Alta Definição: Luís Aleluia (1960-2023): “Os meus olhos dizem que precisamos de lentes. Vemos sempre o mundo e os outros pelo nosso ângulo. Precisamos de alargar e ver pela perspetiva dos outros”

Joana Beleza Joana Beleza 6/24/23 - Episode Page - 40m - PDF Transcript

Bem-vindo, Luiz.

E eu aqui agradeço.

Ao contrário, do menino de Tunecas, o Luiz nunca é desatrasar.

É verdade.

É uma vez o que eu tenho da nossa profissão de ator.

Bom dia pessoal, cheguei.

Luiz, ela é Luia, de 57 anos de idade, e estou, como sou, no alta definição.

Já nem pergunto a razão do senhor atraso.

Ai, senhor, o senhor ainda veio aqui, hoje nem tinha uma boa desculpa engatelhada.

A trequenice do Tunecas existe em si.

Claro.

Em cada trabalho, há sempre qualquer coisa que o ator vai buscar.

E esse?

Super Tunecas.

É quase indissociável, Luiz, ela é Luia, do menino de Tunecas.

Às vezes, eu bordo-me na rua, alguns é o Luiz, é a Luia, é o Francisco, é a Luia,

é o João, é a Luia, mas o menino de Tunecas está sempre presente.

Diga lá, o que é que quer dizer?

Eu?

Não quer dizer nada, acho que estou muito bem assim, calado.

Luiz, a Luia, na sua vida consegue ter a só olhar de criança para outras coisas,

ou a inocência vai se perdendo?

Não, não vai.

Parece que eu sou um pouquinho na ifa, em relação a determinadas coisas.

Há um procuração demasiado, já me tenho magoada, por ver a vida de uma outra forma,

não tão na defensiva, acreditar sempre mais no outro também, ao menos que o outro está

a ser tão genuíno quanto eu recebeu.

Fui vítima de violência doméstica, até pelo menos aos 9, que o meu pai nunca soube.

Gosto do calor e do ser da lareira.

Gosto da chuva, da bater no telhado.

Gosto do mar, do som da zonda.

Qual é a primeira memória que tem?

Assim, a memória um pouco desbatida do Mavon, no quintal com o Vazes de Flores.

Uma figura negra que provavelmente por ser viúva, não sei.

Nem me lembro do rosto, não me lembro dessa relação, sequer.

A felicidade fazia-se de quê nessa sua infância?

A felicidade era vivida porque havia afeto.

É um momento da infância em que também não temos tanta responsabilidade.

Tanto o que recebemos é sempre bom.

Uma faga na cabeça, um beijo na cara, e isso são sempre prendas.

Quando é que passou a ter consciência de si mesmo e a ter noção do que se passava a sua volta?

Muito cedo, curiosamente, porque eu aos 9 anos o meu pai faleceu,

embora eu não vivei-se com ele.

Ele apoiava-me bastante.

Ele era funcionário da Câmara de Setúba, mas estava a alcançando por doença.

E faleceu.

Ainda hoje os Natais são dolorosos porque ele estava em um hospital de caramulto.

Naquela altura eram doenças que me vencem muito, eu fomasse muito.

Era um tuberculose que estava muito presente.

Pediu ao médico para vir passar comigo o Natal com o seu filho, o único.

Passámos uma semana belíssima, eu fui muito feliz.

Nessa semana, onde eu me fez todas as vontades que eu quis ir ao cinema.

Foi uma semana muito feliz.

E quando terminou a semana, ele apanhou o convóio para o hospital e faleceu.

Fui ali quase com um permíncio de despedida do próprio filho.

E isso também fez com que toda a minha vida se virasse e tomasse a seu consciência.

Não percebi logo o que era uma morte.

Continuava a ser ausente, de imediato.

Mas com o tempo comecei a perceber que me faltava também essa figura.

Através dos serviços sociais da Câmara de Setúbal encontrou-se uma forma de mudar a vida.

Então eu fui para a casa do gayato de Setúbal e acabei por perder a mãe.

Porque houve um corte de relação.

Não de afeto, mas de presença.

Acá por ficar órfão aos 9 anos.

Faz sofrer, dói muito.

Ainda hoje tenho essas mágoas, estou a contá-las aqui por isso.

E só percebemos depois, quando nos coloco num determinado sítio,

onde ainda há casos muito piores.

Eu tive sempre afeto até ali.

Há outros que nunca tiveram nem sequer pais.

Outros foram abandonados, outros nunca tiveram nada.

Por que foi decidido que iria para a casa do gayato?

Porque eu vivia num agregado familiar

em que se passava alguma violência doméstica.

Fui vítima de violência doméstica até pelo menos essa aos 9.

O meu pai nunca soube.

Começava doente e não incomodaram.

Eu era quase proibido, devido contar,

para que não houvesse conflitos, para o defender um pouco.

Reparta a sua mãe ou do seu padraste?

Do meu padraste, nunca da minha mãe.

Eu e a minha mãe fomos vítimas dessa violência.

Por causa do vinho, por causa do futebol, por causa...

Perdiu a vitória e levava a pancada.

Ganhava a vitória e levava-me a pancada.

Eram esportes na rua a chover, sei lá.

E ele trancava a porta de casa, mas por dentro,

com a chave metida na fechadura, para depois não podermos tirar.

Com 7, 8 anos, sei lá, subir pelutelhado,

e depois irá a chave por dentro.

São coisas que uma criança nem deve passar, nem deve viver,

porque isso vão me marcar a vida toda.

Essa violência para consigo foi até aos 9, mas desde que idade.

Eu recordo-me de partidos 6, 7, 8, 9, por aí,

porque fazer barulho, porque é coisa que eu não sei.

Aprendes a viver com medo?

Às vezes misturamos o medo com respeito.

Respeitamos porque temos medo de faltar o respeito,

e que isso nos puna qualquer maneira.

É como o cão, o cão obedece, mas se não está obceito,

tens que bater para ele criar hábitos de convivência.

E isso acontece muito nas relações onde há violência.

A violência deverá, nossa mãe, ser violentada,

é tão violenta como o dor no nosso corpo?

É, e calcule para, ao contrário,

seja ainda pior.

E muitas vezes ela apanhou porque se pôs à minha frente.

Portanto, sei lá, o facto de não chegar tarde à mesa,

o facto de ele estaria atravessado.

E vocês dos dois não falavam entre vocês?

Ela não procurava mitigar essa dor falando consigo,

criando complexidade que...

Muito mesmo, sempre com muito afeto, com muito carinho.

Foi a mulher que mais me amou sem dúvida nenhuma,

e com quem eu, ainda hoje, tenho uma relação.

Ela já faleceu, mas tenho uma relação de defeto,

de respeito profundo.

Para mim, se há santas, ela é a minha santa pessoal.

Nunca mais vou ter encontrado esse homem?

Não, não.

Muito sinceramente, nem quero.

A repugna, a violência doméstica, não gosto de bêbados.

Bébados até para ser uma pessoa engraçada

e para já vir estar bem engraçado.

Não gosto é das pessoas que chegam a ultrapassar

uma determinada limite e que depois partam

para a ofensa da integridade dos outros.

E como é que se resolvem,

se é que resolvem ao longo da vida essas vivências?

Com uma necessidade absoluta,

de alto ao domínio nesse sentido,

de não poder fazer aos outros aquilo que me fizeram.

O termo estido criados de uma determinada maneira

leva-nos a que o nosso comportamento

siga esses parâmetros.

Juntar os capos, mas de forma

que não passe para os outros,

aliás, estou a contar aqui,

são coisas que eu nunca contei.

Como é que lhe daram a notícia que seu pai tinha falecido?

Por um telegrama do Comissão Trabalhadores da Câmara

dizia que meu pai tinha falecido.

E entregaram-me a mim, porque

o Luisto Lipoleluia da Costa era o filho,

mas eu não sabia que o filho tinha 9 anos,

mas sabia aquilo ao seu pai, porque eu...

Ah, tá bem.

Pronto, depois veja a minha mãe

e ela é que depois me contou

o que é que poderia ter acontecido.

O morto do meu pai

veio trazer um alívio de despensa

de pedido de obrigação

para que a minha mãe pudesse resolver a situação.

E a situação foi resolvida desta maneira.

Afastar um menino de centro de violência

foi uma instituição boa, credível,

através dos serviços sociais da Câmara,

para que ela depois pudesse resolver a sua vida de uma outra forma.

Passei de uma condição extrema

de alguma pobreza,

era um estado de uma riqueza extraordinária.

Quando eu passo para a Casa do Gayato,

a filosofia da Casa do Gayato faz com que

tudo o que exista na casa

pertence aos rapazes.

Portanto, eu que não tinha nada,

de repente passei a ser domino de uma série de coisas,

e as patas de vacas,

ainda hoje, eu sou dono daquilo.

E o facto de sermos donos,

leva-nos a puxar pelo sentido da responsabilidade.

Eu conto esta história da laranjeira,

que é um dos princípios da fraternidade

e da distribuição e da propriedade.

Avindo uma laranjeira com 100 laranjas,

se forem 100 rapazes,

eu sei que uma das laranjas é a minha.

Se eu só posso comer a minha laranja,

todas as outras podem ser as outras.

Agora, é mais agradável,

a minha ao fim de uma refeição,

como vão fazer os outros todos.

Os mais pequenos varrem a ru,

apanham ervas que estão entaladas

entre as pedras da calçada,

e quando os mais velhos seifam,

a erva pode dar algado, e há o outro que ordem a vaca.

Então, o leite que aparece no pequeno almoço

é fruto do trabalho de um rapaz,

e este sentido do trabalho

e da responsabilidade,

e da convivência comunitária

fora de um caráter extraordinário.

De responsabilidade para com os outros

e a responsabilidade para com aquilo que é teu,

e que tem que ser respeitado

porque também pertence aos outros.

Proto-me, quando foi para a casa do Guéato

não fosse essa a sua vontade,

foi-lhe explicado que tinha que ser assim?

Não, disseram que eu ia, naquele dia,

para um sítio onde havia muitos corregas,

havia piscinas,

e havia, de facto,

havia as corregas, piscinas, bolozes,

mas não havia mãe.

Pois, mas isso não disseram,

que eu sofri, que era filho.

Fácil de eu que ela sofreu

sendo eu o filho único.

O sofrimento dela deve ter sido muito maior do que o meu.

Ainda mais, tendo sido,

durante um determinado tempo proibido,

viver para que

essa relação fosse começar a diluir,

porque é bom isso faz-nos infantares,

faz-nos qualquer lado,

faz parte da psicologia.

E isso era-lhe explicado assim?

Não, é evidente que não.

Só mais tarde é que nós entendemos que as coisas são assim.

Pois, claro que nós, 13, 14,

já ganhamos uma outra confiança,

já ganhamos raízes na casa,

já ganhamos os nossos irmãos.

A própria casa entranha-se,

e a nossa filosofia é outra,

que a minha mãe é uma outra figura,

não deixa de ser a minha mãe,

cortamos aquele laço.

Mas essa relação, pois, foi reviatada.

E aos 16, quando ela me vai,

efetivamente buscar por onde já tem outras condições económicas,

rejo um homem fantástico extraordinário,

com o que eu viveu durante

dois anos, e foi o homem que ela mais amou,

e que ele, a primeira coisa que quis fazer,

foi ir buscar-me,

porque quis adotar-me como filho.

Isto é fantástico.

É uma história de amor.

E uma criança arranja a forma,

nessa circunstância, de fazer o luto?

O luto estará sempre presente,

não a fazer aquele luto de

agora vou passar uns dias a chorar.

Eu lembro-me que passei muitos dias a chorar,

porque ali misturou-se duas coisas.

Ao mesmo tempo que faleceu o meu pai,

a minha mãe também desapareceu.

É um peso extraordinário de perda.

De repente fica sem nada,

e abandonado no meio de muita gente

que nós não conhecemos.

E eu lembro, primeiro dia que entrei,

estávamos a rezar o terço, ao fim da tarde,

e há um amigo lá do outro lado

que faz adeus, também fiz adeus.

E o gás também fez assim,

e também fiz assim.

Quando aquilo acabou, o gás joga-se a mim,

estamos a ser cordiais,

pensava que era de boas-vindas,

e durante uma semana ou duas ainda levem todos os dias

até perceber que tinha que lidar.

Mas isto faz parte, que é uma coisa

territorial e de rapazes,

e depois fui incluído no grupo,

e hoje acabamos por ser grandes a mim.

O que é que uma criança precisa?

De afeto, o colo é de coisa mais importante.

Sente isto talinhado, desviado

de tudo que seja problemas

que a creixa saudável.

Qualquer planta precisa,

que é o que a gente precisa.

É possível crescer sem mágoa,

não ser uma pessoa, e o Luís não é,

uma pessoa amarga, perante a vida.

Eu não sou amarga, porante os outros,

mas sou amargo por dentro.

Eu sou uma pessoa triste, ao contrário do que as pessoas pensam.

Eu sou muitas vezes apanhado, quando estou distraído.

As pessoas vão dizer, o que é que tu tens?

Se não, estou bem, estou porrairo.

A pá, partas com uma cara muito triste,

e não é.

Eu tenho o semblante que me traz a alma.

Normal até me estou a divertir.

Só que grego estas mágoas.

Nunca tentou fugir da casa do Gato?

Tentei 15 dias depois de estar lá.

E acontece uma história muito curiosa,

em que eu pego nos meus brinquedos

domingo de manhã, e pus-me estrada fora,

até que venho a ir ao mais velho que tenho comigo

e disse assim, onde é que tu vais?

Ah, pai, vou para casa, porque queria ter que a minha mãe.

Tenho saudades dela.

Tenho tantas saudades da minha mãe,

só que eu não arranjei as coisas,

então não te importas de ir amanhã comigo.

E vamos os dois?

Tá bem, vocês acompanham e vamos, então voltamos.

E eu todos os dias lhe perguntava,

então é hoje que fugimos?

Pásquei assim, não arranjei o saco,

pode ser amanhã, amanhã.

Então durante uma semana, 15 dias, um mês,

depois a coisa foi, deu-me.

Isso é uma história fantástica.

Então nós somos amigos.

A forma de ele me trazer para o encontro,

foi eliciar-me com a fuga.

Um grande aventura, bora.

Fantástica.

Onde existe tantador, tantas mágoas,

o amor floresse de onde?

Da necessidade de ter algo positivo

nas vidas que não são.

Cada um de nós tem uma mágoa,

mas que não passamos a viver disso.

Naquelas idades nem sequer é o futuro,

que preocupa, é o presente.

E no presente eu quero ser feliz.

E lá sentia-se amado?

Completamente, sim, ainda hoje.

Mas afetivas que tenho.

De momentos muito felizes, desde o teatro,

começou ali desde a evolvencia

que o campo, vemos crescer os pássaros,

vemos como é que as árvores se desenvolvem.

Possimos desregar se nelas morrem.

Nós na cidade não temos isso.

As coisas aparecem-nos na banca do talho.

E essa riqueza de vida do campo

obriga depois de ter uma postura completamente diferente na vida.

Fica-se mais ou menos dependente do amor dos outros?

Eu acho que menos.

Porque criamos, em todos nós,

autotofezas, não precisarmos dos outros.

Aquela é uma comunidade, mas não é

uma coisa que deu uma continuidade.

Sabemos que depois, em determinado momento,

cada um fará sua vida.

Estamos a falar do universo de 100 pessoas

em todas as casas militar.

Há um controle grande de emoções, e é como estar na tropa.

E para um ator que precisa de trazer as emoções cá fora,

essa forma como se foi reterindo ao longo da vida,

depois desse processo conseguiu exorcizar no palco.

O palco trazmos justamente esse exercício.

Se lá há pessoas que tiveram

vidas extraordinariamente amargas,

grandes divas, sei lá, como a Piaf,

nossa amálise, tiveram vidas tristes,

depois tornam-se pessoas extraordinárias

de uma ligação. E por quê?

É a necessidade que esse tipo de artista

tem do afeto do público.

Então vai fazer tudo

para que a coisa corra bem,

para que receba do público o afeto

que provavelmente faltou durante o tempo.

Não é a parte dos artistas, são

introvertidos e carentos.

É de desconfiar daqueles que são muito extravertidos,

é uma máscara.

Cada vez que há cortes,

fez-te uma cortina de palco,

quando o público vai embora e já não desquere,

acabou a função e vai-se embora.

Nós ficamos à espera do dia da manhã,

para que se ala a ciência,

para que tenhamos novamente os risos,

os aplausos, os afetos, as flores, os carinhos.

É por isso dizer a as pessoas

nunca se inibam

a dizer a um ator que gostam de ir.

É a melhor coisa que lhe podem fazer.

Alimenta-lhe o ego e falo de trabalhar melhor,

porque é o sentido da responsabilidade.

Eu gosto de viver no meio da cidade,

da confusão.

Gosto da casa.

Gosto de animais.

É na Casa do Gayato que aprende

que não podemos fazer nada na vida sozinhos?

É. Eu sempre fui

um menino muito saliento,

em termos de teatro.

Talvez a figurinha engraçada

que a gente tem,

que a gente tem,

que a gente tem,

talvez a figurinha engraçada

e cantava, as pessoas estavam muito agressas.

Eu tinha 11, 12,

e uma vez estava todo cheio de mim.

E as pessoas batiam de tantas palmas,

e o aleluia que é bom.

É para isso falando, para agandar ator,

que o gajo é que você faz-me rir,

para me ajudar, é fantástico.

E aquilo, para quem tem 300,

é para que ele enche-nos uma forma extraordinária,

que numa discussão de bastidores,

eu disse aos colegas, vocês não prestam,

porque é assim, um bom aqui seu ego,

um brulho de caderno, era no intervalo,

e o padre olhou para mim, olhou para todos,

e se conhece o senhor.

O aleluia é o melhor ator que nós temos aqui.

E eu fiquei ainda mais enxado,

porque eu tinha ali um verdido extraordinário.

Ele é tão bom,

que não precisa dos outros para nada.

Então vamos todos embora, e ele faz o resto sozinho.

Assistou-me, pera, mas eu não posso fazer isso sozinho.

Quem é que me diz as destas peças de dizer aquilo?

E aí é que eu percebi

que nós precisamos todos uns dos outros.

Foi a primeira lição de teatro.

Não conseguimos fazer nada sozinho.

O Guilherme Leite disse aqui,

em alta definição, e outras pessoas dizem também,

que o Luís é o melhor ator da sua geração.

Ah, não é verdade.

É uma grande genurisidade,

pela relação que temos de proximidade,

em termos de me verem trabalhar a mim,

de gostar em minha forma de estar,

e de eu gostar de eles no tratamento.

Devo dizer que há um ator da minha geração

que eu admire imenso,

chama-se José Rapuz.

O que é que é ser um bom ator?

Os atores têm uma aprendizagem constante.

Os atores nunca estão perfeitos.

O Rui de Carvalho costuma dizer que estamos sempre a ensaiar.

Mesmo quando estamos a fazer espetáculo,

é o nosso ensaio.

O bom ator é aquilo que consegue chegar à plateia

e cumpre, de facto, a função da ator,

ser o veículo da mensagem.

Isso é um bom ator? Sim, posso ser.

É um ator que, em termos de performance,

nunca falhou nisto.

Não posso, não sou...

Lamento.

O que é que as pessoas gostam tanto de si?

Não sei, não sou eu que devo responder.

Eu gosto dela.

O que é que sente que as pessoas gostam tanto de si?

Alguias por ser genuíno,

eu não me resguardo, não me ponho à defesa

de receber as pessoas bem,

ao passar uma imagem de bonomia,

de feto, não sei.

Gosto de livros,

de o que eles me dão.

Não gosto de frio, não gosto de transito fechado.

O que é que a Zithia trouxe a sua vida?

Em primeiro lugar, a estabilidade.

E o lado prático.

Eu sou o sonhador, os atores são sempre sonhadores,

vamos fazer isso, não sei o que dizer,

não vamos, não era.

E ver as coisas de uma forma positiva,

sou muito negativo.

O lado positivo dela traz-me confiança,

muitas vezes me falo.

É o seu amor da vida desde nós.

É o meu amor da vida mesmo.

É muito curioso nós que começamos a namorar,

estava no Teatro de Animação de Estudo,

o Carlos César decidiu criar um grupo de teatro

para aliciar os jovens do secundário para o teatro.

Eu tinha 19 anos, não era assim também um expert.

Uma das pessoas que me apareceu no curso,

foi a Zithia.

Ao princípio ela não gostou de mim,

eu também, ao princípio, não gostava muito dela,

mas depois acabamos de me desenvolver.

Eu pedi namoro, namoramos,

demoramos 3, 4 anos.

Entretanto, a separámos,

voltámos a reunir,

e aí com mais intensidade,

já tinha eu 26, 27 anos,

ela vai para a Suíça depois,

foi um revimento muito doloroso,

porque a segunda relação já foi mais intensa,

e casa na Suíça, hoje somos grandes amigos,

ainda vieram agora e ficam na minha casa,

em Lisboa, quando venham.

Eu chamo-lhe o nosso ex-marido,

e a mulher dela,

que é italiana,

quando liga as ilhas,

assim, nosso ex-mulher está ao telefone.

Esta relação é muito girante.

Essa relação terminou entre eles,

e a minha também tinha terminado.

Foi uma oportunidade de nos juntarmos,

já como outra maturidade.

Alguém para quem o amor aposta a prova desde muito novo,

tem uma série de exigências

em relação ao amor de condição essenciais?

Pelo contrário, não tenho mais.

As pessoas que têm carência efetiva,

até um abraço muitas vezes,

serve de um console,

e sem palavras, ficar ali.

Sou uma pessoa muito feliz,

sou feliz, o que trago dentro de mim é uma mágoa,

e isso não se pode arrancar da nossa alma,

crescemos assim.

Agora, eu sou feliz com as pessoas que tenho,

com a minha família,

com os meus filhos, com a Zita,

sou feliz com os meus amigos,

porque há uns amigos que são mais famílias também.

Eu sou feliz quando me dizem que gostam de mim,

porque eu sou um bom ator,

por ter salas cheias,

e sou feliz quando as pessoas apanham auto-carros,

e saem de noite com chuva, e com vento, e com frio,

para ir me ver oteado,

porque sou eu que lá estou,

e só tenho que ser feliz.

E ser amado,

não é que não tenha sido amado.

E também, daquela violência que eu falei ao princípio,

não era porque não gostavam de mim,

era por os efeitos do vinho,

ou coisas assim, alteravam o seu comportamento, não é?

Não é porque não gostei,

era um enteado,

quando ele passava um pouco a bebedeira,

depois tinha momentos de afeto.

E o Luiz desculpava,

depois quando havia esse gesto de carinho,

pós violência?

Não, não quer desculpar,

não desculpa a violência.

Não desculpa a violência, não desculpa.

Violência em si supõe sempre um estado de espírito,

da pressividade, e de confronto.

E quando há confronto e a pressividade,

não pode haver palavra na reflexão.

E isso faz com que não haja uma relação.

A violência é indesculpável em qualquer situação.

E o pai procura ser de próprios seus filhos?

Um pai presente, sobretudo.

E tenho medo muitas vezes

de não conseguir passar alguns valores

que eu próprio considero importantes.

O da justiça, o do respeito.

Tenho medo de ser um pai muito severo,

nesse sentido da exigência.

Eu fui criado nessa exigência.

Temos que fazer isto para me ser aquilo.

E hoje em dia a educação já não é assim tanto.

O que as crianças hoje precisam para se desenvolver

não são as mesmas,

os osmiudos querem mais do que que têm.

Porque têm acesso na escola,

se um tem um telefone, uma marca, o outro quer,

porque o outro também tem.

A decisão de os ter na sua vida

foi ponderada ao longo da sua existência?

Foi ponderada sempre.

Os filhos fazem parte de uma concretização pessoal.

Há também o querer de ter

para passar o meu testemunho daquilo que eu tenho,

entre quantos valores.

E sim, os filhos foram ponderados, foram desejados.

Esse é o mais importante.

O que é que sentiu quando os viu pela primeira vez?

O medo terrível, uma rejeição.

Não por eles, mas pela minha incapacidade

de pensar que estariam melhor com outros.

É bonito ser pai.

Te vais ser pai.

Estás agora a viver um período de encantamento.

Provavelmente vais ter um choque no dia em que nascer,

porque a partir daí muda-te a tua condição.

A tua condição que agora tens uma personalidade,

tens uma identidade,

passaste a dividir essa identidade e as tuas preocupações.

Já não são só para ti.

E as maiores preocupações passam para outra pessoa.

E a responsabilidade da outra pessoa pertence-te.

E isso é assustador.

O Dr. Labrinho Lucio diz uma coisa extraordinária

num livro da Fundação Luís Figo.

As crianças felizes são as que são adotadas.

Felizmente que a maior parte delas

são adotadas pelos pais biológicos.

Todas as crianças precisam ser mesmo, todas adotadas.

Vocês seus filhos adotaram-no assim?

Sim.

Aliás, eu põe sempre as coisas ao contrário.

Eu não adoto a ninguém.

Eles é que me adotaram.

Eu é que tinha necessidade desses afetos, esses abrados.

E cada vez, até me chateia,

quando eles iam para chegar para o lado,

eles diziam isso porque é cansativo.

É a necessidade do afeto.

Já tinham que idade?

Um tinha 18 meses e outro tinha 4 anos a fazer 5.

E era importante para se perceber a condição de vida

daquelas dos crianças?

Não é importante conhecer.

Eles têm acompanhamento psicológico.

Eles estão com o Nuremantunes fazendo um trabalho extraordinário.

Porque são crianças que vêm com alguns problemas.

E o mais velho tem uma coisa chamada Asperger

que pode acontecer em outra situação qualquer.

Não é a condição de ser adotado pelo contrário.

No todo o processo,

tu tens acesso a toda a informação disponível pelos tribunais.

Quer que se passou?

Porque é que foram retirados?

Porque é que o tribunal resolve desta maneira?

Eu fiz um pacto na altura e pedi em tribunal a identidade sigilosa.

Eu sou uma pessoa mediática, mas também fiz um acordo tássito.

E todos perceberam em que não se falaria que os meninos eram adotados.

Nem se mostraria o rosto.

Deve agradecer aos médicos.

Deve agradecer a esse cuidado e a esse respeito.

Houve por jornalistas que foram os primeiros a vê-los

e pegaram neles alcoólogos e chamam-lhes tios.

Mas que nunca passaram rigorosamente nenhuma informação.

Há aqui uma condição que é um respeito pela pessoa humana.

Eu tenho duas pessoas ao meu cuidado que eu tenho que respeitar.

E se a crueldade da vida os marcar determinada forma?

E se isso for mau, se for péssimo?

Sempre fomos abertos em casa, sempre falámos destas situações.

Já combinámos.

Logo que seja possível, vamos à procura de tudo.

Vamos saber tudo.

Mas eu quero ir também.

Esse assunto foi sempre muito aberto, muito esclarecido em casa.

Sem receios da sua parte, sim?

Nenhum, absolutamente.

Porque eu próprio também fui adotado.

Os outros ganhados todos, a instituição,

porque no fundo somos todos adotados uns dos outros.

Há um outro fator, que é o tal do ganho.

Quem é que ganha mais?

Eu também ganho.

Também se fui egoísta porque eu fui buscar-os

porque precisava deles dessa relação da feta.

É um amor incondicional.

A partir de determinado momento passa a ser.

Quando os vi na primeira vez, chorámos a noite toda.

Por que acontece mais um milagre da vida?

É extraordinário.

Os meninos, nós não sabemos, porque a identidade

é desconhecida até à presença física.

Tínhamos que os buscar a uma instituição,

não nos deram nem peso das crianças.

Eu não sabia que para as cadeiras dos bebés,

eu me sinto peso.

Quero duas cadeiras, para bebés.

Fique peso.

Olha agora.

Comprar roupa.

Até qual é a... Olha agora.

Nada a toda essa informação nós não podemos passar,

porque caso se desista, não há expectativas envolvidas.

Quando os vi pela primeira vez, já foi presença.

Algo que acontece é que vejo uma figurinha a correr para mim,

que é um trabalho psicológico de uma semana.

Os seus pais vinham no sábado,

os seus pais vinham no sábado.

É uma coisa que está mal.

É não prepararem os paisas ou tantos para acerem paisas.

E então acontece uma figurinha a agarrar mais pernas

e a gritar, mano, vamos que chegou o pai.

É a primeira vez que me chamam o pai,

é a primeira vez que me agarram umas pernas,

é a primeira vez que eu tenho ali um...

O que é isto?

Espera aí, é qualquer coisa aqui que não bate certo.

E entretanto nós fomos para o hotel,

porque aquilo é sequencial,

a meia hora, no outro dia é uma hora,

e depois até um dia inteiro.

Fomos para o quarto e as itas choramos, choramos, choramos, choramos.

No outro dia procurei de manhã uma igreja,

porque eu precisava daqueles silêncios, daquela paz,

para refletir, e depois decidi que não quero.

E daí há tempo, cheguei lá e disse,

olha, tenho uma coisa para dizer.

É assim, nós não vamos levar,

eu não quero um...

E aí eles ficaram apoverados, naturalmente.

E a psicóloga chamou-me ao gabinete,

venha cá, até eu não quero porque,

eu não quero porque é uma responsabilidade muito grande,

e eu não sei se estou preparado,

e eu não sei que é isso,

olha, eu vou lhe dar os meus parabéns.

Ah, pronto, então, se eu não leve,

não é o contrário e vai levá-los.

Por que?

Porque um pai que manifesta essa insegurança,

essa preocupação,

vai ser um grande pai.

As coisas depois correram bem,

e aconteceu uma coisa,

o mais velho desafiou e disse,

eu não gosto desta casa que ele me lembra.

Já nos tinha preparado que ele ia fazer isto,

pega nas coisas, chega à porta e sentava a brincar,

mas experimentou,

quer-me ir embora.

Está bem,

vai buscar as suas coisas.

Ele ia buscar as coisas que já tinha ganho,

disse, não, não, não,

só traz aquilo transesto,

tudo o que cá estava,

não é para ti,

é para o teu mano, vai ter embora,

pega na sua mochila,

vá para o carro,

abriu a porta,

vai para o carro.

E eu disse, bem,

isto já passou da porta,

entrou no carro,

e agora, o que é que eu faço?

Eu tenho que levar isto até o fim.

Pus o carro a trabalhar,

deu-me a volta à avenida,

pelo espelho e a conversante com ele.

Mas, queres mesmo?

Quero.

Papo Diago,

o que é que eu faço à minha vida?

Bem,

auto-estrada com ele.

Bem,

isto chega ali,

o que é que sabe é o carro a andar,

e a afastar-se,

provavelmente vai rejeitar

e vai dizer que não.

Entretanto,

passou a zona de grande,

e eu ia falando com ele,

mas tensa certeza,

mas aquilo é bom,

eu quero ir para lá,

não gosto de vocês.

Era de calor,

verão.

Fechei os vídeos todos,

morremos de calor lá dentro.

Entrei numa bomba de gasolina a pensar,

tensa certeza,

queres ir e não sei o que,

quero, quero.

Eu acho que a paisagem

é que me solha ser mais próxima.

E então,

começou a ver que,

efetivamente,

eu era maluco,

e assim,

veja,

quilómetros dizia-lhe assim,

ah,

eu estava a brincar,

só,

tu não sabes com o que

é que estás a brincar,

estás doido a ter,

eu faço esses quilómetros todos,

perguntei-te,

não sei quantas vezes,

insisti-se,

tu disseste que era,

que era,

ora Deus,

meu querido,

e arranquei para faro.

E dei três voltas

a este edifício,

ai enganei-me aqui na porta,

para ele ver bem,

um sítio,

que toquei à campainha,

fui ao carro,

abri a porta, assim,

vai,

salta daí,

é, tem barra,

e ele não saiu,

isso assim,

mas é que eu estava a brincar,

eu acho contigo,

eu quero estar contigo,

é,

pai,

e aquilo foi a primeira vez

que eu senti amor.

Então,

sabes o que é que fizemos?

Era verão,

eu levantei a tixar-te dele,

levantei a minha tixar-te,

colámos as peles,

e demos um abraço forte,

e eu disse,

nunca mais me ponhas a prova na tua vida.

Nunca mais.

Nunca mais, pôs.

E hoje temos uma relação

bonita,

uma coisa de confidentes,

no fundo,

foi aí que ele nasceu.

É engraçado que eles deram um prazo de 4 anos,

foi mais cedo,

mas durante um determinado período,

tu não sentes aquela ligação,

como se fosse uma ligação biológica,

de coisa de pele,

isso não existe,

passa depois a ganhar com confiança,

e com o sentido de ter que defender,

e ter que ajudar,

e ter que estar presente,

isso é muito interessante.

O que é que eles dizem,

que não esquecem?

Eles são diferentes, claro,

e o João tem uma frase que diz,

é o melhor pai que eu já conheci,

vindo de uma criança,

é genuíno,

é o melhor que eu já conheci,

no fundo é o melhor do mundo,

que ainda é pouco,

é o pouco mundo que tem,

mas é o melhor que já conheci.

Isso é a melhor frase,

e o José é menos pressivo,

mas diz, pai, eu amo,

e a palavra amor está muito presente

nas nossas relações.

As crianças devolvem-nos parte de nós.

Ah, sim.

E tentamos erradamente, muitas vezes,

corrigir coisas.

Ah, e eu não fazia assim.

Esqueçam, aprendam,

como eles fazem agora,

senão não evoluímos, mano.

Aquelas coisas que os pais dizem,

se tu soubesse,

os sacrifícios que eu fiz,

eu não sei,

não tenho que saber.

Os tempos são outros,

a maneira de se relacionar

à diferente,

que é plativo e motivador para eles,

é completamente diferente.

Os nossos tempos têm nada a ver.

Tudo isto de viver passa muito rápido.

Viver?

É um fósforo,

e a gente lixa-se.

Mas é verdade.

Nós vemos as coisas acontecer

com uma velocidade extraordinária,

estontiante e cada vez mais,

e com medo de não cumprir-me

determinados objetivos

que nós teríamos suposto conseguiríamos.

Quantas vezes nós combinamos um jantar,

um café com um amigo,

e de um ano depois

ainda estamos a combinar,

ah, temos que ir de novo no café.

Faça uma coisa,

quando combinarem, marquem logo.

Há encontros, há abraços

que não se devem adiar.

Nós vamos nos arrepender

de muitas promessas

que fizemos de cafés e de abraços.

Não demos e não podemos.

Porque quando nós combinamos,

somos sinceros naquele momento.

Mas depois acontece que

há outras coisas que nos passam pela vida,

e olha, afinal,

já hoje não dá.

Amanhã também não deu.

Entretanto, o outro também não pode.

E acabamos muitas vezes

criar distâncias

que só quando aconteça

alguma coisa de gravação.

Por que é que eu não fui?

Por que é que eu não fiz?

Quando todas as semanas

prestes auxílio a sem abrir

Ense Tubal,

está a dar mas também está a receber.

Sim,

eu tenho uma admiração extraordinária

pelas voluntárias.

Eu, Ense Tubal,

a minha empresa,

tinha dois espaços,

um deles está alugado,

mas o outro estava devoluto.

E soube que o casa,

centro de apoios sem abrir,

distribui comida,

tinha umas instalações

que eram iguas

e que as pessoas tinham que comer fora,

à chuva,

e então eu obsedei as instalações

para que eles fizessem lá a sua vida.

Sou padrinho

por uma questão de cortesia

da parte deles,

mas, por exemplo,

em Lisboa,

envolvo mites

com refúdo.

Eu e a Zita

vamos buscar a comida

ao supermercado,

na pasteleria,

e é o Hospital do Ordem Terceira.

O Hospital do Ordem Terceira

está instituído

fazer dois tabuleiros

de comida extra

para oferecer a refúdo.

Está bonito.

Por que é que o faz?

Pelo prazer.

Fui criado com esse código

de ajudar o próximo

de estar preocupado

com o outro,

de envolver-nos com o outro.

Como fizeram para mim,

no fundo estou a retribuir

um pouco daquilo que mudaram.

O facto de dar,

quando nós ofrecemos alguma coisa,

mesmo quando damos uma prenda a alguém,

há um prazer extraordinário

que nós temos na dádiva,

em dar quando damos

e vemos a pessoa

que andamos satisfeita,

ou aquilo que nós colhemos,

e por acaso até acertamos na cor

e a pessoa faz um sorriso

e nos abraça

É tão bom.

É difícil não se envolver

emocionalmente

com os casos que vai conhecendo.

Ah, é, claro.

Sou muito emotivo

e às vezes são um bastante dolorosos.

Também pretendo uma associação

em que vamos à aula pediátrica do IPO.

Fiz muitas vezes como nintonecas

e com António Sala

que fez um favor

de me convidar algumas vezes

para ir animar o IPO.

Mas há uma associação

que ajuda aos pais,

que são pessoas em sufrimento.

São famílias que da ficam destruturadas

e muitas são de longe

e que têm que vir para Lisboa

e quando vem para Lisboa,

ou vem o pai ou a mãe,

muitas vezes ficam 6, 7, 8 meses separados.

Então essa associação

está criada para pais e heróis

para que se possa ajudar esses pais

a reencontrar, sei lá, um jantar,

uma vez ao teatro,

fazer com que venha

alguém que vá tomar conta

dos filhos que lá ficaram.

E essas relações

tocam muito,

tocam muito quando as pessoas sofrem.

Não gosto de sofrimento.

Há uma coisa que marcou muito.

Um dia chamaram-me IPO.

O menino estava em isolamento já.

Era um bebê.

Tinha dois anitos, pai e três.

A única coisa que ele comunicava

era pelo ar

do menino do Necker.

O menino estava pronto,

estava para falecer.

Foi uma coisa tocando para mim.

Nunca mais esqueci

aquele menino

careca,

pequenininho, naquela caminha.

A única coisa que ligava

e queria que gostava

era do meu trabalho.

Era da televisão.

A caixa da televisão.

Fez-lhe companhia.

E se marcou.

E esse sofrimento

passa para nós.

Nós temos é que saber depois filtrá-lo.

Guardamos algum para a nossa

memória efetiva e depois não arrastar.

Mas eu sou muito emotivo

nestas relações.

É um homem de fé.

Sim, costumo dizer que sou católico,

apostólico, pouco romano.

Há coisas que não precisamos

de tantos dorados e tanta riqueza

e tantos vestidos até os pés e capacetes.

Não.

Mas sou um homem de fé

e tenho uma relação pessoal com Deus.

Com meu Deus.

A quem eu recorro, com quem eu falo

aconteceu uma coisa curiosa.

Houve um irmão, de um amigo meu,

que me pediu 50 contos

embustados.

Eu não tenho aqui,

mas vamos ao multibanco.

E pelo caminho, ele teve uma contar

que agora que eu estou sendo dinheiro

é que meu filho caiu um par de tênis.

Só os tênis são quase 50 contos também.

Eu até lhe dava, mas não posso.

Eu fui ao multibanco, está aqui 50 contos.

E agora dou-te mais 50 contos.

Mas estes sou o que tu ajudou.

Esse estás-me a dever do que diste.

Estes 50 contos é para tu comprás

os tênis ao teu filho.

Não é por ele o que ele oferece,

lá está o prazer de oferecer.

É tão bom.

Se puderes dar,

vais sentir melhor.

Esse dinheiro não me das,

mas põe a circular.

Se há alguém que pedir um dia

e precisar, são 50 contos

que não me pertencem.

Arregue-se à loja

e diz a empregada,

Sr. Luiz,

passou aí o senhor do antiquário.

Ele deixou aí um embrulho para si.

Diz que o Luiz ia gostar

e que ia uma prenda.

Eu desembrolei a prenda

e era um vasque santana,

mialeiro, terra cota,

deste tamanito.

Os anos 40,

olhei por trás e esqueci

de se tirar ao preço.

50 contos.

Os 50 contos,

que eu dei,

foram devolvido de imediato.

Eu tenho que acreditar em Deus.

Meu Deus,

funciona deste tamanho.

E ele dá-me, muitas vezes,

até a meu dobro

daquilo que eu dou aos outros.

O que é que mais se orgulha na vida?

De olhar para trás

e ver que não pisei a ninguém.

Estou num lugar

que consegui,

conquistei,

apulso,

com muitas mágoas,

muitas vezes, por caminho.

Muitas vezes,

com essas mágoas de não ser chamado

mais vezes para trabalhar

em televisão,

mas ter sempre,

que fui ensinado assim,

a ter que lutar pela vida,

se não é este caminho,

tem que arranjar outro.

Tive que arranjar

minha produtora,

convidar atores,

o que trabalham comigo

e vamos embora trabalhar.

E o meu orgulho

é justamente,

nunca pisei nilhado.

Muitas vezes,

não levei o dinheiro para casa,

mas meus colegas,

os técnicos,

são sagrados.

Gosto do som da orquestra

a afinar

antes do início do espetáculo.

Não gosto de salas vazias.

Não gosto que durmão

nos meus espetáculos.

Um dia o João e o José

terão filhos e terão netos.

Quem é que gostaria

que eles dissessem que foi o pai?

Tenho medo.

Tenho medo,

porque eu não sei

como é que eles me verão

daqui a um tempo.

Mas o que eu gostava

é que eles dissessem

que o pai foi importante

para as pessoas que eles são

naquela altura.

Se não fosse o meu pai

fazer-me terminar das coisas

ou indicar nestes caminhos,

eu agora não estaria assim

desta maneira.

O pai foi importante

na formação,

para o caráter

e foi importante

na maneira de estar na vida.

Se o Luis

tivesse que escrever

uma frase para ser lida

daqui a 50 anos,

o que é que escreveria?

Fiz o que pude.

Fiz o que pude.

Se cada um de nós

fizer o poder

e se esse fazer

for bom para o outro,

já é bom.

Fiz o que pude no trabalho,

se for bom,

será relembrado.

Fiz o que pude

na minha relação

com os meus filhos

daqui a 50 anos,

serão relembrados.

Se for bem feito,

fiz o que pude.

O que é que dizemos

às olhos?

Eu pensei tanto

nesta frase,

porque é uma frase

basilar neste programa,

porque é extraordinário.

E depois pensei em várias frases.

O pai tem que arranjar

ali uma frase.

Os meus olhos dizem

que precisamos de lentes,

ter um sentido literário.

Nós vemos sempre o mundo

e vemos os outros

pela nossa própria lente,

pela nossa perspectiva.

Precisamos de lentes,

precisamos de alargar

o nosso ângulo de visão,

muitas vezes,

ver também

pela perspectiva dos outros.

Isso eu tento fazer.

E muitas vezes

eu preciso

de ser chamada à atenção

para ver as necessidades

dos outros

que não me chegam assim

tão de repente.

Feliz.

Foi um prazer imenso.

Foi um prazer imenso.

Foi um profilégio.

Obrigado.

Foi um profilégio que foi nosso.

Muito obrigado.

Feito.

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Aos 57 anos, Luis Aleluia dava esta entrevista a Daniel Oliveira e lembrava a sua eterna ligação ao 'menino Tonecas'. "Sou um pouquinho naive em determinadas coisas, abro o coração, acredito sempre mais no outro", admitia. Perdeu o pai muito cedo, quando tinha 9 anos, e foi viver para a Casa do Gaiato em Setúbal: "Acabo por ficar orfão aos 9 anos, dói muito ainda hoje". Teve uma infância dura, vítima de violência doméstica por parte do padrasto, "coisas que nenhuma criança deve viver porque vai marcar a vida toda". Nesta entrevista íntima, o ator contou várias partes da vida que nunca tinha revelado publicamente. Nascido a 23 de fevereiro de 1960 em, Setúbal, Luís Aleluia contou com vários trabalhos em televisão e teatro e ficou célebre pela personagem menino Tonecas, da famosa série Lições do Tonecas, exibida na década de 90. Morreu esta sexta-feira, dia 23 de junho, aos 63 anos. Recorde aqui a entrevista ao Alta Definição, gravada e emitida originalmente em 2018.

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