Juntei umas sandais, são milhares.

E é um prazerais para mim de subir num palco

e já ter as pessoas com chapéu identificadas com cinto,

com bota.

É uma coisa incrível.

Eu estou no palco muitas vezes por dentro a chorar.

Tudo aquilo me lembra.

O que é que eu fiz para chegar aqui?

Deu óleo e vejo pessoas com direitos meus,

com cascois, com tudo.

E felizes.

Faz questão de guardar em casa muitas das conquistas

e das recordações que veem.

Tudo.

Tudo.

Desde mais de 500 cuecas de mulher...

Guardar as cuecas também?

Tudo.

Tudo.

E a Sandra, eu levo para casa,

os inícios ela não queria guardar,

senão temos que guardar tudo.

É, meu foi mudado...

Tem uma gaveta para as cuecas de mulher?

Tem uma caixa grande.

Muito grande.

E a outra para os tianos?

Bem, as cuecas são muito demais.

Os autógrafos acontecem muitas coisas

e há algumas coisas mais complicadas.

Por exemplo, assinar, não sei, atrás...

Mas eu sinto logo acima de tudo

que é uma lembrança que a pessoa quer.

Já tive algumas pessoas que eu assinei

uma autógrafa que está tatuada

e eu penso, bom,

eu tenho que autografar, seja onde for,

mas é algo que não me leva para o outro lado

qualquer, a não ser aquele respeito, o carinho

e o autógrafo, com todo o gosto.

Obrigado

por estarem aqui

por fazer de mim

o cantor que sou

o que sempre aqui.

O senhor Domingos chegou a ver o sucesso?

O meu pai chegou a ver o sucesso

muito pouco tempo.

Ainda aqui há uns tempos

um senhor que é meu vizinho, é meu fã,

ele diz, eu ia levar um saco de batatas

ou de faréu ou isto aquilo à tua casa.

A primeira coisa que o teu pai ia dizer

conhece-os é amar.

Ele disse, não, não conhece.

Não conhece-os é amar.

E ele é meu filho, ele canta assim.

E ele faz-me lembrar-me das vezes isso.

Sempre teve muito orgulho nele?

Muito, muito orgulho, muito orgulho.

É alguém que, das poucas palavras,

dizia tudo.

Ele dizia, não, e sim, com muita facilidade.

E o olhar, as expressões,

são coisas que, tal na mente,

desde sempre e coisas que eu guardarei

para sempre.

Eu nunca apontei isto,

mas no dia que ele fosse eu fui

primeiro a chegar à casa.

Minha tia ligou o guitar e eu fui.

Eu fui, cheguei lá e o meu pai

estava afalcendo aquele momento.

Eu senti que ele ficou em paz.

Ficou bem.

Gostar-lo a alguém,

se calhar-lo, porque ele tanto gostava.

Claro que ele gostava de todos,

mas eu sentia que eu era

alguém amado, muito amado por ele.

E eu estava peguei na mão

e ele faleceu.

Ele faleceu e...

É estranho falarmos disso,

mas a minha família estava.

Cheguei e fiz tudo sozinho.

Eu vesti o meu pai.

Mas é um reconforto muito grande.

Foi chegar lá a minha mãe,

chegou uma tia minha.

Estava lá também.

E ajudaram-me.

A Zemar não esteja aqui

e vai para fora.

Eu quero estar aqui, quero fazer.

Eu quero estar aqui tranquilo.

Eu quero estar com o meu pai, porque nunca falei-se.

Por mais que a gente queira,

eu estou a falar dele.

E ele não faleceu por mim ali.

Está comido.

E isso é algo que me marca para a vida toda.

Eu sinto que

ele se sentiu bem postar lá

alguém que ele queria tanto também.

Estar com o pai

no último suspiro dele

é uma coisa que marca para a vida.

É uma coisa que marca para a vida porque

temos aquela pessoa,

uma amiga que sempre nos ajudou,

sempre

lutou tanto por 10 filhos.

Sempre trabalhou amargamente,

imenso, mesmo com problemas de saúde.

Ver partir alguém que nós amamos

é sempre muito difícil.

Mas

eu acho que me deveria cumprir.

Ele foi um excelente pai.

Eu tenho orgulho de um pai que diz.

Muito orgulho.

Você disse-lhe alguma coisa nesse momento?

Nesse momento apertámos a mão ao outro.

O meu pai tinha tido AVCS repetidamente

há cinco anos.

E ele já estava muito

debilitado

cadeiras de rodas.

Tinha uma coisa engraçada que eu tinha uma java,

uma moto antiga.

Quando eu pegava na moto o meu pai percebia

que eu vinha ao longe.

Porque faz muito barulho, ficava todo contente.

A minha mãe que ele ficava diferente

e já com grandes dificuldades

ele percebia

e já não falava bem.

Mas queria que eu lhe desse sempre um beijo.

Então, que eu nasci a meu coração.

As curdações do meu pai

essas ficam

mas ficam mais aquelas

também em criança.

Daquele senhor que era baixo

mas que era muito grande.

Na nossa mente

o nosso pai quando chegava

uma pessoa enorme.

E são essas ideias que ficaram sempre de alguém

que aparentavam muito a calma, sempre

na forma de estar.

Foi muito difícil a separação.

Eu tive alguns problemas.

Falou de ser o ele, falo de ser o melhor amigo meu.

Quase seguido, muito novo.

Da qual eu tenho uma filha

que nós cuidámos desde sempre

que é como se fosse minha filha, que é a Ritinha

que está formada hoje.

E foi uma pacada muito grande. Aquelas duas coisas

eu provesia a minha terra

e parava o carro e ia lá ao cemitério

estar com ela.

Foi muito difícil essas duas perdas para mim.

Eu andei muito estressado,

andei deprimido, muito deprimido.

Eu escrevi uma canção na altura

para esse meu amigo.

O meu pai também escrevia uma canção.

Pedia tudo precisamente aquilo que ele é.

Todas as lembranças que eu tenho com todas as guardadas

e eu passei para aquela canção

para o meu amigo também.

O amigo foi de repente?

Foi também de repente. Foi comigo

à França, no concerto

e quando chegou cá

teve uma infeção generalizada

e correu muito mal, tudo. Acabou por ser muito novo.

Mas já está.

Temos cá algo em mim, a Ritinha,

de ser demoro de soldado

Ticou alguma coisa por dizer ao seu pai?

As palavras de amor,

não havia muito,

havia uns olhados e tal,

mas não há dúvida que

eu amava muito o meu pai, eu amo muito o meu pai.

E algo dizer

pai, eu amo muito.

Hoje as minhas filhas dizem isso

e eu sei o quanto é bom.

Eu sei o quanto é bom dizer, pai,

eu amo muito. Quando eu saia

minha filha maior desquece de mim

de mensagem, o pai também te ama muito.

E ela vai logo para trás

de Felipe

e tal, tipo, estás esquecendo de mim.

Eu gosto, as fãs também digam

que me amam, por isso o meu pai gostaria

imenso que ele descesse dos olhos que eu amava

mas ele sentia isso.

E da sua mãe, o que é que tem? O que é que aprendeu com ela?

Tanta coisa boa. Achei que aquela educação

rígida daquela teve com nós que foi tudo bom

e é uma pessoa que eu amo muito, tenho muito orgulho

de ela também. E é uma mãe

e uma mãe que tem 10 filhos

e ela é uma garfeira, continua a ser

alguém incrível, que tem um orgulho

tão grande em mim.

Às vezes eu estou na América,

onde é que estás? Eu estou na América,

anda calmo, soar e tal, aquelas coisas

de seu mãe. Eu estou na América, mas vesca

ou jantar ou assim.

A mãe não dá só a segunda-feira,

meu filho só a segunda-feira e tal,

ela é assim, muito preocupada,

meu filho, o que é que a gente vai fazer?

A minha vida, porque

ela teve a sofrer um momento, já passou um

momento e agora tem que ser feliz.

Vai aos concertos? Às vezes vai.

Às vezes é a minha convidada a ver.

A gente percebe-a no meu camarinho,

porque ela chora muito, ela sabe o quanto

eu lutei, o quanto eu

persisti para conseguir.

Agora, a minha casa do pai

eu compreende tudo e mais

há uma coisa que foi feita na altura.

Mãe, sei que só quero

que o sangue

e a Mariana e a Margarida são também público.

São público e exigente,

exigente, muito exigente.

O que é que a chegada delas mudou na sua vida?

Uma maior responsabilidade,

uma maior cuidado em tudo que eu faço

para que corra tudo bem, porque é para elas

que eu trabalho e tudo aquilo que eu faço

que seja competitório no sentido de

poder estar também com elas,

estar presença, querer a atenção delas,

dar-lhes atenção e isso é muito importante.

Elas estudiaram para encher

uma apuração.

Absolutamente.

É algo que transforma a gente

desde acordar até aceitar de novo.

Elas estão sempre no nosso pensamento.

Quero na forma de agirmos como homem,

quero na forma de agirmos como artista.

Tenho que estar também elas no nosso pensamento.

Em que momentos querido ter agitado e não esteve?

Há algumas situações,

aniversários que eu estive fora,

a Margarida teve mais tempo agora,

mas a Mariana

não teve tanto, foi uma altura muito

difícil da minha vida.

Principalmente nos aniversários,

sempre que falhei, era uma tortura.

Mas eu percebia que,

se calhar da forma como a gente vai do campo,

elas perceberem que não existe

um formato de vida normal.

Há uma normalidade em todas as pessoas

que tentam tirar o melhor da sua vida.

E eu na minha normalidade,

eu tenho que tirar o melhor.

Quando esteve doente,

eu consegui, como com elas,

muito mais com elas.

Fiquei sem tapete, sem chão, sem nada.

O meu mundo ficou produzido a nada,

todos aqueles meus sonhos,

tudo que eu tinha, tudo em causa.

E a minha família era como desaba mais.

Uma criança de um ano e pouco,

tinha um ou outro de desacetarmos na altura.

É das coisas

intensáveis na vida de qualquer um.

A gente estar a fazer

uma vida normal, um ginásio,

tudo direitinho na nossa vida,

de ser uma pessoa saudável,

de repente começar a sentir mal, muito mal.

Não dizias, não conseguir

conduzir, cair às boletas.

Eu tenho alguém que conduz os meus carros,

mas sempre que eu pego no carro,

está tudo mal.

Houve vários concertos seguidos

e em um outro concerto que eu subi.

O meu pessoal todo me estava dizendo

é, tem que parar. Não dá.

Há 20 minutos de concerto.

Houve algo que eu disse, eu não posso cantar mais.

Não aguento.

O que eu disse?

Eu não disse.

Já não conseguia segurar,

nunca conseguia nada.

Eu creio que os fases percebiam isso.

Lembro de passar por cá,

e as pessoas todas a chorar.

Eu fui para o hospital,

para o diretor, falou comigo,

e depois aquela notícia,

que nunca esperava ouvir nunca na minha vida.

Estamos a preparar o processo,

para você ir para o Santo António,

e eu estava.

Aqui há algo que não estava certo,

não estava a ter certo.

Isso não pode acontecer na minha vida.

Pensou que ia morrer?

Passei, claro.

Estive mesmo bons dias de falecer.

Mesmo senti a morte,

eu sei o que é a morte.

Isso tinha acontecido tudo

porque uma toma de medicamento,

que a verdade,

quando se trobeu com o ódio,

e na altura os filhos

tiveram que fazer o despisto,

porque a mim correu muito mal.

Eu disse ao médico, hoje nos olhos,

que ele sabia

que eu não podia tomar.

Para ir para o meu histórico do filho,

já ser um filho

geneticamente

muito gordo,

não podia.

O que é que se é?

Nós temos que tomar.

E eu também.

Acabou com a minha vida.

Os pensamentos estavam sempre muito intensos.

Era muita coisa ao mesmo tempo,

mas para sentir

não vou ter dor,

estou a morrer hora para hora

que eu via mais para ele.

Eu não me reconhecia.

Fiquei sempre assim, até aos 50 quilos.

Fiquei reconhecível.

Chorei uns 10 minutos,

depois chegou a minha esposa,

chorei bastante,

mas depois eu disse,

se há algo, tenho que ir.

E eu tentei agarrar-me aquilo.

As suas filhas foram ver o hospital?

A Margarida, sim.

A Margarida, eu não aguentava soldados,

mas ela não podia ir.

Pedia a toda a gente,

podia trazer-la ao jardim,

aos dias mais felizes da minha vida.

Sentimos uma criança,

sentimos como se a gente ficasse

e postava no hotel.

O pai foi para o hotel, para o conselho,

e tal.

Havia um dia que eu me chorava,

pensava nas minhas filhas, na minha família,

pensava no meu público,

portanto me deu,

e que continuava a andar,

a pôr-lo a toda hora que eu sabia,

eu percebia.

E conciou-me nessa vida sem nós?

Como é que será se nós não tivéssemos?

Sim, embora é logo uma coisa muito rápida.

Pensa-se e quase não se fica ali,

mas eu não sei se quero

ver outra vez lá, nesse momento.

O que é que vinha no olhar das pessoas

que olhavam para si?

Eu não tentava ser forte,

eu percebia.

A angústia da espera

é aterrador.

Muito.

Muito aterrador, e é já dizer

que incrível,

profissionais, exibis do melhor

que há mesmo.

Eu tenho que tirar o meu chapéu sempre

e devo-lhes a viva da vida.

E ver um aeir

já vão tentar resolver o problema

daqueles. Eu não ia estar ali

mesmo

no final do caminho

alguns que não deu,

alguns meus amigos, que se tornaram amigos

e a gente pensa sempre em nós.

Pensámos que nós também

estamos na mesma posição,

se calhar pior, porque ainda não temos

qualquer uso ao fundo de tuna.

É uma luta constante,

uma estabilidade emocional,

mas que eu não conseguia, porque

a minha vida está por um fim.

Fez questão de dizer algumas coisas

a algumas pessoas?

As pessoas que eu amo, eu digo sempre tudo,

quis que escondesse ainda a minha mãe

e depois mais tarde acho que não conseguiram.

E a minha mãe foi lá.

Ela percebeu que eu queria muito

poupar lá isso. Ficava um bocado

aborrecida, um bocado chateada,

mas também...

eu queria que ela sofresse também.

E naquele momento sofreu muito.

Ficou absolutamente avalada

totalmente

fora de si,

mas que me ajudou também.

E ela foi tão boa.

No início, ainda depois, já estava muito difícil.

Já não conseguia subir uma escada,

cansava de tal forma,

não conseguia respirar,

quando veio a notícia de que

poderia ser.

Na altura que chegou

nunca tinha tanto numa sala de operações.

Eu senti

que um frio muito grande,

uma coisa incrível.

E senti que ia morrer antes

de sequer ser operado.

Se eu vou ficar, vou morrer

que não consigo.

A imunidade estava mesmo muito baixa,

muito fraca, não conseguia ser transplantado,

não conseguia ser operado.

Não tinha defesa, as plaquetas

estavam muito baixas. Esperaram que

as plaquetas tivessem um bocadinho para fazer.

Depois, pós a operatória,

foi muito difícil.

Pensei que ia correr tudo mal,

foi tão difícil, tão doloroso.

Como eu sou uma pessoa que acredito muito,

eu pedi tanto

que houve uma altura que eu pedi

para acabar com a dor.

Eu pedi porque eu estava a subir muito.

Estava demais,

era uma coisa incrível.

Doura física.

Muito, absolutamente desportado.

Depois também, derivado

da minha fraqueza tão grande

que estava mal.

Houve um momento que eu pedi

que eu vou desistir,

que tenho que desistir, porque não dá.

Estive mesmo ali, naquele quantosinho,

mesmo.

Depois, algo se transformou

e foi recuperado.

Queria saber a história por detrás do dador.

Não saias de nada.

Sinceremente.

Era uma pessoa nova.

Sei disso.

Mas o que acho que

só deste lado

é que se compreende verdadeiramente

o que é

ver um banco de dadores.

O que é estar aberto à Europa.

O que é não ter que assinar

nada para doar.

Hoje tem que fazer só o contrário,

quando não quer assinar.

Então isso é incrível, porque

eu estava uma vida

fez com o que eu

acabei de terminar os meus sonhos

e que faça aquilo que eu mais amo.

Quando se começa a sentir melhor

há uma sensação de

segunda hipótese que a vida não está a dar?

Absolutamente.

Temos absolutamente noção todos os dias

de isso. Não diga vou fazer aquilo.

Ou eu já fiz, estou a fazer.

A quão longo prazo é que são os planos?

São muito mais curtos, pequenas coisas.

Estar em casa, sentado, ler um livro

ouvir os passarinhos, isso é incrível.

Faça uma coisa que

minha família não sabe o que eu faço.

Vai sair da cabela almoço

se tiver um arroz que sobrou

se eu ponho na relva. Quero ver os pássaros

que vêm lá. Vêm pássaros de toda a qualidade

de rolas, patos, tudo.

Eu fico maravilhado com aquilo.

Na natureza,

para mim chega. Sou tão apaixonado pela vida.

É incrível.

Esta segunda oportunidade

é tal que estou a aproveitar o mato.

O que cuidados é que tem que ter hoje?

Bastantes cuidados.

Tendo retirado muita coisa.

Há mariscos enchidos assim que não devo comer.

A alimentação cuido muito bem,

sempre me cuidei. Agora, claro,

não sou a mesma pessoa.

Tenho imitações. Eu sei que não posso

fazer certas coisas.

Imagina-se, não faço como fazia.

Indicação, não posso esquecer.

Mas da forma que eu estava

quando comecei a tomar a medicação

estava tão mal. Até agora

estou incrível.

Sinto-me maravilhosamente bem.

Nesse contexto, tudo.

A fé ajuda?

A fé ajuda.

Sem dúvida e alguma.

As pessoas confundem religião,

fé, acreditar, confundem tudo.

Eu acredito que, acreditando, eu consigo.

E as pessoas não falam,

é religião. Não, eu acredito.

Que eu se sei de casa,

acreditando naquilo que eu quero fazer.

Eu vou conseguir. Depois, claro,

quando sou religiosa,

eu junto tudo isso.

Como é que foi o primeiro

concerto depois de tudo isso?

O primeiro foi o mais nele, era grande.

Eu sei do hospital de fazer um concerto.

Não devia ter feito isso nunca na minha vida.

Já a transportar.

Ela veio aqui em mim, aquele sonhador.

A família dizia que não podia fazer nunca aqui.

Mas eu dei a palavra ao homem.

Mas eu senti que as pessoas estavam

mas eu senti que naquele estado,

não, Bruno.

Sei muito debilitado.

Eu fui do hospital e fui gravar

o Homem de Sonhos.

E essa canção escrevi numa cama no hospital.

Um dia qualquer, um dia aos médicos,

quando agora se pudesse,

eu tenho todas as condições em casa,

enfermeiras, desde fisiotrapedas, tudo isso.

Ok, ótimo, excelente.

Só ser cuidada dessa forma, está tudo bem.

Passado uns dias, fui para casa.

Não é que cheguei a casa, no dia seguinte

o produtor queria gravar o disco.

Eu gravei a canção.

Muito difícil, não tinha a caixa,

o ar que precisava.

A canção era tão bonita, eu queria,

porque era a minha história e tudo aquilo que eu passei.

A minha avó estava

fraca.

E eu disse, mas eu quero isso assim.

E essa canção abriu o disco.

É uma canção na qual eu mergulho,

porque fiz mesmo mediante todos os meus problemas.

E é uma canção incentivo

para mostrar as pessoas que é possível.

Eu estava com a música,

mas tarde eles disseram,

eu tinha um dreno, estava...

uma coisa...

É algo...

É imensável, aquilo que eu fiz.

Mas é aquela minha veia de querer fazer

dar continuidade ao sonho.

Fazer agora?

Fazer agora. Em casa toda a gente chorou.

Toda a gente não griga ou sei isso,

estavam a chorar.

Mas eu sei, eu sou responsável, não estava a ser.

Não sei se era a vida de dizer-me

ou sei, eu posso não fazer amanhã,

posso não conseguir.

Todos os abraços da Mariana e da Marguerida

agora têm um sabor diferente?

Tenho um sabor diferente.

Todos os dias a gente se abraça,

todos os dias a gente se veja,

todos os dias a gente brinca,

querer buscar a Marguerida à escola,

querer ir com ela ao parque,

eu aproveito ao máximo.

Estar com ela,

ficar com o nosso coração moro lá.

Tem medo de morrer?

Eu sou sincero,

quando eu estive naquele ponto mesmo de sair,

eu ia bem,

estava calmo, estava consciente,

não era feliz,

não era feliz, mas havia uma paz,

havia uma paz grande.

Não sei se era por muito sofrimento.

Era esse sofrimento todo que nos fazia,

que me fazia estar

completamente

do lado lá e também de paz,

com a vida, com a pessoa que sou,

com,

não sei, é estranho dizer isso,

mas eu senti que,

ok, ok, tudo bem, tudo bem.

Que foi a melhor coisa que disseram sobre si?

Que eu era muito profissional,

até o que eu fazia.

E isso, para mim, deixa-me,

no fundo, invadir,

mas também com aquela responsabilidade de...

Como é que um dia gostaria de ser lembrado?

Por isso é sempre que eu

sou um bom pai, e fui um bom pai,

mas que eu era uma pessoa

persistente,

e que persistia no bem,

no correto,

e que era uma pessoa que acima de tudo se faltava

para fazer o bem. Eu tenho muito isso em mente sempre.

Fazer bem, fazer bem.

Alguém lhe deve um pedido de desculpas?

Devem, devem, mas

mas eu não estou preocupado.

Há uma coisa que eu fiz

de desculpas.

Eu pedi desculpas a ele,

e essa pessoa desmonou-se completamente

e não vai há muito tempo.

A Brilha porta da minha casa um dia,

chamei, e pedi desculpas nas ovas.

Se eu te fiz algo de errado,

alguma vez na tua vida, na nossa vida,

fez-te desculpas.

E a pessoa sentiu que

ela é que teria pedido desculpas,

e outra pessoa estava pedindo desculpas,

e desmonou-se completamente,

pediu milhares de vez de desculpas,

desculpa.

Hoje o José Mar vai àquela feira em Lamego,

onde está um miúdo de 11 anos

a vender telheres,

um miúdo que tem um sonho.

O que é que lhe diz?

Eu tive lá há pouco tempo.

Sendo que eu lá vou

escolher-me aquela criança

cheia de sonhos

e com elas todos empugnados,

todos os difíceis de transformar.

Quando eu subo lá no pau,

eu sinto que o mesmo local

tem a mesma pessoa,

mas que com sonhos compridos,

com sonhos que tanto pediam lá,

que tanto almejava,

está lá o homem que cumpriu muitos sonhos.

Eu sou felizado nesse sentido.

Os meus pais, as pessoas que gostam de mim,

fizeram isso possível.

O que é que dizem os seus olhos?

Os meus olhos dizem...

vida.

Muito obrigado.

Muito obrigado, Daniel.

Muito obrigado.

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Daniel Oliveira recebe o músico português Zé Amaro nesta emissão do Alta Definição em podcast. Uma conversa intimista sobre a infância muito pobre do artista, o sonho de ser cantor, a carreira e ainda o transplante a que se submeteu em 2019 e que mudou para sempre a sua vida. "Estou a ter uma segunda oportunidade. Só quem passa por isto dá valor ao banco de orgãos para transplante", afirma. A entrevista foi emitida na SIC a 17 de julho de 2022

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