Alta Definição: José Reza sobre o suicidio do pai e do irmão: “As pessoas que cá ficam sofrem bastante. Talvez seja esse o ensinamento”
Joana Beleza 7/15/23 - Episode Page - 42m - PDF Transcript
Nós ainda estamos aqui
Bem-vindo, você é a Réza
Olá Daniel, mais de 35 anos de música
Sim, se calhar muito mais, porque eu comecei muito jovem
Tive uma beleza de nascer uma família de músicos
O pai era um boiço que tanto viola de fado e tinha uns tios que também toavam
Tanto praticamente nasci com a música e sempre que havia reuniões de família
Tava sempre a música presente
Meu querido mês de agosto
Desarrésia, 70 anos, estou, começou, no alto de definição
Aprende a tocar viola com 4 anos?
Havia vários instrumentos lá em casa e a gente arranhava
Mas começar a tocar mais a sério, talvez aí aos 12 triunfes
Era Isofando, Zeca Fonsi, Duradriano Corredo, Oliver
Comecei e cantava as músicas dele e sempre
Tenho que aprender a tocar mais ou menos para poder servir de suporte à minha forma de cantar
E um bom vinho verde, iremos beber
Ele sentiu-se que, em terminado de período da vida dele, foi injustiçado
E então, decidiu de vá que terminar, terminar com a vida
Quais são as primeiras memórias em que a música está presente?
A recorde das reuniões foi molhar, cantar, nomeadamente, aqueles fados
Que na altura eram o sucesso da Amal e eu cantava
Alô do Capolão, foi Deus, eram as canções populás
E que eles sabiam tocar e que também tinham os primos que acompanhavam
Mas eu era sempre um focalista principal
E a família achava graça que o puto...
Achava muito graça e o meu pai quase que quando tinha qualquer evento
A obrigava-me a entrar-se para se ver com ele
E achava que eu tinha algum jeito, porque, inclusive, eu não tinha...
Eu nasci em Lisboa, na Trinidad Alfreda Costa
Mas fiz a minha infância na região Saloia do Louro
No Tijol, não é?
Havia lá um grupo recreativo e que tinha um grupo de música
E houve uma altura que eles precisavam de um focalista
E o chefe da orquestra, alguém lhe disse que eu era capaz de cantar qualquer coisa
Então eu me lembro que a primeira vez que fiz o palco, tinha 15, 16 anos
A seguir, fiz um grande sucesso, jante das miúdeses
E aí eu fui-se cantar, tive mais feliz por ir cantar
Do que propriamente com os elogios das minhas amigas daquele tempo
Como é que era a infância no Tijol?
Olha, era livre, nós fazíamos o que queríamos
Jogávamos à bola na estrada, duas pedrinhas de cada lado
E a estrada de servi, porque também não passava muito trânsito
É alegre, nós tínhamos um rio que na altura era um rio
Ainda com água corrente, que era um rio trancão
Que servia de preia na época de verão
E eram muitas vezes no rio que eu começava a cantar
E que a Malta me ouvia a cantar
Foi uma vida livre, nós podíamos sair de casa à vontade
Não tínhamos problema
Tive muito contacto com a natureza porque o meu avô era agricultor
Ia muitas vezes também para as zonas agrícolas
Posso dizer que tive uma infância feliz
Bem disposta a fazer aquilo que queria aquilo que me apreciava
Távamos à vontade
Piscar no rio era a predição?
Piscar, curiosamente, nós pescavamos com a mão
Havia aquelas entradas do roxido
E conseguimos agarrar peixes com a mão
Curiosamente, quando não conseguimos agarrar o peixe com a mão
Era a mesma dentada
Agarrávamos o peixe e o peixe fugir
Tinhas que dar uma dentada para ele não fugir
No caso das enguias da Erospante, aquilo é muito escurridia
Nós metíamos a mão e a sentíamos uma série de peixes que neste momento não existia
Na altura é que o trancão de facto era um rilo com água corrente
Mas podíamos nadar à vontade
É prontável muito?
Sim, eu era muito irreverente
Tinha uma relação com o meu pai, tramada
Tramada não põe sentido
Porque o meu pai tinha uma pequena oficina
Veis em quando cravava para eu dar uma ajuda
Lá ou lavar as peças ou fazer alguma coisa com alguém
E eu às vezes nessa altura sequer já queria mais e jogar a bola
Porque tinha logo ali o campo de futebol ali perto
Mas eu era muito irreverente, até porque naquela altura fazia isso
Uma infância à vontade
Quais são os melhores memórias dessa infância?
Eu a minha infância recordo apesar de ter tido uma contraliedade
Logo quando nasci porque eu vivi uns anos sem a minha mãe
Por questões de saúde dela
Mas nem isso marcou de forma negativa
Porque fui criado por umas dias que me davam tudo aquilo que eu queria
Foi tudo positivo, não guardo coisas
Estou achando esse período de tempo em que de facto não vivia com a minha mãe
E a que idade?
Eu só comecei a viver com a minha mãe e eu talvez aos 6, 7 anos
E o miúdo de 6 anos, percebe porque é que não está com a mãe?
Depois de voltar ao convívio da minha mãe percebi
Porque é que não estive com ela de princípio
Porque ela teve um problema de saúde e que teve hospitalizada
Eu penso que ao fim é o cabo
Nessa altura eu acabo nem me a perceber bem da gravidade da situação
Só mais tarde
Só mais tarde
Depois da adolescência
É que eu me percebi de facto as razões
Para as quais eu de facto não pude estar mais perto da minha mãe
Quando a ideia era praticamente uma criança
Era um problema do foro psíquico, não é?
É, exatamente
Ela quando é entrenada é contra a vontade dela?
Eu se calhar até digo que sim
Porque as pessoas quando são afetadas do foro psicológico
Acho que nada bate certo
Então de tudo o que nos queriam fazer
Provavelmente é contra a vontade da própria pessoa
O Zé não tem memória da sua mãe antes dos 6 anos?
Não tenho ideia de nenhuma dela
Tenho apenas a ideia daquilo que as pessoas me retratavam da minha mãe
Que era uma pessoa extremamente alegre
Gostava de fazer teatros na altura e tudo isso
Tenho uma fotografia apenas dela
Mas não tenho mais as mesmas da mãe
Ela teria muito mais saudades de mim do que o propriamente dela
Porque ela estava privada do filho
Eu não tinha a minha mãe mas fazia a minha vida normal
Lembra-se do reencontro?
Lembro-me bem porque me disseram que eu ia conhecer a minha mãe
E todos os meus amigos tinham mãe
Mas eu não tinha
Lembro-me bem mas curiosamente
Hoje digo que
Imutivamente
Aquilo foi encontro como se...
Uma estranha?
Como uma estranha exatamente
Como se fosse
Conhecer a alguém que eu não conhecia
Eu só compreendi isto depois da minha mãe partir
Não sentia aquele afeto de filho para a mãe
E essa relação só se deu
E efetivamente no dia em que ela se faque para embora
Aí é que eu senti que de facto aquela mulher
Tinha sido a minha mãe
E tinha sido ela de alguma forma
Que disse ao meu pai que
O rapaz tinha que ver para os bons estudar
E portanto
Só tenho que agradecer
À minha mãe tudo aquilo que ela fez por mim
E mesmo aquilo que ela não pôde fazer
Eu acho que tenho que agradecer
Como é que foi a educação com os seus tias?
Às minhas tias eu era reia
Era reia fazer tudo de bom e de mal
Porque era o menino
Especialmente com uma tia que se chamava Nazarect
E ainda por primeira solteira
Eu era o Ai Jesus lá da casa
Por isso a liberdade que eu diga que tinha
Portanto tal, de alguma forma também
Foi porque me fazerem todas as vontades
Aonde dou-se que ainda hoje eu adoro
E que elas faziam muito bem
Que eram horrores doce
Era a cobáia entre as
Mas para avaliar-se de facto
O doce estava em condição
Eu era o príncipezinho
E com o pai, havia gestos de carinho
Ou essa geração era mais dura na relação?
Era um pouco mais dura
Mas lembro que o meu pai naquela altura
Ainda se trabalhava ao sábado
E ele trabalhava em uns boas
E quando regressava no sábado
A hora do almoço
Eu sei que ele trazia-me sempre qualquer coisa
Um docezinho
Lembro perfeitamente
Havia espaço para um âmute
Um gosto de ti?
Não
Não
Era dito de toda forma
Era dito com a sorte na altura
Nós temos uma refeição
Temos uma vida condigna
Temos aquilo que era necessário
Lembro-me o dia do aniversário
Que era sempre especial
Porque a minha mãe fazia questão
De fazer uma pequena festazinha
Para mim e para os meus amigos de escola
Talvez fosse a forma dela dizer que me amava
Mas ao meu querido
Esse tipo de expressão
Eu nunca senti isso
Os afetos não eram assim tão evidentes
Estos pediam ter afetos
Mas acabavam por não os transmitir
Não quer dizer que o pai não gostasse do filho
Ou o filho não gostasse do pai
Mas o demonstrar verbalmente
O afeto
Ou dar um abraço
Sinceramente, não me lembro
Joguei alguns anos de futebol no Bolense
Três anos, propriamente
E o meu pai nunca veio ver um jogo
No meu futebol
Isso era uma coisa que me marcava assim
Porque é que este pai não vai ver um jogo
Depois eram os amigos que lhe diziam
Teu filho jogou, jogou bem, jogou mal lá
Era a vida que era mesmo assim
A vida dos anos 70
Completamente diferente
Mais vivendo eu, numa aldeia
Que na altura era 200% rural
Tanto, hoje nós viemos ao puxal
Em 20 minutos, estamos lá
Na altura, vínhamos para a escola
A escola do autocarro, morávamos cerca da hora e meia
Era uma hora e meia
Para ir e uma hora e meia para vir
Era três horas de autocarro
Era muito tempo
Eu lembro, ficava no campo grande
A primeira escola eu não andei
Fem ao avala dos anos Santos
Que ainda dizia isto
Deschimos ali no campo grande
Pois íamos a pé
Por correr uma avenida da igreja
Ainda cerca de um quilômetro e meia
Aquilo era uma arrumaria
Vai lá, era um caminhar alegre
E é quando que começa a vir para a escola
Que seu irmão nasce?
Meu irmão nasce dez anos depois de mil
Via um conceito médico
Tem que haver um risco
Com a extensa do outro filho
Poderia haver problemas a nível
Psicológico ou psiquiático
Por causa do problema da minha mãe
No princípio, ele não teve problemas
Eu lembro perfeitamente
Ele também era um ótimo aluno
Mas depois com a idade
A partir dos dezesseis, dezessete anos
Começou a ter também alguns problemas
Se manifestavam como?
Com ansiedade, com depressão
Com esse tipo de situações
Eu na altura lembro-me
Que eu quis apoiar diversas vezes
Até em termos de oferecer emprego
Ele nunca se sentia em condições
Recusava sempre qualquer tipo de ajuda
Mas eu tive uma relação boa com o meu irmão
Principalmente enquanto ele foi mais jovem
Até aos doze, treze anos
Os Zé devia ser uma referência para ele, não?
Sim, até porque
Tinha alguma evidência já nessa altura
Na música, portanto
Ele gostava muito de mim
Procurava-me bastante
Sempre que ele me procurava
E eu devolhou apoiar
Que eu pensei que ele precisava
E há um dia em que não procurou?
E há um dia que ele não procurou
Mas eu senti que as coisas não estavam bem
Entendeu que estava na hora
De resolver a vida dele
E eu fiquei altamente surpreendido
Com a forma como ele decide deixar esta vida
Não estaria à espera
Mas foi assim que ele decidiu
Para ter esse tipo de atitude
Há quem diga que é cobardir
Há quem diga que é coragem
Mas acho que é preciso ter alguma coragem
Para fazer aquilo que ele fez
Que foi, de facto, o ponto final da vida dele
E a equidade dele?
45, 47
Deixou alguma coisa escrita para si?
Deixou o escrito
Onde, de facto, me agradecia
Todo o apoio que eu lhe dei
E também o cria que nós fizéssemos
Depois dele eventualmente partir
E deixou o escrito as razões
Porque, de facto, acabou de fazer aquilo que tens
Ele senteu-se que, em determinado período
Da vida dele, foi injustiçado
E então decidiu
Que ele não seria aquilo que as pessoas diziam
E decidiu, de facto, terminar
Terminar com a vida
Ele tinha muitas relações com diversos familiares
Não foi imediatamente
Foi alguns dias depois
Talvez uma semana e tal, ou coisa passida
É que eu fui alertado
Pelos primos, onde eu costumava visitar
Que ela há muito tempo não apreciia
E não era normal alertar-te tanto tempo sem aprecer
E foi quando eu, vai lá, me puse em campo
E fui descobrir que, de facto, tinha acontecido
Um determinado episódio em determinado sítio
E vinha descobrir que, de facto,
Aquela situação que me tinham contado
Ao fim ao cabo, tinha sido vivida pelo meu irmão
Sei que depois, ele acabou de estar uns dias hospitalizado
O facto não conseguiu sobreviver
Aos ferimentos que na altura já tinha
E acabou de falcer
E depois eu venho a saber isso através de umas fotografias
Que as autoridades judiciais enviaram
Para confirmar-se, de facto
Aquela pessoa que estava ali
Era de facto o meu irmão
Ele estava muito modificado
Porque, de forma como ele, pôs fim à vida
É dramático
Foi dramático
Ele autoimulou-se
Portanto, foi a...
Acho que foi dramática
Acho que devia ter sido horrível
Horrível, horrível
Eu não ia pensar, mas, portanto, ele decidiu fazer aquilo
Partiu, olha
Se Deus existe, que Deus o guarde
E o que eu acompanho
Tenho alguma dificuldade em...
Em perceber se Deus existe ou não existe
Porque a minha vida nem tem sido sempre fácil
Seu pai também como estou suicido
O meu pai...
É dramático
O meu pai também aconteceu a mesma coisa
Portanto, resolveu que a vida dele
Não estava aqui a fazer nada e também se foi embora
O meu pai...
Minha equidade, ele?
65, 66, mais ou menos isso, talvez
Mas o meu pai prometia que fazia aquilo
Ele dizia sempre
Estou farta de vida e qualquer dia vou embora
Talvez resultante dos problemas
Do filho mais novo, do meu irmão
Foi depois do seu irmão?
Não, não, ele
Faz antes, faz antes
Como o meu irmão já tinha problemas a nível de saúde
Porque o meu pai eu lembro
Que era muito o meu irmão
Em termos de que ele seria um homem brilhante
As coisas não aconteceram como ele efetivamente
Planojou
E então, talvez isso tivesse sido um dos motivos
Que eu vou querer nos deixar
Mais cheio do que aquilo que era suposto
O José foi ao local?
Fui, fui
Eu vou sempre...
Eu tenho tido o azar de ter assistido
Depois as...
As coisas
O José fica como o homem da família
Nessa circunstância?
Sim, fico
Fico como o homem da família
Por isso muitas vezes as pessoas perguntam
Ah, mas por que que tu não seguiste
Logo a vida da música, não sei o que
Talvez porque na altura tinha
Aquele estigma que a vida da artista
Não era uma vida segura, suficientemente segura
E talvez eu sentisse na obrigação
De ter uma vida mais estável
Até porque as minhas habilitações académicas
Permitiram ter um emprego
O chefe da família
Dato que o meu pai também partiu relativamente cedo
Eles vão ver o seu sucesso na música?
Não, o meu pai já não assistiu
Assistiu à minha carreira inicial
Dos grupos de bala e tudo isso
Mas quando eu passa a ser
Vai lá uma figura mais reconhecida
Publicamente, ele já não
Provavelmente até gostaria
Porque ele era um fã da música
E provavelmente ele teria gostado
Da alguma forma a carreira que eu tenho percorrido
Ao longo da vida, na companhia da música
A sensação de impotência
Quando acontece uma coisa dessas com um pai
Essencialmente o que nós nos questionamos
É por que?
Por que é que deve ser assim?
Quando nós partimos de uma forma natural
E passo o pilonagem, é natural
Agora quando nós precipitamos
Que a nossa vida tem que acabar ali
E tem que adesipar a partida
É o porquê? Porque é razão?
Por que é que deve ser assim?
O que é que o suicídio ensina
As pessoas que ficam?
Ficam, de facto, a sofrer bastante
Ficam a sofrer bastante
Com a perda dos seus queridos
Talvez isso seja um ensinamento
É que as pessoas, de facto, não sejam elevadas
A fazer o mesmo tipo de ação
Estou a se dizer
Que os que partem
Querem que os que estão cá
Que vivam bem, não sei se sabem isto
Mas sou completamente impotente
Para mudar qualquer coisa
Que fosse da minha trajetória de vida
Ou da trajetória dos meus familiares
Portanto, eu tenho que seguir a minha vida
Gosto essencialmente muito de mim
Ter um ar bem disposto
Às vezes até me dizem que tenho uma certa loucura bem disposta
Acho que acabo de ter uma vida feliz
Consigo ser feliz
Consigo, de alguma forma, ultrapassar
Algumas contingências bem duras
Que me apareceram na vida
E penso sempre às pessoas que não conhecem bem a minha história
Vemos sempre com um ar bem disposto
Um ar alegre
Talvez seja esta força que eu tenho interiormente
Aprendi a viver um pouco sozinho
Uma alta ao defender
Também começa a trabalhar relativamente cedo
Começa a trabalhar aos 16 anos
Enquanto que na altura era normal as crianças
Quando começavam a trabalhar
Acabavam por entregar
Toda amizade em casa
Meu pai fez um contrato miquidismo
Olha, tu ganhares é teu
Aprende a gerir o que ganhas
Tens aqui uma casa onde comes e bebes
E dormes
E talvez a força viesse toda essa liberdade
Que eu tive para aprender a viver
Porque eu tenho esta força para poder ultrapassar
Com uma certa facilidade
Entre as duas obstáculos
Que tenho tido na minha vida
Eu gosto demasiado de viver
E de estar bem
E de estar com os amigos, de beber um escopo
Visita a música e gosto de futebol
E este ano fui campeão
Desculpa, os estrelas, porque eu estou lá em casa
Que não sou bifiquista, mas eu sou bifiquista
São essas coisas da vida
Agora, coisas menos boas
Eu não me consigo emocionar
E tenho muitas vezes até dificuldade
Em ficar constrangido
Com qualquer coisa de marca que aconteça
Que dices assim
Isso aconteceu, aconteceu
Desvalorizo completamente as coisas menos boas
Que acontecem, talvez por ter vivido
Também já coisas menos boas
Já secaram os lágrimas? Já secaram, já não há mais
Já não há mais
Eu, nesse dia, chorei tanto
Que acho que nunca mais consegui chorar
Quando é que a música começa a fazer sentido
Como carreira?
A música aparece em terminar a altura
Em que eu tinha grupos de bala
Estava aqui em casamento, dessas coisas?
Fazíamos essas casadas todas
E depois tive o provilejo de conhecer
Um grupo de vanguarda que existia
Da música portuguesa, que era o 111
Eles vão fazer um concerto em Lóres
Depois eles decidem, naquela forma
Ainda hoje, zoberando de estar e ser
E ainda bem que ele é assim
Convidar a alguém que havia de cantar
Eu, logicamente, numa oficina
Estava com os amigos, os amigos empurraram
O cídeo ouviu me cantar, que estive-me ao ver cantar
Passado uns tempos, eu na altura estava ligado
Ai, em nível de lente de casar
Fizemos um EP, ainda era um vinyl
Com duas faixas de cada lado
E, portanto, aí começou a carreira
Mas depois fui interrompida pela tropa
Fiz a tropa aqui em Lisboa
Estava na Orquestra Liseira do Isércio
Como cantava e tocava
Depois tive uns anos, publicamente afastado da música
Não ia viver da música
Em viver da minha carreira académica
A música aparece, depois passado uns anos
Existia um concurso da canção de Lisboa
Na altura era feito para manter
Eu vou um amigo meu, que desafiou
Então vamos concorrer
Tanto isto foi em 88, 92
Quando gravo o meu primeiro longplay
Depois é 93 de um CD
Vou escrever música diferente daquela
Que estava habituada a cantar
Meças que é ver música mais popular
E, portanto, pode-se dizer que a partir dos anos 90
É quando eu, efetivamente,
Vou testar em pleno para a música
Porque até aí, com o Bachar
Tem contabilidade e administração
Era auditor de finanças
Era auditor, exatamente
E é uma coisa que eu gostava de fazer
E não era um trabalho chato, é?
É chato quando as pessoas se limitam
Mas a auditoria tem muito também de investigação
A altura, de qualquer coisa
Que tu penses que não está lá
Vamos a procurar isto aqui
É investigar coisas que na altura
Não nos aparecem ali à vista
Mas que poderão estar omitidas
Ou escondidas de qualquer forma
Você casou muito novo
Casei com 23 anos
Tinha maturidade para isso, para casar?
Tinha, porque eu vivi sempre muitos anos sozinho
Ainda estava na tropa quando eu casei
E senti com maturidade naquela altura
Então, são certas constancias de vida
Quando eu não era na música, teve um grupo de música
A música e a tropa, já nessa altura
Era um meio importante, em termos de apoio financeiro
Porque já na altura, com a música e com a tropa
Acho que eu vivia relativamente bem
Paixou os momentos que mais recorda
Com sua mulher e seus dois filhos
De festa, de aniversário
Nós tínhamos muito empatia
Era uma família muito feliz
Eu tinha muito orgulho dos meus filhos
Na comunicação, o meu filho
Estarias que formada em marketing e publicidade
Os meus filhos deram muito gozo
E nós tínhamos também uma população
Que não era propriamente uma relação de pai e filho
Era uma relação mais de amizade e de brincar
Porque eu nunca fui assim um pai rigoroso
Para com os meus filhos
Muitas vezes não é preciso nós nos estarmos em pôr
Se nós tivermos a capacidade
De as pessoas sentirem que há alguém que está acima de nós
E acho que os meus filhos, foi isso
Eles aprenderam a viver em casa
Com o respeito que tinham ter pelo pai e pela mãe
E acho que fomos
E ainda somos uma família feliz
Com o Gonçalo viveu momentos incríveis
O Gonçalo
O Gonçalo era uma estrela
Que ainda hoje me alumia
Era uma estrela que
Eu quando falo do meu Gonçalo
Eu falo sempre com alegria
Porque ele só me transmitiu
Coisas boas
O Gonçalo marcou-me muito na altura
Que foi
Foi um escalado grande
Na vida familiar
Mas ainda sinto
Uma grande falta do Gonçalo
Acho que foi uma injustiça grande da vida
Porque não era ele que
Queria partir
A vida assim o destinou
O dia 10 de agosto de 1998
Continua a ser hoje
É diferente
A questão do luto
Nós percebermos que as coisas foram
Mesmo assim
Mas eu gosto de celebrar
O aniversário do Gonçalo
O Gonçalo nasceu a 8 de maio
E enquanto eu for vivo
Todos os outros demais são para celebrar
Com amigos meus, com amigos de Gonçalo
O Gonçalo estará sempre presente no dia 8 de maio
É como se estivesse aqui a nossa volta
E com o sorriso que eu falo para o Gonçalo
Que ele era um menino muito bom
O Gonçalo tinha 20 anos
Foi de uma forma dramática
De mais, cedo de mais
Foi um acidente de ação
Foi um acidente de ação
Foi o único que acabou de ser cuspido
Logicamente é cuspido fora do carro
A velocidade que vai
Então é um traumatismo toláxico
E de facto que o voo o Gonçalo desta vida
Eu ia ter um espetáculo
Na zona da guarda
E estava em Sismbra
Vim para o Odivelas aonde hoje resido
E cheguei ao Odivelas, tive uma chamada
De dizer que tinha havido um acidente
E que o Gonçalo estaria no hospital
O assunto não seria muito grave
Aquela voz não me deixou
Completamente
Sei que passaram uns tempos
Depois voltam novamente a telefonar
A dar a notícia
E portanto eu queria fazer um espetáculo
Logicamente canselei logo tudo
E o mundo caiu ao chão
E isso aí foi de facto
Uma perda tremenda
É vida ser completamente
Quer ir aos nossos péssaros
Nós temos capacidade
De fazermos absolutamente nada
Foi o José que contou a sua mulher e a sua filha
Foi eu que fui contar
Quando eu cheguei a minha filha
E a mãe já estava à espera
Que a notícia não fosse
Não fosse uma notícia
Uma notícia agradável
O que é que nós podemos dizer
Especialmente a uma mãe que traz um filho no ventre
Durante nove meses
Não há palavras, o que há
É um sentir de injustiça
É um sentir
É achar que a vida
Foi cruel demais
Eu acho que não há mesmo palavras
Para nós descrevermos isto
E o Gonçalo
Na altura foi muito mal
Foi muito mal
E hoje continua a ser mal
Logicamente porque
Eu gostaria que o Gonçalo tivesse a guia
Ao pé de nós a falar com nós
As coisas são irreversíveis
Se calhar também temos que aprender
Com as coisas menos boas que a vida nos traz
E eu também já aprendi a viver
Com o vazio que o Gonçalo deixou
Mas de alguma forma é compensada
Pelos netos
É compensada pela minha forma
De estar na vida, pelos amigos
Mas isso perder um filho
É completamente contra a natura
Que o Gonçalo partiu
A gente culpabiliza-se um pouco
Se calhar se eu tivesse feito isto
Ou tivesse feito aquilo
Podia ter alterado o percurso de vida
Mas as coisas acontecem
E se ele tivesse cá
Provavelmente eu gostaria que eu tivesse bem
Não estivesse sempre a chorar
Por falta dele
Não estou sempre a chorar
Mas
É um especial para o Gonçalo
Foi uma injustiça tremenda
Não foi para nós ficarmos calmos
Mas foi para ele que tinha 20 anos
Que estava a começar a viver
Que estava a começar a ser um homem
E partir da forma como ele partiu
É muito duro
Precisou de ir ao local
Na altura não, mas depois sim
Fui ao local e achei até curiosamente
O local só por si não era
Propícia que tivesse acontecido aquilo que aconteceu
Mas as coisas aconteceram
E pronto
Fala com o condutor de servidor
Fala
A mãe do Gonçalo e a irmã
Na altura, logicamente
Ficaram extremamente
Agressivas para com o amigo do Gonçalo
Eu era o único que falava com ele
Não podia apundar uma pistola
Dizia que ele tinha de alguma forma
Contribuído para que o Gonçalo
Tivesse partido
Mas acrenhava-o
Porque o miúdo parecia também ao pé de mim
Também sempre a chorar
Vamos a ter
Alguns almoços de falar
E do apoiar
Falar-te que?
Falar do Gonçalo
E o amigo dele
Também sempre a lamentar
Nessas alturas
Era mais o meu conforto
Para com o amigo dele
E eram amigos muito especiais
E acredito que ele tivesse também
Ficado extremamente
Doente por ter contribuído
O amigo tivesse partido
Quanto tempo depois
É que as lagrimas se tocaram?
No próprio dia
Eu nesse dia chorei tanto
Chorei tanto
Que acho que nunca mais consegui chorar
Nunca mais consegui chorar
É um vazio que nunca se columada?
Não
Não, é o espaço do Gonçalo
Está sempre cá
Eu coloquei sempre o espaço do Gonçalo
Como um espaço de triunfo
De glória
Porque tinha a certeza absoluta
Que o Gonçalo ia ser um miúdo de sucesso
Assim como a irmã neste momento
É uma menina de sucesso
Uma menina, uma mulher já com 40 delantes
E o Gonçalo também teria com certeza
E acho que por isso tudo
Por aquilo que ele perdeu essencialmente
E ele é que perdeu a vida
Nós estamos cá
Ao menos bem
Vamos ultrapassar as coisas
Logicamente que a minha vida mudou completamente
Meu relacionamento familiar
Porque
O pai
Que sou eu, ultrapasso
Tento ultrapassar
De uma determinada forma
A mãe tem outro tipo de comportamento
É sempre complicado
Depois as relações acabam sempre por...
Ver um avalo, não é?
Um avalo, um avalo tremendo
E por vezes são avales
Alguma coisa que o Gonçalo
Lhe tenha dito
Que nunca tenha esquecido
Ele não disse mas escreveu
Tenho lá uma fotografia dele
O Gonçalo curiosamente
Gostava muito de futebol e deixou-me lá escrito
Se nós formos campeões
Quero que tu me compres uma bola
Isso está lá numa fotografia
Que eu leio e relei
Dezenas e dezenas de vezes
Mas há uma coisa a seguir com o Gonçalo
O Gonçalo onde já tinha 20 anos
Com os amigos e com as amigas
E depois o perguntava
Vocês hoje vão beber um copo a um ano
Vamos até o sete
E eu, se tivesse possibilidade, apacia lá
Eu quando era amigo gostava de conviver com as pessoas
Com mais idade do que eu
E quando atingi de determinada
A partir do sarato 40 e tal anos 50 anos
Ainda hoje privilegi muito mais a juventude
Então tinha sempre ter com o Gonçalo
Eu acostumava de ter assim
Uma das coisas que o Gonçalo achava um pouco despobositado
Era apresentar o Gonçalo
Eu conheci o Gonçalo e ele dizia
O pai, não tens as mães para voar
Não conheças de mim, eu desconheço
Mas estou a apresentar
Olha, era a vida que eu tinha com o Gonçalo
E que eu gostaria de ter hoje com ele
E ele, se tivesse aqui ao pé de mim hoje
Era com certeza era a vida que ele gostaria de ter
O pai bem disposto, alegre
Ele se chamava, muitas vezes, amigão
Amigão
Amigão
Muitas vezes, amigão
A vida é feita
Não só de feliz, não só de cantigas
As cantigas, por vezes, são alegres, não é?
E bem dispostas, às vezes
Também há cantigas da nossa vida
Que não sabem aquilo que nós queríamos
Sabes bem
Não quer
Sabes bem, nunca te esqueço
Traga-te sempre ao pé de mim
É evidente que sim, o Gonçalo
Onde quero que esteja, está sempre comigo
Estará sempre
Traga-te sempre
Eu sempre canto da música
Para mim é uma forma de alugar
Positivo com o Gonçalo
Não me sinto nada constrangido
Muitas vezes eu canto nos meus espetáculos
Depois depende muito da circunstância
Do ambiente, ser mais intimista
Ou menos intimista
Às vezes dá-me vontade de cantar
E canto, e geralmente quando canto
Essa música que eu fiz com o Gonçalo
É com certeza sempre a música mais aplaudida
Ainda por cima é uma música que eu acho que é bonito
Mais
É uma das músicas mais bonitas que eu construí
Há muita gente que também se retrata nessa cantiga
Porque o perder um filho
Não me pecou só a mim, toca muita gente
E eu quando canto essa música
Canto-a sempre com sorriso nos lábios
A lembrar-me daquilo que o Gonçalo era
E daquilo que ele seria
Canto sempre com um lado positivo
E quando as pessoas, alguma de elas
Estão na plateia a ouvir e provavelmente a chorar
Eu estou a cantar bem, sinto bem disposto
Quase fazendo de conta que estou a falar para o Gonçalo
Tare a cantar a cantiga do Gonçalo
Que era aquilo que era o Gonçalo
A alegria que ele tinha, a forma de viver
Que ele tinha, como ele gostava da vida
O teu sorriso trazia tanta alegria
O teu sorriso trazia tanta alegria, verdade
Era a luz do meu dia
O que é que ficou por dizer ao Gonçalo?
Dizer, olha, Gonçalo, parabéns
Porque tu és um jovem que tivesse sucesso na vida
Teriam fastos
E és aquilo que eu esperava de ti
Pronto, ele era um miúdo brilhante
É o que se calhar
O que ficou de dizer
Dar-lhe um abraço
Um abraço bem forte como nós fazíamos
E ele chamava-me amigão
Ah, meu amigão
E provavelmente teríamos usufruído
Momentos felizes
Se calhar inimagináveis
Que nós não vivemos
Falta-lhe dizer o obrigado por ele ter existido
Por ele ter dado tantos momentos de felicidade
Infelizmente não pôde dar tantos
Quantos eu queria
E quantos ele mercia
Mas a vida não quis
Não quis que o Gonçalo
Partilhasse mais anos de vida com o pai
O que eu posso dizer
É que sinto orgulho dos filhos
Que tem tanto do Gonçalo
Como da Catarina
Há algum conselho que se leva a dar aos pais
Que perderam filhos
Que os depolucionos de munha acham que deve dizer a essas pessoas
É que a vida não acabou
E nós estamos cá
E temos que aprender a viver com aquilo que temos
E tentar ser feliz
Porque senão de facto a vida não faz sentido
Eu sei que perder um filho
É dramático
Eu sei que perder um filho
É coisa mais contra a natura
Que existe no mundo
Não é fácil
Não faz sentido nós vivermos
Só por viver e andarmos a arrastar
Ou temos que ter uma certa capacidade
Para criarmos amizades
Para gostarmos dos nossos netos
Para gostarmos da nossa família
Dos nossos amigos
Isso é uma forma também de homenagear
O que eles que partiram
É de fazermos uma vida
Uma vida que ao fim e ao cabo
Se eles tivessem cá gostariam que fosse a vida
Que nós tivéssemos lá
A música foi uma salvação
A música foi
E se de facto tinha dúvidas
Queria fazer alguma coisa na música
Eu senti que a música
Enquanto nós estamos a cantar
Enquanto estamos com o público
Estamos libertos
E é uma sensação
Em que de facto as pessoas
Me estão a apoiar
Que quase esquecemos a tristeza
Que nos envolve que é perder um filho
Ai meu amor
Você acredita em meiasinhas
Chegada dos netos ajudou a trazer alegria
A casa
Vamos ver, os netos não substituímos
Eu os fiz, não sei se será ser pai outra vez
Mas é uma forma diferente
Eu sempre tive paciência para os meus filhos
E tive sempre uma relação muito boa
Mas com os meus netos tenho uma relação ótima
Vocês fazem o que querem do avô?
Ah sim, quase
Querem do meio
Temos uma boa relação
Às vezes até nem os chamavam
No lugar público
Eles vêm atrás de mim e chamam o avô
E eu disse, não chamam-me avô
Chamam-me primo, se não avô já estou muito bem
E os netos pedem ajuda
Em ciências e matemática
Eu ouvi dizer que era craque
Curiosamente, eu penso que
Nesta área da matemática agora
As coisas são completamente diferentes
O moné tem 16 anos
Eu, o filho matabuada
Na escola era craque
Porque conseguia duro decorar aquela história
Porque tinha aquela ladainha
Da tabuada e era fácil
Eu era boato e uma luna matemática
Este meu neto Rodrigo tenho orgulho
E sinto orgulho quando ele me vem
Dizem, ai que fico tanto
E tal e qualquer coisa de gênesis
E já cantam as músicas?
A miúda que temos há nove anos já canta
Já canta bem em muitas músicas
E diz o que gosta
E vê os programas, somente os programas de televisão
Onde nós a passemos
É uma fã incondicional
O que gosta da outra
O que fica a vencer vencer é obrigatório
Ah, isso é obrigatório
Eles cantarem, eles cantarem
O que fica a vencer vencer
É um índio que nós fizemos para o Benfica
Há 30 anos e há uma música que eles cantam
E a minha neta que está na Faculdade de Espanha
Mostrou lá para os colegas dela
Ah, é tua abor, cantando também fica
E para ela foi um orgulho
Os amigos lá espanhóis
Terem uma colega que o voo é cantante
Caio em Portugal e que simultaneamente
Que canta uma música que passa
No estado do Benfica
E para mim também é um provilégio
Como Benfica é esta que sou
Que a minha música passe no estado
Que tenha também a capa do CD no museu
É o lado bastante gratificante
E positivo da vida também
É isso
É o Zé que escreve as suas músicas
Sim, nas letras
Tenho dois outros amigos que me ajudam
Por exemplo, o Benfica é vencer vencer
A letra como a música
A música que fiz para o Gonçalo também é a minha
Já ganhou duas marças de Lisboa também
Quando passado ganhei a grande marça de Lisboa
Com o título a Mália e a Lisboa
Minha aparição pela primeira vez em televisão
Foi em 1971, só vou errar
Onde, de facto, a Mália Rodrigues
Também participou nesse programa
E eu conheci a Mália na altura
Não valendo nenhum trabalho e deram menino com 19 anos
E quais são as suas músicas obrigatórias
De cantar nos concedos
Porque as tuas não o deixam sair de lá sem cantar
Amor proibido, por exemplo
O meu querido mês de agosto
Foi um sucesso, tanta letra como a música é a minha
Sinceramente, se me perguntarem
Se eu gosto particularmente do mês de agosto
Eu digo que tenho um ano de canções
Que costa mais do que o mês de agosto
Mas o mês de agosto, por isto, é o que ocorre aquilo
É a música que continua a ser um ícano
É uma música que eu escrevi em 1992
Já passam 30 anos de outra agenda
Mais recentemente, tenho 2 ou 3
Amor com amor se paga, a brasa
São músicas que eu não deixo de cantar nos meus espectadores
Que homem seria hoje ter música?
Eu não sabia bem o que é que havia de fazer à minha vida
Porque praticamente posso dizer que
A vida que vivo, 60% a 70%
É a música, muitas vezes me pergunto
Mas quando é que deixas de cantar?
Eu já tenho 70 anos
Eu acho que estou a me dizer assim
Eu já tenho idade para ter juízo
Muitas vezes até acabo por
Não será bem recusar os espetáculos
Mas... Já não vai a todas
Olha aí, Daniel
200%
Já não vou a todas
Às vezes estou a descansar porque também preciso descansar
Mas eu sem a música
Não me estou a viver sem música
Porque a música faz parte de mim
O meu filho dizia isso
O meu filho Gonçalo dizia
Que eu sou qualquer lado
Mas eu gosto de cantar
Especialmente na altura em que apareceram as rádios locais
Na altura era o grande divulgador
Da música ligeira
Quando eles, porventura, faziam uma festa qualquer
E logicamente o caixi aí nas festas
Era o custo da viagem e comer o
Petisco lá, o ititar com os amigos
Era uma forma de estar e também de agradecer
A forma como era divulgado a música
Através das rádios locais
Ela custava
Alguém lhe deve um pedido de desculpas?
Acho que não
Eu se tivesse que ter feito um autorretrato
Eu dizia que voluntariamente
Nunca fiz mal a ninguém
E alguém assim?
Alguém, sabe que eu também perdoa facilmente
O melhor que a gente tem é esquecer
Talvez isso contribui para aquilo que sou
As coisas que não me agradam
Eu esqueço-as de uma forma fácil
Eu faço por ter amigos
Com quem eu saiba que posso contar
E sinceramente, pronto, quando há coisas
Menos boas, eu tento esquecê-las
O que é que espera do futuro?
Continuar a viver a vida como estou a viver
Eu ainda faço algum desporto
Ainda faço alguma corrida
Ainda já algum bocadinho ao futebol
Se há alguém que mande neste mundo
O que eu peço é que me conserve
Físicamente assim, peço saúde
Essencialmente para a minha família
Peço que alguém me conserve
Com o estado de espírito que eu tenho
Com a saúde que eu tenho
Logicamente, a saúde também se vai
Que vai se degradando a pouco e pouco
Eu sei que um dia
Nós vamos ter que partir
Gostaria de partir com calma
Sim, sei lá
Deitar-me e depois, no outro dia
Já não acordar
Porque, a mim, uma coisa que me preocupa
Em termos de vida
Essa porventura me acontece
Alguma circunstância de saúde menos boa
Em que eu possa ficar dependendo de seres
E, para mim, seria um drama muito complicado
Eu estar dependendo de alguém
Ou não poder mexer para ir aqui ou ao colar
Aprendi isso em menino
Continua a gostar de ir ali e colar
Quando me apetece
E andar sempre a cabeça bem alta
E com alguma dignidade
E andar bem disposto
É possível, na sua vida, restituir
Uma ideia de felicidade
É possível, em determinados momentos
Sentir-se feliz
Eu consigo dizer que sou feliz
Apesar de todos os percalços que tive na minha vida
Neste momento, sou feliz
Eu sei que perdi o meu filho
Eu aprendi a ser feliz, feio o Gonçal
Embora sim, está a falta do Gonçal
Não fazia sentido nenhum andar cá
Ao sabor da corrente, o Deus dará
Eu aprendi a ser feliz, há minha maneira
Há músicas, dombra, bastante
A conversa com vosco, ir às televisões
Ou ir às festas, ir aos espetáculos
Eu não posso ir fazer um espetáculo
E estar triste, e, portanto, aprendi a ser feliz
E, hoje, sou feliz
O que dizem, seus olhos
Estou feliz, hoje, desta conversa
Vávamos lá em casa, viram que os meus olhos
São felizes, mas, às vezes, têm uma certa
Melancolia
Não é aquela felicidade extrema, extrema
Mas estou feliz de ter tido
Esta conversa contiga aqui
Estou feliz de ter tido
A conversa com as pessoas que estão
Lá em casa, e eu sei que
A nossa conversa não foi uma conversa fácil
Mas espero que tenha sido
Sucentemente
Sucentemente transparente
Para transmitir
Aquilo que eu sinto
Os meus olhos se rendem de felicidade
E, embora, por vez sejam moncólicos
Obrigado, Daniel
Agora é que foi ao fundo
Esta perda não foi
Tocou muito
Obrigado
Foi foi
Veio mesmo estar no fundo
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Grande entrevista de Daniel Oliveira ao músico José Reza. São mais de 30 anos de carreira e uma vida pautada pela tragédia. Tanto o pai, como o irmão, cometeram suicídio. Não há ensinamentos a tirar, talvez o único seja que “as pessoas que cá ficam sofrem bastante”. José Reza teve de seguir como pôde. “Sou completamente impotente para mudar a minha trajetória de vida ou a dos meus familiares, portanto tenho de seguir. Consigo ser feliz, gosto demasiado de viver”. Oiça o podcast
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