Alta Definição: Iran Costa: “Uma vez acordei a chorar com as pontas dos dedos do pé em ferida. Eram ratos”

Joana Beleza Joana Beleza 6/17/23 - Episode Page - 46m - PDF Transcript

E aí, bicho?

E aí?

É o bicho, é o bicho, vou te devorar, cocô de lençô.

Bem-vindo, Irã.

Obrigado.

Quase 30 anos disto, né?

Eu ouvir todos os dias disto.

É verdade.

Em qualquer lugar onde eu vou, chegou o bicho.

Agora mesmo eu tava no café, antes de ir pra cá, tava lá uma senhora, já de idade,

lá no cantinho, e quando eu levantei pra ir embora, é o senhor do bicho.

É o bicho em pessoa.

É o bicho, é o bicho, vou te devorar, cocô de lençô.

Irã Costa.

Estou como sou, com alta definição.

É o bicho, é o bicho, vou te devorar, cocô de lençô.

Na verdade, eu me sinto assim, o bicho de estimação dos portugueses, né?

Fui recebido com tanto carinho, e sinto isso com uma resposta de carinho do meu público.

Uma vez eu acordei assim chorando, e eu falava, mamãe,

por que que as pontas dos meus dedos do pé estão feridas, assim, parecia ruídas?

Eram ratos.

Gosto de estar com meus amigos.

Gosto de brincar, de conversar, de contar histórias.

Gosto de comer.

Eu não perco por nada uma boa pizza, uma boa lasanha.

Que música é que marca a tua infância?

Eu ouvia muito rádio.

Minha mãe ouvia as novelas de rádio,

eu tinha curiosidade de querer entrar naquela caixinha e descobrir,

mas que mundo é esse?

Como é que eles estão ali dentro?

Como é que eles estão cantando lá dentro, né?

Minha infância é muito dura.

Foi difícil.

Eu venho de uma família muito simples, uma família humilde.

De todos os irmãos, tanto da parte do meu pai, quanto da parte da minha mãe,

nós éramos os irmãos da minha mãe,

tanto da parte do meu pai, quanto da parte da minha mãe,

nós éramos os mais simples, os mais pobres, né?

Então a gente teve que batalhar muito nos meus pais,

deram melhor para os seus filhos.

Eles queriam que a gente crescesse,

que a gente tivesse uma vida melhor do que aquelas que eles estavam vivendo na odia.

O que que era mais difícil?

A gente vê o coleguinha brincando com brinquedos,

que não eram artesanais, que não eram feitos de madeira

ou de tampas, de lata, de leite,

que era o que eu brincava, meu pai fazia esses brinquedos para mim, né?

Eu queria ter aqueles instrumentos eletrônicos, piano, os órgãos, os teclados,

ouvir o som como eles soam nas músicas, e eu não tinha isso.

Aí eu vi os meus colegas, eu queria,

ah, mas era muito caro, era difícil,

e aí a gente ficava naquela, né, brincando com papai,

brincava mais com o pai.

Até chegar na fase adulta, a gente passou momentos muito complicados,

quando a gente teve que deixar a nossa cidadezinha.

Porto Franco, né?

Porto Franco, para melhorar financeiramente,

para meus pais terem condições de educar os filhos,

pagar os estudos, foi difícil.

A gente foi com uma cidade grande,

eram os três irmãos,

meu pai ficou no Porto Franco trabalhando, era fotógrafo,

essa transição levou dez anos até ele chegar.

Então eu passei aquela fase toda ali com a minha mãe,

ela foi pai, foi mãe, foi tudo para mim.

Tive que começar a trabalhar,

meu primeiro trabalho foi com 11 anos.

Eu ia vender jornal nas esquinas, para os carros,

tinha que estar lá 5 da manhã para pegar o jornal,

colocar debaixo do braço, ficar nos sinais,

esperando parar para ele oferecer o jornal.

Para ganhar quanto?

Para ganhar pouco, pouco, muito pouco.

Às vezes, dava para o meu duze de pães.

Eu não gostava muito, porque eu sou muito tímido,

eu chegava no local, os meninos brigavam comigo,

esse local é meu, tem que sair daqui,

vai para outro local, para o sinal,

e eu voltava chorando muitas vezes para casa,

eu falava, mamãe, eu não quero isso.

Ela não me obrigava,

mas eu queria ajudar de alguma forma.

Desde pequeno, eu sempre quis ajudar,

atirar eles daquela situação.

Havia espaço para os pais terem conversas com os filhos,

explicar as condições em que viviam,

ou a vida tinha que correr?

A vida corria e a gente ia descobrindo no dia a dia,

porque a preocupação deles,

eu acho que era apagar um pouco aquilo,

amenizar tipo, não vamos falar sobre isso,

nós vamos falar dos sonhos, da carreira, da escola,

da educação, do que você vai ser quando crescer.

Não havia aquela coisa de justificar o que era aquilo.

Eles passavam o amor mais puro,

até porque minha mãe também foi trabalhar,

sofreu também bastante com isso,

de ter que voltar para casa, trazer a comida para a gente,

foi empregada no México,

muitas vezes trazia o que sobrava

de comida dos patrões para a gente,

da sua forma, queria dar o melhor para a gente.

Em condições fosse, nunca faltaria comida para a gente?

Não podia faltar, exatamente.

Mesmo, a gente morando numa casinha bem simples.

Como é que era a casa? Leva-nos até lá.

Era em Goiânia, né?

Nós saímos de Porto Franco e fomos para Goiânia,

mil e tal quilômetros de distância, né?

Era um barracão, tinha um quarto, uma sala,

uma cozinha, um banheiro pequenito,

não tinha teto falso, era só mesmo telhas,

uma vez eu acordei assim chorando e eu falava,

mamãe, o que que as pontas dos meus dedos do pé

estão feridas, assim, parecia ruídas,

eram ratos?

Era muito duro.

Era muito duro.

Ela não dizia, né?

Mas eu era curioso, eu via tudo, observava tudo, né?

Eu acho que aqueles momentos ali,

eles foram assim,

para mim que era uma criança de 11 anos,

o maior impulso para eu querer ter alguma coisa.

E aí eu fui me alimentando,

com aquele desejo de estudar, de crescer,

até que fui para uma instituição de menores,

estudava, passava o dia todo e depois voltava para casa.

A gente fazia algumas formações,

tipo como empacotar no supermercado, no caixa,

como atender telefone,

aquelas coisas para aquelas crianças carência,

era uma associação chamada Dom Bosco,

você entrava lá com 14 anos e aos 18 tinha que sair

para ser de um lugar para uma outra criança.

Eles falavam, não, você é muito inteligente,

muito curioso e tal.

Eu não fui trabalhar no supermercado,

eu fui trabalhar em uma imobiliária,

era muito longe da minha casa, tinha que atravessar a cidade inteira,

falando uma cidade de 1 milhão de habitantes,

tinha que pegar o autocarro e tudo.

O que que eu fazia?

Eu ia a pé e voltava a pé.

Eu saia horas antes, eu voltava horas depois.

Por que que eu fazia isso?

Para juntar o dinheiro do autocarro,

para comprar um curso de inglês,

a gente comprava os fascículos,

as servistas na banca toda semana e tinha uma cassete.

Então eu comprava aquilo para colecionar e eu aprender.

E eu nunca contava isso para minha mãe,

eu chegava e eu falei, você já transou?

Não, eu vim devagar e tal.

E fui aprendendo sozinho.

E eu queria crescer, eu queria aprender.

Meu negócio é estudar.

Fiz esse tal curso e quando eu saí de lá,

completei os 18 anos,

aí veio aquela fase da documentação,

você tem que ter o serviço militar,

essa coisa toda para você poder ter um emprego melhor.

A tal imobiliária que eu trabalhava,

eles gostavam tanto de mim,

não, você vai continuar com a gente.

Só que a imobiliária faliu

e nessa época minha irmã já casada,

estava numa outra cidade

e me chamou, meu irmão, vem para cá,

a gente consegue um trabalho para você aqui.

E eu fui para lá e fui trabalhar no banco.

O meu desejo era ir para a rádio,

fui aprender inglês para falar o nome das músicas.

E aí ficou de lá daquele sonho,

eu falei, bom, então vamos trabalhar no banco,

eu era aquele empregado exemplar.

Sempre chegava antes da hora

e saía sempre depois da hora.

Até que um dia fui promovido,

passado os nove meses,

fui fazer uma formação para trabalhar no caixa.

Passado nove meses fui fazer uma formação

para ser supervisor de caixa

e ali eu ia crescendo.

E sempre ajudando a minha mãe, que ficou lá longe.

Um belo dia estava lá no caixa

e vem o senhor

trazer uma documentação

de uma emissora de rádio.

Eu não conheci, eu não sabia que rádio era aquela

e eu perguntei, olha, desculpa, essa rádio,

eu não conheço, é uma rádio nova

aqui, porque você conhece alguém

que trabalha em rádio?

Eu, euzinho, né?

Aqui meu cartão

é Del Somor, que era um grande nome

do rádio no Brasil, ele vem fazer o teste

e você vai lá fazer o teste com a gente.

Eu fiquei maluco com aquela

ideia, fui para casa e voltei de novo

a ouvir rádio, a gravar,

eu como glocutor, fazia as gravações

e tal. Naquela altura nos 90,

os glocutores tinha aquela voz padrão,

aquela voz bonita.

A gente tinha aquela voz normal e tal.

Quando eu fui fazer o teste, eu entrei,

eu estava muito nervoso, nem consegui

postar a voz. Primeiro porque era uma figura

famosíssima que estava ali na frente, né?

E eu falei, meu Deus, será que vai acontecer

aqui? E eu falei, olha, fica a vontade.

Faz conta que você está numa rádio,

que é sucesso e você vai ler o texto

e eu entrei. Oi, oi, oi, oi!

Eu sou o Iran Costa, vou ficar com vocês aqui.

Vem comigo nessa viagem, o programa está

começando agora, vem participar comigo, liga

para cá, vamos ouvir música, vamos saber

mais do mundo e vamos nessa viagem.

Eu esqueci do texto. Aí eu saí

do estúdio e ele falou, quanto é que você

quer ganhar? Eu falei, primeiro eu quero saber

se eu fui aprovado. Eu falei, você nem leu

o texto e eu fiquei assim, posso voltar lá.

Não, você já é um dos nossos. Você nasceu

para comunicação. Aí eu tive que alpeitar,

deixar o banco, que era um trabalho que eu

tinha uma certa garantia e fui para a

rádio numa aventura. Mas era aquilo

que eu queria. Foi a minha primeira rádio.

Rádio Oriente de Redenção no Pará.

Gosto de música, adoro ouvir música.

A música me acalma, gosto de viajar.

Eu gosto de descobrir

países, esculturas,

gosto de pessoas, fazer amizades,

conhecer.

Você diz que

dos seus pais herdais tem educação.

Era uma educação com regras.

Com priorários, estudar bastante.

Meu filho, se você não estudar, não tem como

crescer. Então deixa a brincadeira de lado

e vamos nos dedicar o nosso

ao estudo. A preocupação deles era

de tudo para crescer. Você é alguém na vida.

Você é ele daquela condição, né?

Exatamente. Eu queria trabalhar, eu queria ajudar,

eu queria sair dali. Eu queria

ter mesa farta, eu queria que minha mãe

tivesse roupas bonitas, que meu pai

viesse logo para perto da gente.

Eu nunca perguntava porque que ele não vem, porque

eu já tinha nossa... Eu sabia que ele estava trabalhando.

Ele dava um apoio de longe, né?

Não havia telefone, não havia

vídeo chamado, mas havia um cartas,

muitas cartas.

Toda semana eu quase estava esperando

para receber uma carta

e o papai te ama, e aí

me apegava nas fotos. Não tinha muitas fotos

apesar dele ser fotógrafo.

Quanto tempo é que ficaste sem ver o teu pai?

Dez anos. Dez anos?

Dez anos.

Mais anos.

Mas assim, o nosso amor era muito grande.

Eu não passei esse tempo ao lado dele,

mas ele

nunca deixou de nos dar

atenção. Trabalhando longe, ajudar

na manutenção da casa do que a gente precisasse.

Como é que foi o reencontro?

Foi lindo, foi bom, e eu só queria brincar,

né? Eu já quase com os meus 18 anos

parecia uma criança, né? Tanto que o meu pai

ele sempre me tratou como uma criança.

Mesmo depois de adulto,

mesmo depois de tantos anos já

até nos seus últimos momentos

eu era o filhinho, ele falava comigo

oh, meu PT, meu irangim,

vem cá no colho do meu papai. Algumas

vezes eu me sentia meio incomodado,

meu Deus que eu vou fazer, mas era

tão bom sentir as mãos do meu

pai.

Era tão bom.

Era tão bom.

As mãos sofridas.

Calejadas, né?

Porque depois ele foi trabalhar no garimpo

e aí ele sofreu muito

nessa fase.

Dá pra ter saudade de alguma coisa

desse tempo? Tem saudade de tudo.

Até dos momentos, não muito bons,

até daquela mordidinha

dos ratos no dedo

do pé, porque tudo isso

somou.

Tudo isso contribuiu pra eu ser o que eu sou hoje.

Foi a licerce

pra construir o iran,

a pessoa que eu sou hoje.

Nós vamos enxergando a vida de formas

diferentes, né? Por exemplo,

a gente é nova, a gente tem medo da morte.

Morrer quando tiver velho e não ser que

você nem pensa nisso.

Aí você começa a perder seus antes queridos,

os seus amigos

e chega um ponto que você

começa a entender que a vida é assim.

E dessa história há coisas que tu também

guardaste em gavetas pra não voltar lá

por trinduras? Tem.

Todos nós temos um cantinho aqui, né?

No nosso coração. Eu acho que o meu coração

é gigante, ele cabe muita coisa,

cabe muita gente, mas

que apesar de hoje em dia a gente dizer

que a nossa vida é uma rede social

aberta, mas não é.

Nós temos o nosso cantinho,

as nossas coisas que a gente não admite

nunca que ninguém toque.

Há coisas muito duras que tu nunca contaste a ninguém.

Ah.

Mesmo a minha irmã, que era unha

em carne comigo, né?

A minha irmã era tipo assim, o meu porto seguro.

Apesar de a gente estar longe, né?

Eu me apoiava muito na minha irmã.

Eu sempre telefonava, eu sempre falava com ela,

que a minha irmã seria mais adulta

e ter uma mentalidade mais aberta

e também acho que eu me parecia muito

com ela. Ela era muito lutadora.

Só tem uma coisa que eu não quero ser como ela.

Ela vivia mais a vida dos outros

pros outros. Ela esquecia dela muitas vezes.

Eu não quero esquecer de mim.

Então isso também eu aprendi

que é importante a gente ajudar,

mas tem que ter o amor

próprio, né? É o maior amor.

É o próprio. E muita gente esquece disso.

Eu não sei

porque

nos anos dela

eu era o primeiro

a ligar sempre.

Aí quando chega aquela data

não tem que dar o que ligar.

Gosto de ajudar, que eu puder fazer

por alguém, eu vou fazer com certeza.

Não gosto de falsidade.

Não gosto de camarão, de lulas,

odeio caracol.

Já provou?

Nem vou provar.

Teu gosto pela música já tinha

começado na infância.

Esse gosto pela música surgiu

quando eu trabalhava na rádio

e terei férias, vim conhecer a rádio

que se fazia na Europa, lá pelo final

dos anos 80. E levei muita música

da Europa pro Brasil pra passar nos

meus programas de rádio, né? E quando eu

regressei ao Brasil, recebi a visita

no estúdio de um artista que tava

procurando de compositores porque eles

tinham um álbum. Eu não sabia

qual era o estilo deles, eu só falei

olha, acabei de chegar da Europa, tenho

um material muito vasto e se vocês

fizeram, posso fazer uma versão

de um tema pra vocês? Tá bem,

fui pro estúdio, mostrei pra eles

e eles não quiserem o tema porque

não tinha nada a ver com o estilo.

Eles queriam, era tipo um rock-pop

e eu fiz um eletrônico, tipo

Pet Shop Boys, o que você ouvia na altura, né?

Eu gravei quatro músicas na altura

e mandei fabricar o disco de vinil.

Comecei a passar nos bailes, onde

eu trabalhava também como DJ. E lá eu falava

que a música era minha, né? Muita gente

perguntava, mas a música que eu gravei,

as pessoas telefonavam pras rádios,

no dia seguinte pedido pra ouvir a música

do Irã. Eu comecei a desconfiar que outro

sonho tava nascendo ali, que era

de ser cantor, que não estava nos meus

planos, né?

Um belo dia tava eu fazendo o meu

programa de rádio, a telefonista não foi

que eu mesmo atendeu os telefoneamos

pros discos pedidos. E atendo um telefonema

de uma pessoa que dizia assim,

queria falar com o Irã Costa, filé ele.

Irã Costa, tô aqui de férias,

em Fortaleza, comprei o teu disco,

tô vendo que é uma produção independente,

queria te convidar pra ir trabalhar em Portugal.

Eu fiquei, será que isso é verdade?

Não é em Portugal?

Eu nunca tinha pensado em sair.

Mas eu pensei assim, bom, no Brasil eu vou ficar

numa longa filha de espera pro sucesso.

E ao mesmo tempo, me fascinava a ideia

de descobrir

outros mundos, outras culturas, né?

Foi aí que eu fui, né? Despedi

da minha família e vim pra Portugal, né?

Tive uma reunião na vidisco e já assinei

o contrato, logo de cara. Não sabia de

nada, eu só queria ter o contrato.

Eu achava que era tudo, né? E não

era, porque não tava nada lá, não tinha

nenhuma exigência, não tinha nenhuma

condição, nada. Era gravar o disco,

vai trabalhar e divulgar.

O disco foi gravado em condições

muito precárias. A gente gravou

na varanda da casa meu amigo.

Desculpa, é claro lá, nem tudo são flores.

O primeiro ano foi muito

complicado, porque nós tivemos que pagar

tudo, casulina e pras rádios divulgar

e terminou o primeiro ano,

não funcionou. E eu fui morar

na casa de um amigo brasileiro também,

que era o que to de rádio, e ele disse

não, era eu, não consigo mais.

E eu não sei agora o que que eu vou fazer,

ainda faltam dois anos. Foi

quando o DJ Giba, que era amigo do

Edu Critinas, que hoje é produtor dos

anjos, e ele falou, não, Irã,

você vem morar comigo e a gente vai

atrás de batalhar e conseguir

gravar esse segundo disco. E eu fui

morar lá, né? Só que quando eu chego

lá, as condições eram muito

simples, né? Eu tive que dormir.

Primeiro foi em cima de uma toalha. A minha

estante, eu fiz com os tijolos que eu

peguei numa construção, numa obra ao lado.

Fiz uma estantesinha e tava ótimo

pra mim, né? Saiu o segundo disco.

Ainda foi pior. Porque um

belo dia me liga um colega

da editora e falou assim pra mim,

Irã, você leu, era um jornal

que falava sobre crimes

desgraças? Eu falei não, eu não costumo

comprar jornal, nem tinha condições de comprar

o jornal. Ah, mas tão falando de ti.

Juntei umas moedas e fui comprar o jornal.

Nesse jornal, havia um caderno cultural.

Aí eu abri e fui ler.

O título era

o lixo musical do Brasil.

Foi terrível, o balde de água

fria em cima de uma pessoa que tava

ali, que deixou pra trás a família,

os amigos, tudo

por um sonho, né?

Aí chorei, chorei pra caramba esse dia.

Foi quando

eu fui falar com o meu produtor

e ele falou, não, vamos gravar o disco.

Era o meu terceiro disco, era pra

cumprir o meu contrato de três anos

e eu decidi fazer um disco ao meu gosto.

Falei pro meu produtor, quero fazer

a música. É o tudo ou nada, né?

Ou seria um grande sucesso, ou seria um fracasso

e eu regressava com o meu país, né?

Voltava quietinho com a viola no saco.

Na verdade, a música do bicho, ela não ia entrar no disco.

Foi a última ser gravada. Foi a última.

O álbum estava fechado e eles pediram mais

dois temas e aí o meu empresário falou

primeiro, ah, eu tenho uma música lá

que vai explodir. E foi o que foi.

Feito tudo muito de repente

o sucesso do bicho foi tipo 30 dias

e eu fui do zero ao 100.

Então aquilo pra mim foi um tubilhão

de emoções, um tubilhão de aventuras

eu não sabia muito como lidar as coisas, né?

E daquela loucura desses 30 dias

o que é que teve na cabeça? Foi incrível.

As entrevistas, a curiosidade do público

como é que é esse, né?

Foi quando eu apareci na televisão

eu fui recebido com muito carinho.

E os tuos pais percebiam o que que estava a acontecer?

Eles se aperceberam quando passou uma notícia

lá na Globo. Michael Jackson brasileira

em Portugal. Depois terminou a reportagem

que comecei a ser de telefone da minha mãe

de todo mundo. Aí a gente viu na televisão

meu filho que está acontecendo, o que foi.

Minha mãe ficou radiante, né? Porque o sonho da minha mãe

era ser cantora. E ela, meu filho

eu estou tão feliz e aí foi muito lindo, né?

Eu vivi o sucesso a sério

de você ser idolatrado nas ruas

de você ser barrado

de você não poder colocar uma colher de comida

na boca porque tinha um monte de gente

em volta querendo falar contigo

tirar foto de da beijinho

as viagens, as entrevistas

os shows

Foi difícil existir as tentações

que o sucesso traz. Trouxe muitas

tentações mas eu acredito

que toda minha vida desde o começo

de eu ter o meu foco, o meu objetivo

eu nunca me deixei

levar por essas tentações.

Muita gente fala porque os artistas

é só diversão, é só mulheres, é drogas

eu não sei o que, eu nunca me deixei

levar por nada disso. Eu tinha

total confiança e certeza

do que eu queria. E você vê

que o Jesus tinha custado chegar ali, né?

Sabia que tinha custado, né? Então não podia

por um vacilo

deixar que nada daquilo fosse abaixo.

Gosto de subir

ao palco, de estar com o meu público

gosto de cantar, gosto de

passar a minha mensagem. Eu gosto de cantar

o bicho. Recebo uma energia

incrível.

Quantas vezes a cantaste o bicho

nesses 30 anos? Até hoje.

Olha, às vezes a pessoa pergunta

quantas vezes tocaste o bicho até hoje, né?

Eu falo gente, eu nunca

sou meio, não é? Mas muitas vezes

se eu fizer um show e não cantar o bicho

nem cachê tem pra ninguém, né?

Aquele videoclip marcou muito. Marcou

Ninguém conhecia a minha imagem e a música

já era tocada em todas as rádios

no país inteiro. Foi quando a gente

decidiu fazer o vídeo. Chegamos no estúdio

sem ideia nenhuma.

Eu preparei uns calções daqueles

largos, tipo os artistas da época

dos noventa, né? E na altura

quando eles estavam fazendo o teste

de luz e tal, ligaram a câmera

e eu vi uma imagem da ponte

e eu apareci gigante lá, né?

Eles estavam ajustando. Eu falei, olha, a ideia

é o bicho, o gigante, que vai andar

por alguns sítios de Lisboa. Não tinha nada

a ver aquele gigante com a letra da música.

E as criografias, tu sentes que chucavam

o Portugal mais tradicional ou não?

É o bicho, é o bicho. Vou te devorar.

Em 1995

era um escândalo.

Eu vi uma reportagem

uma vez de um padre se manifestando

como é que pode

a população aceitar um artista

que vai para a televisão com gestos

obscenos. E aquilo nosso era tudo

com pureias, era um trabalho, né?

A música chegou a todas as faixas

etárias, a todas as classes sociais.

Esse bicho conquistou todo mundo, né?

Consegui te juntar algum dinheiro

com esse sucesso? No primeiro ano

consegui realizar o grande

sonho que foi dar uma casa para a minha mãe.

Foi lindo.

Eu tirei ela daquela vida.

Eu falei, você vai deixar tudo, meu filho

quer a minha geladeira vermelha? Não.

Você vai ter tudo lá.

Tudo novo, tudo como você merece.

Eu terminei a turnê.

Cheguei a fazer três shows por dia.

Eu não consegui nem dormir direito, nem comer

porque não dava tempo. Aí a gente

foi para o Brasil no final do ano, né?

Porque eu fui fazer vários programas

de televisão também na época lá no Brasil.

Xuxa, Serginho Gróis,

eu fiz um monte de programas, né?

Então fiquei poucos dias, mas nesses dias que eu fiquei

foi muito bom partilhar com eles

contar alguns detalhes

do que foi e minha mãe super radiante,

super feliz. Ela via no Filha

a realização do sonho dela, né?

Nem a minha ficha tinha caído ainda.

Eu só comprei na nossa casa, andei

pesquisei com o meu irmão, com a minha irmã

e a gente comprou um apartamento e tal.

O que é que sentiste nos olhos dela?

Eu sempre vi a felicidade nos olhos da minha mãe

e em todos os momentos da minha vida.

Mesmo nos mais difíceis.

Ela passava amor.

Ela vibrava porque era o artista, porque era

o cantor, a realização do sonho.

Não era pela casa, pelas conquistas, era

alguém. Ela queria que a gente fosse alguém.

O que que ela te disse que tu nunca esqueceu?

Eu me lembro

de uma coisa que meu pai disse, né?

Que serve para os dois.

Pai e mãe, não é?

Meu filho, aconteça o que acontecer

suba no palco

e nunca deixe de cantar.

Onde a gente estiver, a gente estar vendo

a gente estar te apoiando.

Tanto que quando perdi

minha irmã e perdi o meu pai

eu tive concerto nesses dias.

Eu tive que subir no palco.

Eu cantei.

Eu fiz o show para eles também.

Eu não podia decepcioná-los, né?

Eu sou muito

católico.

Eu acredito

nesse amor,

nessa coisa que é para sempre, que é eterno.

Essa energia boa.

E eu sabia que eles estavam lá.

Foi muito duro, né?

É muito difícil você subir no palco sabendo

que perdeu

e ama tanto.

E também eu não podia partilhar esse momento

porque todo mundo que estava ali estava

espera de alegria.

Eu tive que

engolir

e doer muito para descer.

Mas eu consegui.

Tu estava em Portugal?

Em Portugal. Como é que te deram uma notícia?

Foi a minha sobrinha.

Quando foi

a minha irmã, eu estava indo para uma entrevista de rádio

logo de manhã cedinho, que eu ia lançar um disco novo

descido o carro.

Já havia uma chamada dela e ela não costumava ligar naquele horário.

E eu liguei de volta

quando ela me deu a notícia.

Ela estava já com problema de saúde

há uns dois anos.

Mas você sabe que a gente tem sempre aquela

esperança, né? A gente tem fé.

Um dia as coisas dão a volta

e a gente vai conseguir vencer.

Mas ela infelizmente não conseguiu vencer

a batalha dela.

Ela tinha, tua irmã.

A minha irmã era tudo.

Era minha segunda mãe.

Eu partilhava com elas minhas emoções.

Os meus sonhos.

Ela acreditava tanto em mim.

Me chamava de filho.

Meu filho, você vai conseguir isso.

No aniversário dela.

Hoje dói tanto.

Nos anos dela, eu...

Eu era o primeiro a ligar sempre.

Aí quando chega aquela data,

não tem para quem ligar.

E fica aquele vazio, né?

Às vezes eu me pego em casa.

Vou ligar para a minha irmã.

Aí cai a ficha.

Não, não vou ligar. Não existe mais.

Acabou.

E hoje eu penso que

nós temos que aproveitar

a nossa família.

Nossos entes queridos.

A nossa mãe e o pai.

Algumas vezes até eu penso assim.

É tão bom nascer nos braços da mãe.

Por que a gente não pode morrer

nos braços da mãe?

Para a gente mais feliz.

Não é?

E eu acho que as pessoas

têm que parar com essa coisa de rixa

entre irmãos, entre família.

Na minha família ninguém se odeia.

Todo mundo se ama.

Eu queria que todo mundo fosse assim.

Gente, a vida passa tão rápido.

É tudo assim.

De repente acaba tudo, não tem mais nada.

Aí não tem mais jeito, né?

Do teu pai que fosse um dos movidos novos,

como é que soubesse?

Através dela também.

Ele já estava velhinho, 92 anos.

Eu tive com ele dois anos antes

e eu adorava brincar.

Ainda brincava com ele.

Aquele rio dele ali,

aquela pele bem fininha, né?

E ele adorava água de coco.

Aí eu ia fazer caminhada logo de manhã

e levava água de coco para ele.

E contava as histórias,

porque estava naquela fase de lembrar as coisas antigas.

Adorava música.

Eu colocava música, ele ficava dançando com a minha mãe.

Foi muito lindo.

Mas foi normal da vida,

da idade.

Cumpriu a passagem dele, né?

A vida dele.

E nenhuma das situações.

Por causa do trabalho.

Do meu pai, eu tentei de última hora,

mas eu não ia chegar a tempo

por causa das conexões e do fuso horário.

E a minha mãe falou, não, meu filho.

Não venha, porque você não vai encontrar

o seu pai aqui.

Fica com a imagem que você tem dele.

Fica com essa imagem bonita.

Como é que foi entrar em palco nesse dia?

Foi terrível.

Foi terrível, né?

Só me vinha a frase dele.

O que aconteceu?

Não deixe de cantar.

E subi, fiz.

O que que tu aprendeste sobre a vida com a tua mãe?

Eu aprendi que a gente nunca pode deixar de lado os sonhos.

Apesar de que assim,

a gente tem um grande sonho na vida.

Aí você batalha, batalha para conquistar esse sonho.

Você realiza esse sonho

como é realiza o sonho

de construir o castelo dela.

E depois, vem outros grandes sonhos.

Às vezes, há sonhos

que nunca estiveram nos nossos planos

e acabam por ser melhores

do que estavam nos nossos sonhos, né?

Eu nunca sonhei ser um cantor.

A tua mãe assistiu a algum concerto?

Assistiu. Eu tive no Brasil.

Eu fiz um concerto lá em Goiânia.

Mas ela nunca veio aqui.

A vida foi passando, foi passando.

E ela tinha medo de avião.

Porque uma vez, uma pessoa falou para ela

que ela ia morrer no acidente aéreo.

Eu falei, mamãe, mas isso pode ser

ficar ainda em cima da casa.

E o tempo passou, passou, né?

Nunca veio, né?

Mas sempre acompanhou de longe tudo.

E eu quero que ela acompanhe ainda

durante muitos anos.

Em 1988,

nunca esqueça essa data.

Eu tive a minha primeira viagem para a Europa,

na Espanha.

E eu estava passeando um belo dia tranquilo

lá pelo Parque Del Retiro,

sozinho e tal.

E o senhor,

ele estava lendo as mãos das pessoas.

Aí eu pensei assim,

eu acho que eu vou lá para ele ler a minha mão.

Ele não me conhece de lado nenhum.

Não fala a minha língua.

Não tem a mínima hipótese

de ele saber alguma coisa da minha vida.

Eu me aproximei.

Ele começou a medir e tal,

fez umas contas e tal.

Começou a falar e ele falou,

ah, você, dos filhos,

você é o mais ligado à sua mãe.

Quando você perdeu essa sua mãe,

você era capaz de ir junto com ela.

E o caramba,

ele está acertando.

Que problema fez?

É uma longa história.

Praticamente, minha mãe perdeu a minha irmã

no caminho da escola.

Ela vinha da escola e não voltou para casa.

Quando minha mãe soube,

ela ficou em pânico.

E a minha mãe ficou muito mal,

foi socorrida.

Eu subi para o quintal,

eu vou com ela, eu pulo daqui.

Diz isso.

Não tinha muita noção das coisas,

o que estava acontecendo.

Só pensava na minha mãe.

Primeiro, depois apareceu o passado?

Passado há algum tempo.

Foi quando a gente foi para Goiânia.

Todo mundo fugiu para trabalhar,

para dar o melhor.

Já todo mundo magoado, inclusive a minha irmã.

Ficou grávida nessa altura.

Foi, sabe, tipo,

um turbilhão.

Porque a gente tinha que trabalhar,

e crescer, e esquecer aquele passado.

Ele falou isso.

O gomenzinho da Espanha.

Depois,

ele olhou para mim assim,

e falou, você é muito dedicado ao seu trabalho,

a sua profissão.

Larga tudo pelo seu trabalho.

E de repente, ele olhou para mim e ficou branco.

Com o passado, eu falei, meu Deus,

o que esse homem viu aqui?

Aí ele falou, você vai ser

uma pessoa extremamente conhecida.

Você vai ser idolatrado.

As pessoas vão te barrar na rua

para falar contigo.

Você vai ser amado

com muita gente.

Aí ele pegou e falou assim para mim,

mas não vai ser no seu país.

Você tem uma longa vida,

e vai ter um herdeiro.

Quer que eu continue?

Aí eu falei, não, tá bom.

Aí fui embora.

Isso em 88.

Em 95 eu era barrado nas ruas em Portugal.

E eu fui amado,

porque eu amei muito.

Talvez até dez vezes mais do que fui amado.

O coração da gente nunca acaba.

O amor nunca acaba.

Passa, mas não acaba.

Mas talvez as experiências

que eu tenho,

que eu tenho,

que eu tenho,

que eu tenho,

que eu tenho,

que eu tenho,

que eu tenho,

que nunca acaba.

Mas talvez as experiências

você vê a vida e as pessoas de outra forma.

Calma,

Eu não tinha calma no amor.

Eu me dava por completo

duzentos, trezento, quinhentos%,

se fosse possível.

No fim

Fatoria.

Eu era tipo,

será que isso é uma possessão?

Hoje eu penso

uvüem um paints.

A união era para sempre.

Eu vi meu pai e minha mãe, viveram 60 anos juntos.

Por que tem que casar já pensando que não vai dar certo,

ou que vai separar ou tem que pensar nas partilhas?

Eu sempre pensei que uma relação seria para sempre,

que o amor era para sempre, é união.

Então, você dizia muito.

Muito, muito.

Dei, fui amado, mas também me desoludi.

O que é que o amor da tua vida tinha?

Já existia um amor da tua vida?

Já.

Os amores da minha vida.

Porque como eu te falei, eu dei tudo nas minhas relações.

Como é que é a Marta turmodida?

Cuidar, não é?

Dedicar, preocupar com a pessoa, crescer junto.

E eu não senti muito que havia...

Queria ser fim da mesma forma.

Mas cada pessoa hoje eu entendo que cada um é cada um.

Hoje eu consigo ver só o lado bom, o lado menos bom,

ou eu esqueci, ou eu perdoei.

Hoje eu sei o que é perdoar.

Perdoar, aliviar a alma,

e faz bem a quem pede o perdão.

Que essa é a parte mais importante,

você dar o perdão a quem precisa do perdão.

Eu não vou dizer que essa água não beberei,

pode surgir alguém,

mas eu aprendi que as coisas acontecem tudo no seu tempo,

no tempo de Deus, se tem que ter, vai ter.

O que é que tem?

Tem canta numa outra pessoa.

A verdade.

Me encanta o respeito, a honestidade.

Porque todos nós já vivemos traições, e isso é horrível.

Tá de frente de uma pessoa,

sabendo todas as verdades sobre essa pessoa,

e essa pessoa olhar nos teus olhos e mentir pra você.

Isso é horrível.

Gosto de estar com a minha família,

gosto de receber o carinho da minha família,

da minha mãe, dos meus tios.

Não gosto de pessoas de duas palavras.

Não gosto de muito barulho.

Não gosto de desmedir-se.

Não conta nada pra mim da vida de ninguém,

eu não quero saber.

Como que tens duplo na sua unidade,

já devias conseguir falar português.

Portanto, diz-me lá em português de Portugal,

como é que vai ser o teu verão?

Vamos ter muito trabalho, muito desconceito,

Quais foram os hábitos mais difíceis de assimilar,

os hábitos dos portugueses?

As comidas, né?

Porque a gente gosta de tudo muito temperado, né, brasileiro?

A culinária tem muita ver com a culinária africana, né?

Se ver uma comida pra mim sem tempero, eu não consigo.

Por exemplo, cozinha da portuguesa, que todo mundo adora.

Eu não consigo.

Eu não tenho tempero lá dentro.

Eu quero...

E vocês vão ver, né?

Eu vou ver.

Eu vou ver.

Eu vou ver.

Eu vou ver.

Eu vou ver.

Eu não tenho tempero lá dentro.

Eu quero...

E vocês gostam muito do marisco, do peixe, dessas coisas.

Eu não gosto.

Eu não gosto.

Morro de faixa, quando te vejo

O meu desejo é poder te abraçar

Comprei andias tudo quanto te gasto cá

Eu tinha dificuldade em entender,

achava que falava muito rápido, né?

E até brincava algumas vezes,

se a pessoa falava comigo,

eu ficava olhando assim pros pés.

Por que você tá olhando pros pés?

Pra ver se passa a legenda.

Que eu não consigo entender.

Tantes anos depois,

ainda tens a mesma vontade de ir pro palco.

Cada vez que eu subo no palco,

é como se fosse a primeira vez.

Eu fico no estado, você nem imagina.

Porque eu tenho aquela preocupação de que tudo corra bem.

É uma responsabilidade gigantesca.

Até quando eu vou na televisão,

enquanto eu não vejo as filmagens,

eu acho que nada correu bem.

O coração senta no colinho

Vem te cargostoso, vem brincar de cavalinho

Você tá no TikTok agora, né?

É verdade.

Vem te cargostoso, vem brincar de cavalinho

O TikTok sugera a minha vida na pandemia, né?

Tem um momento horrível,

um momento complicado, muito duro.

Não só pros artistas, como pro mundo, né?

Nós estávamos preparando a turnê

de 25 anos do bicho.

A gente já tinha 80 itais shows da agenda

quando começou a pandemia.

Então, no primeiro mês, a gente ficou naquela

Ah, a gente vai estrear, vai dar tempo

de fazer qualquer coisa, tudo vai...

Passou um mês, passou dois, passou...

Acabou. Acabou.

Não há nada pra ninguém.

As ajudas foram muito poucas.

Por mais que você gane na loteria,

se só sai, acaba.

Então, nós temos que trabalhar muito, muito

pra manter a nossa carreira e pro nosso dia a dia.

Um amigo meu falou,

irão, vamos abrir um TikTok?

Eu falei, mas o que é isso?

Ele mostrou, ah, isso é dancinha,

eu não sei o que, é um humor.

Eu falei, cara, já tem duas redes sociais,

me dá muita dor de cabeça.

Esquece isso.

Mas pra passar o tempo,

eu acabei instalando o TikTok e eu fui pra lá, né?

E o primeiro vídeo que eu fiz

tava naquela campanha do Lavas Mãos

e tal, pra ensinar as pessoas e não sei o que,

pra ter aqueles cuidados de higiene.

Eu fiz o vídeo tudo bonitinho, tal, lá.

E depois, eu comecei a fazer dancinhas

com as minhas músicas.

Eu descobri que era um outro público.

Aí, eu comecei a contar minha história,

a dançar as músicas, fazer a coreografia

e aquilo foi viralizando de uma forma muito rápida.

E depois, eu comecei a fazer dancinhas

com as minhas músicas.

Eu descobri que era um outro público.

Aí, eu comecei a contar minha história,

a dançar as músicas, fazer a coreografia

e o realizando de uma forma muito rápida.

E nas minhas lives, o apoio que eu tinha dos meus fãs,

tudo isso ajudou a passar o tempo

e ajudou a divulgar também, né?

E a dizer, o bicho tá aqui, o bicho tá vivo mais do que nunca.

Tem as coreografias todas curadas?

Tenho, quase todas ainda, né?

Então, todas no teu cabeça?

Exatamente, porque hoje, pra eu fazer um show,

é complicado preparar o track list.

Porque são muitas músicas, são mais de 200 músicas

que eu já gravei, né? Já são 24 álbuns.

É muita fruta pra gente cantar uma hora no dato

e colocar só os mega sucessos, né?

E depois vem sempre alguém, ah, não canto aquela,

ah, não canta aquela e tal.

Mas aquelas que a gente canta, eu faço,

eu canto, já sai tudo automático, né?

As coreografias.

Tu escreves muitas vezes no Instagram

se reconstrua quantas vezes for necessário,

mas nunca deixa de ser você.

É a essência.

A gente não pode perder essa essência.

Aqui por fora, né?

É a imagem, é o cabelo.

Porque eu sou um artista.

Eu sinto essa necessidade, né?

Eu tenho que me reconstruir.

Talvez na vida particular, a forma de reconstrução

é diferente, né?

É no comportamento, na forma de viver.

No meu caso, tem muita ver com o meu trabalho também, né?

Mas eu não posso perder minha sensação.

Nunca deixa de ser o Yu do Porto Franco?

Não, porque eu não quero decepcionar ninguém,

nem a mim próprio, né?

Eu não vou me perdoar, né?

Então eu tenho que não perder essa minha essência,

esse meu amor próprio.

Qual foi a decisão mais importante da tua vida?

Foi quando eu tive que deixar a rádio, né?

E ir atrás desse sonho que podia ser impossível.

Mas graças a Deus, eu recebi esse presente de Deus.

Eu nem vim pensando no que o homem da Espanha falou.

Foi tudo acontecendo assim, né?

É, naturalmente.

Eu queria muito encontrar esse Senhor.

Às vezes, quando eu vou passear em Madrid,

eu faço questão de ir ao parque do retiro

e fico andando, fico lembrando, né?

Eu sou muito saudosista,

eu gosto muito de lembrar das coisas.

De que ir, ir, ir, ir, ir?

Não ter estado mais presente com a família.

Porque muitas vezes até...

Eu queria, mas não deu por um compromisso,

uma viagem, uma turnê.

A África, Estados Unidos, Canadá, daqui a pouco acabou o ano, já tem que recomeçar.

Eu podia ter tirado, né, que fosse uma semanita, né, e ter ido lá dar um beijinho e tal.

E hoje eu quero aproveitar todos esses momentos que eu puder.

Ou num telefone, ou numa vídeo chamada, brincar com a minha mãe.

Eu passo horas do telefone com ela.

Qual foi a melhor coisa que disseram sobre ti?

Que eu sou uma pessoa humilde.

Que eu nunca esqueço das minhas raízes.

Todo mundo conhece essa minha história.

Então, não tem porque o nariz empinar, né.

Ainda te vejo com uns 70, 80 anos a fazer as coreografias.

Me vejo no palco, me vejo cantando bicho.

E eu brinco o pessoal e falo, gente, eu vou ter que mudar meu nome.

Último álbum da minha vida eu vou mudar meu nome.

Eu vou tirar uma letra. Vai ser Irancota.

E depois eu vou gravar a Bengala do bicho.

Porque o bicho vai estar sempre presente na minha vida, né.

A música vai estar sempre presente.

É que eu tenho que estar lá numa cadeirinha.

Segura da Bengala, vamos dar sal bicho.

Alguém te deva um pedido de desculpas?

Quem ainda via já pediu.

E eu já desculpei.

E eu me senti muito bem.

A pessoa sentiu muito bem.

E hoje somos grandes amigos.

Pedi desculpa a todas as pessoas que eu queria pedir?

Acho que sim.

Até porque eu nunca fiz nada

que pudesse ofender ou magoar

para sempre o que fosse uma coisa grave para alguém.

A desculpa vem junto com o perdão.

Eu acho que...

Não tem o que pedir perdão a nada.

Nem a ninguém.

O que é importante na tua biografia?

A minha história de dedicação

eu acho que nada do que eu fiz

é envergonha a minha trajetória.

As pessoas que me acompanharam

ou do meu lado,

as questões do lado de eu,

a que são os fãs,

eu acho que eu nunca fiz nada

que pudesse envergonhar alguém.

Quando é que sentiste medo?

Na infância e na adolescência?

Eu sou muito bedrosa até hoje, cara.

Muito, muito.

Meu maior medo era a morte.

Mas hoje eu já vejo diferente

quando tem que pensar nisso,

porque a gente tem que pensar, né?

Acho que eu não tenho medo de nada mais.

Se fosse garantido uma resposta,

uma qualquer pergunta tua,

o que é que tu querias mesmo isso?

Até quando eu vou estar no braço da minha mãe,

recebendo aquele amor maravilhoso,

aquela mão afagando, né?

Até quando.

Todos os dias eu acordo, meu Deus.

Já está numa idade muito avançada, né?

Aí eu fico aliancioso.

Talvez isso.

Sabia até quando eu vou receber esse toque.

Se encontrasse hoje o Miu do Irã,

que acabou de perguntar à mãe

por que os dedos dos pés estão ruídos,

o que tu dizias a esse Miu?

Isso é um sinal de que você vai ser alguém,

que você vai conseguir,

e talvez um dia até brincar com esses ratistas,

você vai ver que eles não fazem mal a ninguém.

Você vai ser um herói,

você vai estar em frente.

Falava isso.

O que é que dizem?

Veste as olhos?

Talvez você esteja vendo o reflexo da verdade,

né?

E eu...

Eu quero sempre passar a verdade no meu olhar.

Não quero esconder nada.

Eles dizem a verdade.

Obrigado.

Obrigado.

Obrigado.

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Já passam quase 30 anos de “O Bicho”, sucesso que catapultou Iran Costa para a ribalta. O cantor revela nesta entrevista a Daniel Oliveira que teve uma infância muito difícil, no Brasil. O seu primeiro trabalho foi aos 11 anos e, certa vez, para comprar um curso de inglês por fascículos, chegava a atravessar a cidade toda a pé em vez de apanhar o autocarro. Mas foi só ao terceiro disco que Iran Costa alcançou a merecida ribalta: “Eu me sinto o bicho de estimação dos Portugueses”. O artista recorda também a perda da sua irmã e reflete a sua relação com a sua mãe, a quem ofereceu uma casa com o sucesso da música “O Bicho”: “É tão bom nascer nos braços da mãe, porque não podemos morrer nos braços dela, para irmos mais felizes?”. O Alta Definição foi exibido na SIC a 17 de junho.

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