Alta Definição: Carolina Deslandes: "Houve um ano da minha vida em que esgotei quatro coliseus. Se meteres o meu nome no Google esse ano, tudo o que se fala é que estou gorda"

Joana Beleza Joana Beleza 5/13/23 - Episode Page - 1h 3m - PDF Transcript

Bem-vindo, Carolina.

Olá, bem-vindo.

Cuidado com a Carolina, vem com o punho cerrado.

Cuidado com a Carolina, que vem com o punho cerrado. 90% do tempo.

Carolina Deslanes, estou como sou no Alta de Felicia.

Gosto de cheirar os livros.

Gosto de levar pelo menos quatro livros comigo.

Sempre.

Gosto de sacos de água quente no inverno.

E mesmo quando já no inverno.

Não gosto de trânsito.

Não gosto de sítios.

Onde temos de falar assim o tempo todo?

As pessoas que tu escolhas para estarem ao pé de ti

são dos bairros mais valiosos que nós temos.

E tenho poder muitas vezes mudar o nosso caminho.

Que mensagem que envias a Carolina das cinco anos?

Para não ter tantas certezas.

Acho que há coisas que é importante trazer sempre.

E há outras que é importante aceitar que não estão sobre o nosso controle.

Como fui meio muito nova e estruturei a minha vida muito nova,

achava que já sabia tudo e achava que o futuro estava à minha disposição.

A maternidade atirava-te para uma maturidade prematura?

Sim, e eu acho que a maternidade também te ensina isso.

Eu tenho três filhos, nenhum é igual ao outro.

E essa própria repetição de um processo que nunca é igual

ensina-te o quanto tu não sabes.

Há uma fase assustadora de, mas a tua final de não sei nada.

E depois há a fase de seguir que é, ainda bem que eu não sei nada.

São todos diferentes e os que já são todos diferentes?

Todos diferentes. As gravidez são diferentes.

O estado em que tu estás é diferente.

Porque há coisas que tu já sabes para os quais já vais preparada.

Há coisas que te surpreendem mesmo do teu corpo, do teu estado de espírito.

E depois cada criança é uma criança, cada criança,

por muito que venha de uma união e por muito que venha do nosso corpo.

Tem a sua história por escrever.

A coisa dos filhos não nos pretenserem.

Eu acho que é dos maiores ensinamentos que nós temos na vida.

E são eles que te ensinam a ser mãe?

Claro que sim.

Eles é que te ensinam a paciência, a calma, a resiliência.

Muitas vezes ensinam-te a esperança.

Porque eu acho que as crianças têm esse papel na nossa vida.

Muitas vezes sem saberem.

Tu podes vir do pior dia do mundo.

Podes estar com a cabeça a arrebentar-te por preocupações.

Que o teu filho te repenta há dez minutos a brincar com o mal-mequer

e vai te dizer para te sentar no show e para brincar com aquele mal-mequer.

Pimenta-te a vida, caba-lhe e ainda vai.

Gosto do campo e de andar no campo com os meus filhos.

Gosto cheiro a relva depois da chuva.

Não gosto de certezas absolutas.

Eu tive um ano da minha carreira em que eu joguei quatro coliseus.

Suscreveres o meu nome no Google e forzei a Sam.

Tudo que se fala é que eu estou gordo.

É o bebida raiva com...

Por que é que este album começa com raiva?

Porque é algo que eu não queria que fosse polido.

Eu tornei-me conhecida do público muito nova, com 18 anos.

E sinto que é pesar de ser uma pessoa que é conhecida

por dizer muitas coisas e por ter opiniões.

A verdade é que eu vivi sempre com essa coisa de ter um bocadinho de cuidado.

Pessoas acham que eu não tenho cuidado.

E senti que mesmo na minha verdade, principalmente artisticamente,

eu era muitas vezes polida.

Não queria chocar, não queria ferir suscetibilidades.

Eu sou muitas vezes mal interpretada e comecei a proteger-me disso.

Não vou dizer isto assim porque depois ainda vão achar que...

E neste álbum eu permiti-me, este álbum acompanha um processo da minha vida

que se for polido não é de verdade.

E não há como tu abordares a tristeza e não ser de verdade.

E este disco tem muito isso.

Por isso é que se chama Carlos.

Tem a raiva, tem a mágoa, tem o luto.

E tem tudo exatamente como é.

Ninguém está a passar por um luto ou por um desgosto.

E está preocupado em estar bonito.

Ou está preocupado em falar sobre isso de forma eloquente.

A tristeza não é eloquente, não é?

A tua vida passou a ter mais caos.

Sim.

Durante uma fase, eu sinto que nós estamos aqui há muito tempo a viver uma era

em que a nossa vida está toda numa montra.

Ninguém quer ser o mais triste, ninguém quer ser o mais confuso,

ninguém quer ser o mais opinativo.

Nós andamos todos quase a preparar a nossa vida para,

quando os outros havirem, ser agradável.

E eu senti muito essa responsabilidade,

depois da minha separação de tornar a minha separação um processo

também pedagógico, positivo, porque também eu fui.

Mas a verdade é que tenho de doer.

E eu senti que durante muito tempo não deixei doer,

porque sentia que tinha uma missão,

quando tu dizes que o amor é para a vida toda.

E quando tu vês tanta gente a acreditar nisso.

E quando tu vês uma canção a resgatar tanta gente da solidão,

da tristeza, da descarença,

como é que uns anos depois vês a dizer que a final,

a tua história não ocorreu como tu tinhas planeado?

É duro.

Eu sinto que quando eu aceitei esse caos e quando eu aceitei o meu sofrimento

e quando eu baixei os braços e deixei de querer ter sempre a solução imediata,

eu nunca gosto de estar no papel da vítima ou da sofradora.

E a minha solução imediata é bola para a frente e bora, bora, bora, bora.

Mas eu digo sempre isto, há sempre domingos.

A vida tem muita semana corrida e depois há sempre domingo e o domingo chega.

E há um poema de um autor brasileiro que eu gosto muito que diz,

domingo é um dia que se recusa a mentir.

E é mesmo verdade.

E eu chegava a alturas da minha vida de profunda solidão e de tristeza,

que eu sentia que essa solidão era muito uma escolha minha,

porque eu queria estar triste sozinha e queria que não soubessem que eu estava triste.

E isso tornou-me refém de um processo que eu tive de passar e que é natural.

E a partir do momento em que eu aceitei que era natural

e permitia essa expurga, principalmente neste disco, sobrevivem e libertam.

Era um caos que era de fora para dentro ou de dentro para fora?

Os dois, eu acho que quando tu passas por uma mudança muito radical

e por um processo de separação,

tu tens o teu caos de ti para ti, tens as tuas perguntas,

tens as tuas respostas que não chegam e as que chegam e tu tens de lidar com elas.

Muitas vezes não sabes o que tu querias ouvir.

É um processo muito introspetivo de tu também te analisar

que é outra coisa que eu acho que está muito presente.

A separação vem muito de culpar o outro, não é?

E de apontar para o outro e de cobrar ao outro aquilo que ele não fez por nós.

E no meu caso foi muito mais o que que eu fiz

que eu podia ter feito de maneira diferente e entrei numa cobrança muito grande.

E depois vem o caos de fora.

Quando uma separação se torna pública, ela já aconteceu há muito tempo,

que não quer dizer que não esteja a doer ainda.

E essa coisa de tu verbalizar e de tornar-os uma coisa real

é uma coisa que agora já não há falta a dar.

Mesmo que haja depois, aquele momento vai ficar.

No momento mais triste da minha vida, a minha separação vira uma piada.

Porque tu não era para a vida toda, olha esta que vem e dizia que era para a vida toda.

Como é que eu vou lidar com o maior desgosto da minha vida até agora,

ser humana dota para toda a gente

e toda a gente se sentirá à vontade para fazer piadas com isso?

Das coisas que mais me fez confusão

e talvez das coisas que mais me magoaram nessa altura

foi a questão de a minha separação ser automaticamente atribuída ao meu corpo.

E muitos comentários era pois

desleixou-se, criou que ninguém é obrigado a custar de uma gorda.

Ele não tem carta de pesados.

E eu lembro-me de ler aquilo e de pensar

como me marado é que tem de estar um...

para tu ver-se o outro numa posição de fragilidade

e ir-se lá e ficar-se a piorar essa situação.

Já estou tão habituada a ouvir coisas dessas.

Mas numa altura em que tu estás fragil,

aquilo, se tu não souber gerir,

pode mesmo acabar com a tua autoestima,

com a forma como tu olhas para ti.

E o dia a seguir tinha um concerto

e foi a primeira vez que eu disse,

eu não estou capaz de sair de casa,

eu não estou capaz de ir cantar,

eu não estou capaz de ter pessoas a olhar para mim

porque eu estava desfeita, sabes?

É a tu teres um vaso todo partido

e querer-se à força por folas lá dentro.

Ainda não é um vaso.

Temos de voltar a arranjar-lo

e temos de dar tempo para voltar a cumprir o seu propósito.

Mas esta coisa de a tua profissão,

ter uma parte de entreter o outro,

tem esta parte também muito ingrata que é,

eu não estou capaz de te entreter agora.

Eu não estou capaz de aparecer

e de ser a Carolina deslanos.

Deixem-me lá ser eu agora

e estar um bocadinho no meu acidente.

Por que que não conseguias evitar e desler essas coisas?

Eu li o primeiro dia,

porque acho que há uma coisa de, ok, isto está aqui.

Deixem-me só ver se isto está a abandalhar

e quando vi que era o fim do mundo,

desliguei.

É uma ausência de empatia para o outro.

É sempre documentares.

Sim, total.

Este termo da figura pública é uma coisa muito perigosa.

A figura pública dá quase a entender o próprio termo

de que tu pretences às pessoas.

E quando tu pretences às pessoas,

tu não podes partir do princípio

onde a pessoa dá a gente

vai cuidar bem daquilo que acha que ele pretence.

Cada um se dirige a ti

ou faça contigo

aquilo que é sua índole e que é sua educação

lhe permitem saber fazer.

E isso é muito perigoso.

E por isso é que me abumina um bocadinho esse termo.

Eu não pretenço às pessoas.

A minha arte pretenço às pessoas

e ainda bem, mas eu pretenço a mim

e à minha vida.

Choraste muito nesse tempo.

Muito.

Muito, muito, muito.

O fundo do poço é um sítio onde tu vais,

faz o reconhecimento do perímetro,

permites-te estar ali

e depois tens que ganhar impulso para ficar para cima.

E quando vens cá para cima,

sabes que não vais ficar sempre em cima,

mas há um submundo

ao qual tu já resistes porque já te sabes proteger.

Aquela sensação de tu acordares e pensares

eu não acredito que tenho mais 24 horas

para sobreviver

e tenho mais 24 horas para

sair de casa e para fazer televisão

e para estúdio e para responder a perguntas

e para estar toda a gente olhar para mim,

eu espero nunca mais voltar a sentir.

E nesse silêncio inventam-se muitas coisas?

Fiz muita música.

Música que nunca saiu,

fiz quase um processo terapêutico

de conseguir falar,

de conseguir trazer cá para fora,

mas eu não fiquei a fantasiar

e a deixar-me consumir pelo isso,

e isso, e isso, e agora, e agora,

porque quando o teu plano falha,

também há uma parte de uma lição do humildade

muito importante,

que é tu perceber que

muita coisa que tu não sabes,

que não vale a pena prever.

Eu passava tanto tempo

a sufrer-me destas coisas a acontecerem,

a criar cenários na minha cabeça,

de todas as possibilidades...

A querer dominar tudo?

A querer dominar, achar que, ok,

mas eu tenho que estar preparada para tudo

e isso é absolutamente impossível

e muitas vezes tu

inventas na tua cabeça um cenário

que quando chegas efetivamente à situação

é tão mais simples

que aquele teu sofrimento prévio

e me vá.

Para de ouvir música triste

e atender teu mãe já ligou cinco vezes.

Quando estás triste, quem és tu?

Sou eu na mesma,

eu acho que nós somos coisas muito distintas,

muitas vezes a existir ao mesmo tempo,

cada uma com uma dose até bastante equilibrada

e há outras vezes em que há um lado que ganha

e eu acho que é muito importante deixar

esse lado de ganhar às vezes.

Eu penso muitas vezes sobre isto,

que é, tu desde que nasces,

teu choro e a tua tristeza

tem uma connotação muito negativa.

Nós ouvimos esta frase desde sempre que é

eu não vou porque eu não estou boa companhia.

O que é que é que tu não estás de boa companhia,

tu não estás bem disposto,

é que tu estás triste,

é que tu estás a passar por um processo qualquer.

Quem são as pessoas que só estão contigo

quanto tu és boa companhia?

Eu não quero isso.

Eu quero ter pessoas à minha volta

e quero normalizar esta coisa de nós estarmos

perto uns dos outros

e de não nos assustarmos com a sombra

uns dos outros.

Isso é o princípio da solidão

e isso é o princípio da depressão.

É tu sentir que a tua tristeza

é tão triste que não há ninguém

que vai ficar para assistir.

E muitas vezes quando tu verbalizas

e quando tu pedes ajuda

e quando tu dizes

eu não estou capaz sozinha.

Tu percebes que as pessoas

não fogem

e há muito mais gente

a passar muitas vezes pelo mesmo que nós

que só estão a esperar que alguém

comece a conversa.

Eu triste sou eu na mesma.

O maior desafio

e que eu acredito que superei

é não ser triste sempre.

O que é beber da raiva como som?

É quando tu estás magoado

e queres ter o direito a estar magoado

e isso é um processo que eu acho que é super normal

e que eu até acho que é saudável

tu poderes desangar e ficar jangado

e por isso é que eu digo

eu bebi da raiva como som

deve ser por isso que eu não duro.

Que é exatamente quando

tu sientes a legitimidade da mágoa

e isso é uma coisa muito ilusória

porque quando tu estás a sentir

essa raiva

parece que te está a libertar

mas não está.

Está a te aprender.

Está a te atronar a absolutamente refém

de uma coisa que tu tens de deixar passar

e é essa a parte boa de fazer canções também

porque a canção é eterna

mas por ser eterna

não quer dizer que seja constante.

Tu podes eternizar uma emoção

que acontece num momento

e que depois desaparece

mas que vai acontecer várias vezes

ao longo do tempo em situações diferentes

e essa emoção esse estado

não pintar a tua vida.

Eu acho que uma das formas

que eu tenho de não deixar

que as coisas pintem a minha vida

é cantar e escrever sobre elas

quando elas estão no papel

eu já estou a lá de cima para baixo.

E este tal não acho que também

mais uma prova da tua afirmação

está lá muita vida dentro

de cada canção e de cada letra.

Da ideia que tu mergulhas em tudo

de cabeça, nos amores e nas dores.

Completamente.

Eu não sei não fazer isso.

Eu sei e aprendi a mediar

a minha intensidade

não com o meu amo

porque eu acho que no dia em que eu

mediar a forma como eu amo

eu perco-me.

Acho que para amar

não pode haver cerimônias.

Quando começa a haver cerimônias

é porque de alguma coisa ali não está bem.

Mas aprendi só a não querer

tudo ao mesmo tempo.

Eu cheguei a uma altura da minha vida

que eu achei que conseguia

ser tudo ao mesmo tempo.

Ser escritor, ser músico,

ser a mulher, ser a mãe,

e tinha um nível de exigência comigo

que eu aprendi que não é possível

porque vou morrer e não quero.

Se eu mergulho de cabeça

abro os olhos

e depois comece a delinear a caminho

mas eu gosto de ir com coragem.

70% das coisas que eu fiz

profissionalmente da minha vida

tavam toda a gente a dizer

para não fazer assim

para fazer de outra maneira.

Eu disse uma frase um dia

à minha equipa que eu repito sempre

que é no salto que se criou o chão.

Eu não vou ficar ao olhar e a pensar

e se eu me mando palha

e depois o que é cá de baixo?

Eu vou criar o que vai haver de baixo

porque se eu não for com a coragem

eu não vou com a mesma fé

eu não vou com a mesma crença.

O risco, o desconhecido

dá-me uma pica do caraça, sabes?

Mas em tudo,

nas pessoas, nos caminhos, nas canções,

em tudo.

Eu sou fascinada pelo mundo ano,

pelo cotidiano.

Eu mudei de casa 16 vezes.

Eu passei a minha vida

inteira a mudar de casa tudo.

O prazer que eu tenho

de chegar à minha casa,

que eu comprei, que é a minha

e que eu sei que eu só vou sair dali

quando eu quiser

e de criar raízes

dá-me muita vontade de escrever sobre isso,

dá-me muita vontade de viver isso.

Pessoas que se calhar à casa delas

para elas, eles absolutamente indiferentem.

Eu tenho aprendido, nos últimos anos

da minha vida, o prazer de estar.

Não de ir, não de fugir,

não de descobrir, porque eu acho

que o verdadeiro desafio da vida

é tu estares no mesmo sítio

e descobrir as coisas diferentes.

Continuares a ver novidade

na mesmice dos dias.

E eu gosto de inventar dentro.

Hoje em dia é isso que eu gosto de fazer.

Gosto de inventar dentro.

Gosto de olhar para as mesmas coisas

e de me permitir ser apaixonada

pelas minhas rutinas,

pelos cantos da minha casa,

pelo meu espaço.

Aprendei a estar sozinha

e hoje em dia não apetite de estar sozinha.

Uma noite a dormir sozinha

na diagonal de mãos abertas na minha cama.

De tomar o que era uma sozinha,

de ler um livro

e houve um tempo da minha vida

que eu achava que essa solidão

era reflexo do meu fracasso.

E hoje em dia eu acho que

o maior segredo é

porque eu fiz um desenho.

Esse é que era o desenho suposto da minha vida

ou, se calhar, o suposto

era eu ter aprendido

que não vale a pena fazer grandes desenhos.

Escalhar o suposto era isso mesmo.

O que é que te arrebatam, de uma outra pessoa?

A forma como trato aos outros.

Principalmente quando ninguém vê.

A forma como se fala com os pais,

com a família, como se cuida.

É educação.

Sempre é educação.

E depois é aquela coisa de

eu acho que quando tu te apaixonas pelo outro,

tu apaixonas-te pelo universo.

Quem é a pessoa é.

E eu acho que nós somos todos assim

uma manta de retalhos.

Quem tu és é a música que tu ouves.

É os sítios onde tu gostas de ir.

É os restaurantes onde tu vais comer.

É os rituais estranhos que tu fazes.

Que depois confidencias a outra pessoa

e achas que essa pessoa vai achar

que eu sou muito amarada.

E depois a pessoa até diz

que eu também gosto de fazer isso.

É esse o universo.

Mas acima de tudo é isso.

A primeira coisa que uma pessoa

pela qual ela me vá apaixonar

tem de ter essa bondade.

É ter isso.

É nunca desejar mala ninguém

por muito que a vida seja difícil.

Mas já gostaste do rapaz mais perigoso?

Já.

Dava bem na confusão?

Já gostei do rapaz mais perigoso.

Dava bem na confusão.

Em outubro do ano passado

fui a Paris com a minha mãe.

Foi a primeira viagem

que eu e minha mãe fizemos sozinhos.

É aquelas momentos com os nossos pais

em que tu pensas assim

ok, somos dois adultos a falar.

E tivemos uma grande conversa

e a minha mãe disse-me uma coisa

que me fez muito sentido,

que é

que eu estava muito mais confortável

na confusão do outro

do que na paz do outro.

Se tu chegares ao pé de mim e fodes bom

mas estivesse todo perdido,

todo baralhado

isso mais facilmente me aproximava

do outro do que a calmaria

e do que a paz.

Por que?

Porque eu sentia

eu era um universo

sem combustão constante

e que eu ia fazer mala

à paz do outro.

Eu não ia caber na paz do outro.

Então ficava,

não, não, não, não.

Eu tenho que ter alguém

barulhento, confuso

que eu possa sentir

que possa encaminhar.

É o amor que eu tenho de ter

com os meus filhos.

Não é com uma pessoa

com quem eu quero construir

uma vida.

Eu achava muitas vezes

que tinha azar.

Sabe?

Ah, eu tenho azar.

Eu às vezes meto baquinos.

E não é azar.

Eu aproximava-me

daquilo que me era mais familiar

e o que me era mais familiar

era a confusão.

E quando a minha mãe me disse

tu podes escolher

a nossa família,

a confusão,

muitas vezes em que nós nascemos

e aquilo que nos traz

até o dia em que nós estamos hoje

nós não escolhemos.

Escolhemos a forma como lidamos

com isso

e como é que isso nos afeta.

Eu tinha essa noção

de ser autora da minha própria vida.

Foi um alívio imenso

e parecia que tava

à espera

quase dessa vale da minha mãe

de olhar para mim de fora

e de me dizer coisas

que eu, se calhar,

não tinha coragem de dizer.

O que é que sentes

que entia mais de doutor

para os outros?

Se calhar esta minha forma

de me entregar às coisas,

às pessoas, aos projetos,

às emoções,

acho que deve ser isso.

Eu acho que

há um momento

meio perigoso

quando tu tens um talento

e é muito difícil,

ou seja,

quando eu me separo

eu já era conhecida,

não é?

Então eu pensei assim

e agora Samal tá achando

só que isto é muito agiro

porque vão os concertes

e porque estás a perceber

eu tenho um bocadinho pudor

disso e um bocadinho de medo disso

e por isso é que eu não gosto

de dizer o talento

porque isso dá-me

um bocadinho de resistência.

Mas acredito que isso também

é um ponto de admiração

e de atração

até porque eu também sinto isso

nas outras pessoas.

Se tu fôres muito apaixonado

a fazer uma coisa na qual

eu sinto que tu é especial

isso se fascina-me também muito.

A tua singularidade,

na forma de ver o mundo,

de estar no mundo,

crees que também é um dos motivos?

Sim, pô, bem é pão mal.

É um motivo que pode atrair

mas depois também é um motivo que diz

Ê lá, pera aí,

que é isto?

Eu não tenho endamente para isto.

Eu não tenho endamente para isto.

Eu não tenho endamente para isto.

Porque eu faço muitas coisas,

gosto de ser ativa

e sinto que às vezes é difícil

a quem tá ao lado assim

de acompanhar.

Faz.

Sinto que é um desafio.

Fala-se pouco dos homens

de quem se conhece em relações.

Fala-se mais das mulheres

que estejam.

Por que é que achas que isso acontece?

Porque eu acho que não há nada

que ofenda mais uma sociedade

conservadora que uma mulher livre

e nós podemos estar todos aqui

a falar de feminismo

e de igualdade de género

e podemos todos dizer

que somos muito modernos.

É mentira

e é profundamente hipócrita, né?

Nós vivemos num estado

de interesse,

e é profundamente hipócrita, né?

Nós vivemos num estado laico,

que é muito, muito, muito católico

no país em que nós vivemos.

E isso traz quase um papel

à mulher de recato,

de delicadeza,

de algum pudor com a sua vida morosa,

perto de uma ponderação às mulheres

e uma calma e quase uma coisinha tocavel

e atéria que não se exige dos homens.

O homem é normal,

que encontra várias pessoas,

tem vários projetos ao mesmo tempo.

O homem que tem vários projetos

ao mesmo tempo

é um homem muito capaz,

é um funcionário,

é um líder,

e é muito completo.

Uma mulher que era fazer muitas coisas

é indecisa.

Essa também quer tudo.

Essa também não sabe o que quer.

E uma mulher que namora

e que vive de forma livre o seu amor

e que vive de forma livre

o terminar da sua relação

e que depois volta a apaixonar

é...

tem que haver qualquer coisa

de muito amarrado com esta gaja, né?

Isto é a vida acontecer.

O que é cada tão chocante?

É não desconder para viver a tua vida,

é não ter-se medo.

Eu acho que muitas vezes

as pessoas se sentem atacadas

pela minha falta de medo,

da opinião que elas vão ter...

Desconclata que vês tu

a char que te cites

como é que eu viva a minha vida.

Isto para mim é tão surreal.

Eu gosto até de fazer piada com isso,

que desde que eu fiquei solteira,

a malta pinta-me uma vida

muito maluca

que eu adorava ter tido.

Porque na verdade

eu sou só um coração de manteiga,

eu sou muito mais de uma paixonar

do que de curtir.

E a sua olhar não te condiciona

na hora de assumir

uma nova relação?

Condiciona-me

só no sentido de

eu não quero nunca que isso seja o maior que o meu trabalho.

Porque é o trabalhar, fazer obra,

querer deixar um legado

e depois estar-se a falar mais

de um meu namoro,

do que de um disco

que eu tive três anos a fazer,

é de uma pessoa ter vontade

de mandar um pontapé numa cadeira.

E depois também porque eu acho que

há coisas que são só minhas,

eu quero que sejam só minhas, sabes?

Eu não quero falar demasiado.

E há uma conversa que se tem também

com a pessoa com quem se está a falar.

Uma conversa que eu tive

com o meu namorado de,

olha, por mim,

eu estou habituada.

Eu já sei que é que a casa gasta.

Tu estás preparado para isto

e eu sei que não vais dizer

que estás e depois vais

usarinho ou bicho.

O que está a acontecer aqui?

Me dá uma cada uma decisão

que tu tomas,

porque vais deixar de ir ao cinema,

vais deixar de ir ao shopping,

vais deixar de jantar fora.

Eu não quero essa vida para mim, Dania.

Eu quero poder dar um beijo na boca

na escada relante.

Eu gosto.

Eu quero poder andar demandada.

Eu quero poder ir ao chiado,

à tarde e passear.

Eu quero poder dançar um flowzinho,

se matecer no meio da rua.

Eu quero poder viver a minha vida

como eu acho que todas as pessoas

devem viver a sua vida.

Agora, se aprendi que há coisas

que quero guardar,

aprendi com certeza.

Quero que sejam só meninas,

até porque acho que o mundo,

muitas vezes, é demasiado porco

para as coisas bonitas que nós temos.

E sinto que não vale a pena.

Há coisas que eu não quero manchar.

Está aqui, está dentro de casa

e é dentro de casa que está bom.

O amor é sobre os outros

ou é sobre nós?

O amor é sobre que os outros

despertam em nós

e sobre o que nós despertamos nos outros.

Eu acredito que é essa dança bonita.

Eu não acredito em ninguém

que te queira mudar,

ou alguém que me queira mudar a mim,

mas acredito em permitir essa desconstrução.

Há coisas que nós damos por garantidas.

A minha sua está muito...

Ah, mas eu sou assim.

Olha, eu não gosto...

Ah, mas eu sou assim.

Eu sou assim.

É uma coisa demasiado definitiva

para uma pessoa que está

num mundo em constante mudança

e numa vida em constante mudança.

Eu não quero dizer...

Olha, eu sou assim.

E eu não...

Não.

Coisas em que, efetivamente,

eu até tento dar a volta

e pensar em se calhar.

Sou mesmo assim.

Mas eu não é.

Eu sou assim.

Cheio de orgulhagens até olha-me.

Estou a tentar,

mas isto é difícil.

Este meu hábito

ou este meu trauma,

isto é meio difícil.

Mas não há nada mais bonito

do que permitir essa desconstrução.

Do que deixar que o outro

seja próximo

e permitir descobrir coisas em ti

que, se calhar,

está na altura de largar,

está na altura de acalmar,

está na altura de aprender de novo

e também permitir chegar perto do outro

e fazer ele ver coisas dessas também.

Os homens que te perdem,

perdem o quê?

Há muito pouco homem que me perde.

Eu acabo sempre por ficar

na vida das pessoas com quem me cruzo.

Como sentença?

Como sentença.

Não, não, não.

Eu sou muito melhor

ex-mulher do que mulher, Daniela.

Eu te passo a vida a dizer isso.

Eu, como ex-mulher,

sou meio bacana do mundo.

Não levante brasas.

Eu gostei do entendimento.

Gosto de que esteja tudo bem.

Quando estás perto,

sou mais complicada.

É verdade,

eu sou mais complicada.

Eu acho que há uma distância

que tem de haver,

porque acho que é saudável

e acho que isso também permite

que coisas novas cresçam do lado

e coisas novas cresçam do outro.

Mas eu não gosto dessa coisa do

ah, vais-me perder

e eu vou desaparecer.

Acho isso triste

e acho que as histórias

de amor devem ser honradas,

principalmente no seu fim.

Não faz sentido no momento final

tu deitares a perder

anos de construção com outra pessoa,

anos de partilha da entrega,

meses, dias, que seja.

Se aquela pessoa, naquele momento,

entrou na tua vida

e fez sentido na tua vida,

alguma coisa te levou ali.

E para mim, ninguém me perde.

Agora, perder-me com o sentido de conjugá-lo,

se calhar perder um bom beijo na boca,

gosto de acreditar.

Aceitas uma mentira piadosa

numa relação?

Não.

Já aceitei.

Hoje em dia eu prefiro uma verdade feia

e escolher como é que vou lidar com ela

do que uma mentira piadosa.

Mas, agora,

houve alturas em que se calhar me mentiram

e houve alturas de certeza que me mentiram,

que para o meu caminho se calhar naquela fase

fez-me melhor.

Mento-me, conjeito de amor.

Mento-me, conjeito de amor,

fica comigo a seguir

que eu prometo ser a melhor na arte de fingir.

Sabes que essa canção

é muito difícil para mim cantá-la hoje em dia,

porque esse é um momento

ao qual eu não vou voltar

essa coisa de

eu prefiro que tu me mintas

e que fiques aqui

e que finges

e eu finjo contigo

do que aceitar a verdade,

do fim das coisas

e do que aceitar a verdade das coisas

que aconteceram.

E hoje em dia custa-me,

porque sinto mesmo que estou a representar,

já não diria essas palavras.

Diz que não há duas de mim,

jura ser verdadeiro

e que ela te faz rir,

mas não tem moça.

Sim.

É um processo,

esta coisa de não entender

a monogamia

com uma coisa mais importante,

uma relação.

Eu acho que nós vivemos a ver filmes

e a ouvir canções

que fazem da monogamia o centro

e que uma pessoa enfiele

é a pior coisa do mundo.

A pior coisa do mundo

é uma pessoa desliada

para mim.

E foi uma coisa

que eu aprendi a olhar para o espectro

do que aqui significa para mim

e entender que o que há de raiz

para mim em uma relação

que me liga a outra pessoa

é muito mais de realidade

do que de fidelidade.

E por isso hoje em dia estou preparada

para todas as verdades

porque acho que a verdade

afasta-te dessa desliada.

Ser verdadeiro comer

muito dificilmente

me vais dizer alguma coisa

que me vá chocar.

22 anos já vivi muita coisa

nesta vida

e gosto de acreditar

que muitas vezes

neste caminho de amar

e neste caminho de entregar

nós não conseguimos sempre

ser a melhor versão

de nós próprios.

E gosto de acreditar

que sou capaz de entender

uma versão menos boa

da pessoa que eu me predisponho a amar.

Já foste traída?

Já.

Sabendo?

Não.

Mas

não é disso

que eu conto a minha história.

E não é por ego.

Não é aquela coisa do ego

que eu não admito.

É porque

não é o que ficou.

Não é o que doeu.

Na verdade.

Já teria isto?

Já.

Também acredito que não foi o que ficou

nem foi o que magoou.

Mas já.

Por que é que se traiu?

No meu caso

aquilo que aconteceu

foi testares numa situação

que já acabou

mas que ninguém tem coragem de dizer.

E então

há uma aproximação a outro lugar

que não devia acontecer, não é?

Ainda acaba por acontecer porque

há essa carência,

há esse desgosto também.

Muitas vezes a querer um abraço

a procurar um lugar.

Há muitas vezes também o perigo

de alguém olhar pra ti com olhos novos.

Muitas vezes no fim de uma relação

que tu sentes ou que a pessoa

não te vê de todo

e que tu é completamente invisível

ou que a pessoa te vê de uma maneira

onde tu já não te reconheces

mas também não tens força

para rebater.

Então fica assim aquela

paz podre, como se chama.

E eu acho que é por isso que acontece.

Depois também há outros casos de isto.

Todas as pessoas têm as suas histórias.

Olha, vi uns copos,

fiz uma genera, fiz uma loucura

ou fui viajar

e cometi uma loucura.

Nós não estávamos bem naquele dia

ou cometi uma loucura.

Pois também acontece

o apaixonar-se, o encantar-se

por outra pessoa

e eu vou ser sempre capaz

de entender isso.

Por um momento que me amagou,

eu vou ser sempre capaz

de entender uma pessoa

que contra a sua vontade

se encantou por outra pessoa.

Eu saio que é essa sensação

de tu amar-se uma pessoa

e saber-se que não é certo

ter tempo nem a pessoa,

nem a tua circunstância,

nem a circunstância da pessoa

e aquilo tomar conta de ti agora.

A forma como tu comunicas

e a verdade que tu entregas,

aí tu és responsável por isso.

Pode amar-se mais de que uma pessoa

ao mesmo tempo.

Pode.

É assustador.

Eu acho que tu,

aquilo que entregas a uma outra pessoa

é o compromisso de tentar,

sempre.

E atenção,

tu vais ver na alta definição

da cinco anos,

e eu não te dizia isto desta maneira.

Essa coisa possessiva

de ser do outro,

de pertencer ao outro,

de ser só do outro,

é um caminho onde eu já não me revejo.

Não que eu te diga que

estou numa relação

que não é aberta,

mas não tenho na minha cabeça

aquela coisa de

isto nunca vai acontecer,

nem do lado,

nem do outro.

É impossível.

Aometo as minhas mãos, não for.

Não meto.

Mas acho que tenho ainda

uma maior noção do que é amor

quando tu corres esse risco.

Quando já não metes as mãos

no fogo por nada,

quando já viste muita coisa,

mas pensas,

bora lá.

Já não te iludes?

Não me iludo,

mas ainda me fascino.

Não me deixe que o amor

seja uma coisa

hiper mega racionada.

Lucatrizada?

Exatamente.

E essa coisa de,

ah não,

já não acreditei nada,

ou alegre.

Não.

O que eu acho que se para

onde eu estou agora,

onde eu já estive,

é,

eu acredito

que a falha não é desamor.

Fala-me da tua falha,

explica-me a tua falha.

Aproxima-te de mim,

porque,

se nós não somos capazes

de ir a esses lugares do outro,

o que nós estamos aqui a fazer?

Uma relação,

principalmente uma relação

de muitos anos com

muitos atiles,

muitos fios,

vai ter momentos

de afastamento,

momentos de aproximação,

momentos de encanto de dentro

e momentos de encanto para fora,

e é preciso saber

de gerir.

Hoje em dia,

quem vier,

tem que vir para acrescentar.

Não é para vir encher

os vazios

ou os buracos

ou os traumas,

porque eu acho que

nós temos muita tendência

a fazer isso

e a procurar num outro

a solução de coisas

que nós temos de solucionar

sozinhos.

Trapia e yoga,

falar,

verbalizar,

desconstruir,

ir ao passado,

ir à infância,

perceber o que é que nós

trazemos de lá,

que queremos largar,

perceber o que é que nós

trazemos de lá,

que é bom.

O que é que nós trazemos

de lá,

que é bom.

E gozar com a infância

para fingir que não macou?

Foi uma coisa

que eu fazia muito

e que até hoje

ainda faço um bocadinho.

Sim, eu gosto

com a minha infância

para fingir

que não macou.

Como eu tive uma infância

um bocadinho triste

e como eu me recuso

a ser a personagem triste

do filme,

muitas vezes,

eu gosto de

falar do assunto,

fazer uma piada

e mostrar

que estou resolvida

com certas coisas

que ainda estão a fermentar

só para não ficar

no papel da

aia,

esta pessoa.

Eu não gosto de isso.

Eu tenho pavor aí,

sabe?

E muitas vezes

fiz isso e ainda faço.

É talvez o processo

mais duro para mim,

não ridicularizar

coisas que ainda me doem

só para ser mais fácil.

Porque há coisas que ainda doem.

Claro.

Claro que sim.

Coisas que eu quase aprendi

a lidar

e coisas

que faz perdoando,

faz largando,

faz olhando para ti

e para a tua vida,

faz olhando para ti

enquanto te adulto

e faz pensando

como é que eu exigir

tanto dos adultos

à minha volta

que estou aqui

e muitas vezes

me das mãos à cabeça

e penso

o que é que eu estou a fazer?

Eu às vezes

penso assim,

quem é que me nomeou

o adulto responsável

pela minha vida?

Em que momento

é que eu passei a curva,

ter quem cuide

para ser a cuidadora,

cuidar distrudo,

como é que é possível?

E isso

faz-te entender,

entender tanta coisa.

Esta exigência

que nós temos

com a figura materna,

com a figura paterna,

com aquilo que nós

queríamos ter tido,

com aquilo que nós

queríamos ter vivido,

começares a largar

e começares a olhar para ti

e ora para a tua relação

com os teus filhos

e ver que muitas vezes

tu não és a mãe

que tu queria ser,

que muitas vezes

tu não és a amiga

que queria ser.

Muitas vezes

eu não sou a filha

que queria ser.

Como é que nós exigimos

tudo dos outros

quando o melhor exemplo

que nós temos

somos nós?

Vivemos a falhar

e a emendar

e a falhar outra vez

e a fazer o melhor que sabemos?

Eu sou a história triste

que já vimos nos filmes

que já vimos nos filmes

que já vimos nos filmes

que já vimos nos filmes

que já vimos nos filmes

que já vimos nos filmes

só não me falta o poesia

porque me afoguei nos livros.

Verdade.

Eu tenho uma relação

excelente com os meus pais

hoje em dia

que teve alguns por causa

se eu acredito que muita gente

passou por isso também

mas que senti muitas vezes

na vida

que não era tida como

primeira escolha

não eu

mas os filhos, a família

e isso magoou-me um bocadinho

durante alguns anos

da minha vida

aos meus pais tiveram-nos muito novo

e é uma das coisas

que eu aprendi

a calmar no meu coração.

Eu achava sempre que

com as separações

e com as coisas que eu vivia

isso criou em mim

muito uma noção de

nada é permanente

eu as posso estar aqui

mas isto amanhã pode acabar

eu achava que

alguém gostar de mim

e alguém se disponibilizar a ficar

eu já tinha muita sorte

então eu tinha que agradecer

e era quase impossível

eu convencino

que eu era muito difícil

de amar

e que era muito difícil

de ficar perto de mim

e essa foi talvez

a coisa mais difícil

de desconstruir até os dias

dois que é

não é difícil ficar perto de mim

Perceber isso e perceber

que podia ser gostada sempre

que podia haver

o caso das pessoas

e efetivamente ficarem

fossem que formato fosse

e é isso que eu tente

também muito dar aos meus filhos

e que eu e o Diogo

fazemos isso muito bem

e que vivemos em equipa

sempre apesar de

conjugalamento

já não estarmos juntos

somos uma equipa

e é isso que é nessa frase

que eu digo

que só quis dar aos meus filhos

o amor que nunca tive

esse sentido de não deixar

que a separação

signifique

o quebrar da família

e o quebrar dessa equipa

quando estás a dar aos seus filhos

estás também a dar

a miúda que foste

estás a como matar esses vazios também

absolutamente

eu estou a querer provar

que há momentos da nossa vida

em que nós somos a continuação

de uma história

e há outros em que

nós estamos a escrevê-la

e é muito confortável

usar aquilo

que já foi escrito

para justificar

aquilo que estamos a escrever

que é um lugar

quase da ausência de responsabilidade

algumas coisas

e eu não aceito isso

eu não aceito justificar

o meu dia 2

com os meus dias de ontem

eu não quero justificar

porque como eu não tinha visto

ou como a mim me doeu aquilo

eu também não consigo

se não consigo

eu vou fazer por conseguir

vou criar e sem mim

vou procurar

vou aprender

e tenho aprendido com os meus filhos

a criar uma dinâmica de família

que eu sinto que a minha miúda

a testar orgulhosa disse

e que também estou a provar a ela

que isso existe

e que é possível

que mente obrigas a ser

mamãe justa

não tenho aquela coisa

de querer com os meus filhos

para em te chorar

ou querer exercer a autoridade

pela autoridade

não consigo sempre

tensa

gosto de entender

gosto de deixar chorar

gosto de despedicar

que chorar faz parte

e que chorar

é uma forma de nos reequilibrar

já chorei a frente dos meus filhos

não bá bem rei

já chorei já me emocionei

haver um filme

mas tu estás triste

não às vezes

uma coisa tão bonita

tão bonita que tem que sair

por algum lado e me chorar

já chorei de tristeza também

eu não escondo nada disso

é que é com 18 anos

com o filho teu

te vais chorar a perda de alguém

não é?

despede cá

já me está um bocadinho triste

olha hoje

aconteceu isto

aconteceu aquilo

introduzir a tristeza

como parte da vida

claro que nunca

a meia hoje teve uma discussão

não calma

eu gosto muito de me certificar

que os meus filhos estão

a parte

desse excesso de drama

que eu muitas vezes não estive

mas normalizarem introduzir a tristeza

o que é mais difícil essa irmã?

duas coisas

a gestão do tempo e da culpa

e a aceitar

que não despertencem

vão ter o seu caminho

que tenha sua personalidade

que não os vais conseguir proteger sempre

que não os deves

sequer proteger sempre

esse limite

do amor que cuida para o amor

que se foca

sabes de

não deixe ir

tem que experimentar

não estar sempre no

deixar ir

deixar a vida correr

e ficar a assistir

é difícil

o que é que é mais divino?

descobrir que

o amor

é uma coisa infinita

eu costumo dizer sempre isto

nós temos palavras para quase tudo

menos para quando nasce um filho

para quando se perde um filho

e isso se explica muita coisa

tu já és pai

se alguém tiver quase a ser pai

ou quase a ser mãe

e quiser falar com te sobre isso

tu até podes tentar explicar

há sempre um momento da conversa

em que tu vais dizer

quando chegar ao teu dia

tu vais perceber

porque eu acho que não há nada mais divino

do que tu viveres todos os dias

coisas para as quais não existem palavras

por muito que eu tente

e eu tento e tento cantar

e tento escrever o quanto eu amo

os meus filhos perdidamente

eu vou olhar sempre àquilo que escrevi

e não chega

eu acho que a coisa mais bonita

de ter filhos é a descentralização da vida

não é tudo sobre nós

não começa tudo e acaba tudo em nós

não é?

eu posso vir de um coliseu esgotado

eu chego a casa 10 minutos depois

estou a brincar às lojas

e estou de gatas no chão

e já me pintaram bigodes

e um nariz de gatinhos

mas fez-te tão saborefado

onde é que eu vi

ou onde é que eu vou

naquela bolha

eu sou só a mãe

e ser só a mãe

é a melhor coisa que eu já fui

em toda a minha vida

todas as coisas que eu já fui

e que eu ainda vou ser

ser só a mãe

para mim

é a melhor de todas

e do soro

o que é que aprendeste sobre ti

sobre nós, sobre o mundo

com o Santiago?

que não há dois dias iguais

eu penso muitas vezes

eu e o Diogo

na sorte que nós temos

de termos sido escolhidos

para sermos pais do Santiago

porque

é uma coisa que te faz

desconstruir completamente

um mundo

existe ainda muita desinformação

sobre as perturpações

do espectro do autismo

as pessoas ainda não sabem bem

o que é que significa

querem sempre saber

mas em que grau?

como se eu tivesse um número

olha o meu é grau 7

ah o meu é grau 3

ah o meu é grau 12

não existe

parece que é um espectro

dentro das perturpações

do espectro do autismo

o teu filho pode ter mais dificuldade

na fala, na escrita

uma data de coisas

mas o meu filho vê o mundo

de uma forma completamente diferente

de toda a gente que eu conheço

a forma como toca nas coisas

a forma como cheira tudo

e toda a gente

e o olfato tem essa presença

afetiva na vida dele

que é uma coisa que eu acho

absolutamente fascinante

a forma como

gosta de uma coisa

e então vai consumi-la

milhares de vezes

a forma como ele olha para os animais

como ele olha para a natureza

para a luz

para o mar

é entender o mundo a agarrá-lo

não é entender o mundo

racionalmente

racionalmente

é entender o mundo a agarrá-lo

a pegar nas coisas

a tocar nas coisas

a aproximar-se das coisas

é ter-se muito mais facilidade

em dizer que não

pela simples razão

que te deixa desconfortável

não quero

não quero estar aí

é muito barulho

não gosto dessa luz

eu não quero estar

numa dessas pessoas todas

e nós vivemos a justificar

olha eu não quero

porque hoje às 8 eu tenho

eu não quero

eu não gosto

mãe eu não gosto

ok

foi um desafio muito grande

para nós

porque nós sabíamos

muito pouco sobre o assunto

a falta de apoio

que existe

tu hoje em dia

se ganhares o ordenado mínimo

ou até se ganhares

consideravelmente mais que o ordenado mínimo

não consegue-se ter uma criança

no espectro

e ela ter todo o apoio

que vai precisar

eu quando comecei a fazer

as trapias com o Santiago

questionei

a médica da minha filha e disse

como é que as outras pessoas fazem?

ela disse que não fazem

a larga maioria das crianças

que eu encanimo

para a trapia ocupacional

para acompanhamento

não fazem

porque não têm capacidade

de monetária

para assegurar esse acompanhamento

e é uma coisa que me aterroriza

olhar para o lado

e ver a quantidade de crianças

que não têm essa oportunidade

e é um lugar de solidão

para os pais brutal

porque não se fala sobre o assunto

os serviços que existem

estão absolutamente sobrelutados

por como em cada nove crianças

tem uma perturbação de espectro

não há ajuda para isso

e há ajuda para as crianças

dos espectros

são vistas como um luxo

é para quem pode

como é que a saúde

de uma criança é para quem pode

Santiago começou a falar

muito, muito, muito tarde

perto já dos três anos

e qualquer coisa

eu estou feita através das músicas

ele adora música

começou a cantar as canções

e a terminar as canções

e houve um dia

acordei os meus filhos

e me estavam a dormir

estava na cozinha de minha casa

e hoje o lado de cima

mãe, mãe

só olha o beijo a mim já acordou

e que subo

e abre a porta do quarto

o beijo a mim o beijo a mim

estava a dormir ferrado

e aí se nas minhas costas

mãe

e olha era o Santiago

disse filho

e ficamos nisto

mãe, filho

mãe, filho

eu só queria que alguém viesse

para que passe a assistir

para eu ter a certeza

aquilo estava a acontecer

hoje eu tenho um filho

que fala comigo

que é autónomo

que é doce

é uma oportunidade

mas eu também sei

que eu consigo viver isto

com esta noção da oportunidade

porque eu não vivo

a pensar como é que vou pagar

um trapeito ao meu filho

entende?

com o nosso filho

nós temos tentado fazer

de tudo

há situações muito complicadas

nós temos tido uma adaptação

à escola principalmente

ao primeiro ano difícil

às vezes de bater nos colegas

e há paz com mais cumpriação

que outro

há paz

aos quais eu quero ligar

e não só pedir desculpa

mas também introduz-los

naquilo que é

o espétero

e que não querem falar comigo

e que nunca me atenderam

o telefone na vida

e há situações muito complicadas

a única parte que me

assusta nisto

é

o medo que tu tens de

o mundo não vai ter

a mesma paciência que eu tenho

sabes?

mesmo

mesmo cuidado

e é só isso

a ideia

do meu filho

ouvir alguém

dizer-lhe

que ele não é capaz de

fazer alguma coisa

ou que ele é insuficiente

ou que ele é

esquisito

ou estranho

ou

é a maior preocupação

da minha vida

porque

de resto

não estamos cá

e sim é diferente

e sim

é estranho

e ainda bem

nós somos 8 bilhões

ou lá o que é

não há ninguém igual a ninguém

é diferente de tudo

aquilo que eu conheci

mas é uma diferença

que eu tenho a sorte

de poder assistir de perto

e no outro dia

o meu filho do maio

foram lá

umas crianças brincar

a casa

e o Santiago entrou em crise

porque queria um brinquedo

que o meu tinha na mão

e eu beijo a mim falar disso

tens de ter calma

a falar com o meu irmão

com o meu irmão uma criança original

e eu fiquei olhando

e achei que ele muito engraçado

e disse

uma irmão uma criança original

às vezes o coração dele

é mais grande

do que a boca dele fala

e eu pensei

eu nunca expliquei isto

nenhum dos meus filhos mais novos

eu nunca conseguiria

explicar aquele melhor

sabes?

uma criança original

e eu fiquei olhando

e pensei

é isso mesmo

e tem muita essa noção

de proteção

e de

não sabem o que é

que o distingue

mas sabem que há coisas

em que é preciso levar-lo

de outra maneira

e ter calma

e ter outra atenção

e é mesmo bonito ver disso

a taxa de divorce

e nos casais

com o fim de descomperturbação

do espectro é doitenta e cinco por cento

porque é duro

o nível de exigência

que tu tens contigo

que tu tens com o outro

depois o outro

tem um caminho

para chegar às mesmas coisas

diferente do teu

e tu achas que o teu é melhor

e o outro acha que o dele é melhor

e é uma coisa

que é difícil

e que é complicada

principalmente tu vêres

um filho teu em crise

e não saberes

como é que tu vais acalmar

aquela crise

e é um processo

a música

sempre a música

música é a nossa maior aliada

com o Santiago

a tua música?

também

a minha música muito

eu fui à reunião de pais

e estamos com esta questão

de lá de desbater nos colegas

e então elas pediram

para fazer uma canção sobre

as variadas coisas

para que servem as mãos

para ele

perceber que as mãos

servem para coisas boas

fiz a canção das mãos

fiz a canção do dói dói

fiz a canção do banho

o privilégio de dar-os

um conselho a um filho

mas consegui esquecer

que esse conselho fique

numa coisa que vai ficar

para sempre que é uma canção

é um ato de amor fantástico

um ato de amor dele

eu agora estou a falar

disto contigo

mas eu estou só a contar uma história

a história dele

a história do Santiago

se te ha como sua ler

já lê frases inteiras

eu pensar nos dias em que eu pensava

será que o meu filho nunca vai falar

e nem era por mim era

como é que tu depois fazes amigos

e como é que ele vai dizer

como é que ele se vai expressar

e agora o meu filho lê

e já escreve

e depois com a vontade dele

e com o impulso dele

tu vais

mas é ele

é tudo ele

e eu acho que ainda é mais fantástico

porque voltas sempre a tentar

mesmo depois do difícil

mesmo depois da pior crise

mesmo depois de uma semana

absolutamente caótica

mesmo depois de uma altura

em que tu pensas

que ele regrediu

porque ele já estava a fazer isto

e isto e agora volto

de repente ele vai

e faz ainda melhor do que fazia

e isso é uma vontade dele

e é absolutamente fascinante

como é que consegue fazer tudo o que fazes?

desde que comecei a trabalhar

já fui para dois anos

ao hospital

este é de conhecimento político

tive dois escurtamentos muito grandes

ser workaholic

e ser a mãe do ano

é uma positividade tóxica

e acho que está toda a gente

a querer explicar

como é que tu podes fazer mais

e ter mais

não quero

se monetariamente tu poderes

e se o teu corpo te tiver a pedir

diz que não

tira mais férias

diz que a partir da hora

em que tu estás com os teus filhos

não vais reunir por FaceTime

vai estar com os teus filhos

ouve-te

não quer ser guerreira

eu quer ser feliz

eu quer ter calma na minha vida

já tive numa fase em que não tinha dinheiro nenhum

estava grávida do meu segundo filho

e andei a prenar, a correr

a agarrar todas as oportunidades

e com aquela sensação

sempre do isto vai acabar amanhã

isto vai acabar amanhã

e eu tenho de garantir

e eu ainda tenho isso

mas

acalmar

acalmar isso

fazer as coisas como

conta, peso e medida

priorizar

aquilo que não se compra

eu não vou comprar mais tempo

com os meus filhos

não quero mais esta sensação

de acordar e querer ir trabalhar

e o corpo estar a dizer

esticaste-te isto

e não dá mais

e estar aí para o hospital

e as minhas análises

estarem a ver todas trocadas

que eu estou sem ferro

porque eu estou sem dormir

chega

tenho que provar nada a ninguém

amo fazer música

amo escrever

amo fazer televisão

mas nada disso é maior do que eu amo

a minha família

a minha vida

meu não

eu amo poder dizer

hoje em dia

não vou fazer

sim, eu tenho ansiedade

e às vezes

sim, eu tenho ansiedade

e às vezes é ela que me tem

ah, pois

eu sofro de ansiedade

a um nível

muito complicado

posso dizer que não há

com certeza nenhum

que eu deploymento-se

meia hora antes

não esteja a pensar

porque é que eu continuo

nesta profissão

se isto me deixa neste estado

que eu fico num estado de

soar de ansiedade

achar que vai correito mal

achar que ninguém vai aparecer

senti-os com muitas pessoas

onde eu sei que se quiser sair

vou demorar muito tempo

para conseguir sair

acaba com a minha vida

ir à praia

e tarem a olhar para o meu corpo

e poderem sair fotografias minhas

a entrar ou sair do mar

a relação com o teu corpo

e dos outros com o teu corpo

ainda é algo que te condiciona

a relação com o meu corpo

foi o que quase acabou com a minha saúde

e o poder que eu deixei

que isso tivesse

e apesar de racionalizar sobre isso

não consegue gerar mais forte do que isso

eu sinto que talvez esse é o lado

meu lado hipócrita

que é eu pregar um alto amor

e uma confiança que me falta

muitas vezes

e muitas vezes

aquilo que eu prego

aquilo que eu verbalizo

é para mim também

eu sempre tive uma relação

muito estranha

com a comida

com a forma como eu me alimentava

com o meu corpo

e depois é que uma coisa

que me enerva solermente

que é

quando tu estás magro

ninguém te vai questionar

sobre a tua saúde

quando tu estás gordo

criticam-te que tu estás gordo

e dizem que é uma preocupação

com a tua saúde

não é com a tua saúde

é zero com a tua saúde

tu sabes de nada da minha saúde

eu fui anorética

durante muito tempo da minha adolescência

porque eu me convencia

que tudo aquilo que eu comia

me fazia mal

as minhas amigas

já tinham todas

peso de mulher

e eu pesava

43, 44

e entretanto

comecei a libertar-me disso

a passar

eu não posso viver a minha vida assim

vou viver para fora

vou viver para Londres

ganhei peso em Londres

volto

e o assunto já era o meu peso

ainda eu não tinha sido bem

e é aí que eu comecei a perceber

que há essa vontade

de falar do corpo da mulher

e a partir daí

começou o meu problema

com o meu corpo e com o meu peso

que se agravou muito

pois deu-te a te doguer-me

por isso é que eu tenho muito

esta missão que é

se eu

mãe de três filhos

consciente

com o privilégio que eu tenho na vida

de ter acesso à informação

de ter tudo

se eu me estou a esconder

numa casa de banho

para vomitar o meu almoço

o que é que fará

uma adolescente de 15 anos

toda a gente

com quem eu falava

do estado de meu casamento

por exemplo

começava a falar-se

não, vajá que se resolve

tu agora vai emagrecer

e eu pensava

mas a culpa é minha

é quase como se tu

é que tivesse escolhido isso

para ti próprio

tu desleixaste-te-o

ali a alguns

e se a culpa é tua

tu é que tens de

e eu estava

triste

sozinho

eu tive um ano da minha carreira

em que eu

fui nomeada para um Grammy

fiz o colors

comprei em minha casa

joguei 4 coliseus

te subscreveres o meu nome no Google

e forzei a Sámya

tudo o que se fala é que eu estou gorda

se falava de mais nada

não se falava de mais nada

e isso

servia de

ataque para tudo

tudo na minha vida era

a gorda não sei o que

lá está ela que não sei o que

como é que ela vestiu isto

e como é que ela pôs

esta fotografia de biquíni

isso

mexeu muito comigo

e como é o

amor próprio

quando cantas isso

sim eu já vomitei o almoço

com dois dentes na garganta

sim eu já vomitei o almoço

com dois dentes na garganta

quanto tempo é que doiu

esse processo

foi um processo que eu

comecei

ainda antes de ser mãe

e foi durando

e entretanto

entramos em pandemia

e como é que tu vais fazer isso

em pandemia

quando toda a gente fechar na casa

não vais

isso começou a me aterrorizar

então sentei-me

culpados os meus filhos

e disse o que estava a passar

ninguém sabia

ninguém sabia

tu tens não sei o que é preciso

ter-se na tua vida

para ninguém saber uma coisa

desta dimensão

isso condiciona-te

todo o teu dia

tu saberes que

se vais comer ali

depois tu vais ter que arranjar

um sítio onde

tu vais estar sozinho

vomitar o teu almoço

ou vomitar o teu jantar

sem que ninguém perceba

que tu os estás a fazer

só que é que aquele saia

mãe que ficas quase com

nojo de ti

portares a comer certas coisas

é horrível

hoje em dia

estou longe ainda de estar

num caminho em que

não e hoje em dia

estou super em paz comigo

não estou

e também já me cansei de mentir

e dizer que estou

só porque sinto que tenho que levantar

todas as bandeiras

e que seria exemplar

estou muito melhor

eu acho que estar melhor

já é ótimo

quando as pessoas dizem

ah por que tu também

vais falar dessas coisas

e por que te vais expor

que sirva para

os mídias

e as pessoas

que têm o poder

de comunicar com o público

não acabem com a vida das pessoas

não acabem com a autostima

das pessoas

não falem do corpo das mulheres

não falem do físico das mulheres

constantemente

porque eu estou a recuperar

disso

mas há quem não recupera nunca

durante anos da minha vida

eu tomava bem as escuras

não queria ver a seia do bem

eu enrolava-me numa toalha

mal seia do bem

eu não queria que ninguém

olhasse para mim

nos últimos anos da minha vida

só vou à praia fora daqui

é muito raro

eu ir à praia

com os meus filhos

e muitas vezes vou

e vou ao mar de camisola

e foi uma coisa que

eu sinto que

construíram

sabes

foi tão assunto

foi tão piada

foi tão tu

que eu sinto que eu

contra a minha vontade

e contra aquilo que eu gostava

de representar

eu deixei que ganhasse

como é que te entregavas

a alguém numa relação?

muito difícil

é um processo no qual

tu tens de ser honesto

e muitas vezes

falar de coisas que são

difíceis de admitir

e para mim

era quase impensável

que alguém estivesse comigo

também por minha char bonita

eu achava sempre que

ah, porque eu tenho piada

porque

eu sou uma boa companhia

porque

tenho esta minha coisa

de fazer canções

e de ser artista

mas

que alguém olhasse para mim

minha char bonita

isso não entrava sequer

nos meus cálculos

nunca

jamais em tempo

qual bonita já te fizeram sentir?

muito

mas eu muitas vezes

sem acreditar

quase sempre sem acreditar

é triste isto

eu muitas vezes penso

ok, bora

gosto desta maquilhagem

gosto deste cabelo

vamos

mas nunca olhe e penso

ai, estás mesmo bonita, carolina

resolvo com outras coisas que é

pronto, a canção é boa

não interessa como é que

tu achas que estás neste vídeo

o clipe, a canção é boa

o facto de falar sobre isso

também é muito importante

para nudes e miudas

que estão na fase crítica

do seu crescimento

a sua identidade

e essa tua voz

tens noção de que é importante

para que haja uma identificação

com problemas que são semelhantes

eu tenho noção que eu muitas vezes

dou corpo às balas

para falar de coisas

eu definitivamente não falasse

vivia uma vida muito mais descansada

só que eu sou o mais velha de 7 irmãos

eu tenho 3 filhos

e eu sinto que

se eu tenho um lugar de fala

eu gostava de prevenir

que as gerações abaixo das minhas

passassem pelo mesmo tipo de coisas

e as um alvo mais fácil por causa disso?

sim, absolutamente

sou pessoa menos conflituosa

que tu faz conhecer na tua vida

sou pessoa mais agregadora

que junte todas as pessoas

de todos os lados

para que toda a gente se conheça

toda a gente se dê bem

agora, eu gosto de dizer

quando é inadmissível, é inadmissível

não nos adianta de nada

ter hashtags e viver a dizer

que nós estamos a evoluir

quando tu continuas a ter o escrutinho

que tens ao físico da mulher

tu vais receber um prémio de carreira

então é a falar que o vestido fica mal

e que tu não devias usar aquela roupa

porque tu é esgorda

então devias usar não sei o que

isto é permitido, pode-se fazer

uma pessoa que está com uma...

escreveu uma revista, pode-se fazer

porque é que a pessoa que tem um telemóvel

não pode fazer

foi isso que legitimou

vai lá dizer que sou a louca

que sou desequilibrada

vai lá dizer que sou a louca

que sou desequilibrada

porque ainda tu roupe e deixe na entrada

vai lá, diz lá

sabes que eu comecei a se raciocínio

que eu não me importo

vivo-se muito apavorado

com o que é que a outra pessoa

que teve connosco vai dizer

há muito essa coisa da mulher

que é louca

ela é que é maluca

ela é que fez não sei o que

e diabilizar quase essa coisa

10 mulheres ou 10 namoradas

e aí tu é sacaçói mesmo

vai lá dizer o que tu quiseres

e aí cada coisa é louca

somos nós que estamos a ficar

malucas ou são vocês que não a ti não

não sou boa quando despedidas

fazem-me doer a barriga

e não sou boa a me desapegar

não sou nada boa

para tu teres uma noção

eu duro em muitos hotéis

de braço de país fora e fora

deste país

e para todo lado tenho que levar

pelo menos 4 livros

para fingir que aquilo não é

um lugar de passagem

a coisa de passar pelas coisas

e desapegar-me das coisas

desapegar-me das pessoas

custa-me

eu se tiver 2 semanas de férias

num sítio que eu amei

onde fui muito feliz

estou a fazer a mal

e dá-me vontade de chegar

é um processo que para mim

deixa triste

gosto de apanhar sol

gosto de mar

gosto de conversas

a horas em que toda a gente dorme

gosto de rir muito

não gosto de primeiros dates

acreditas no amor para a vida todo?

claro

mais do que nunca

eu acho que se

há algum exemplo

que toda esta alvoroço

deixou

é que

o amor com jogá-la

é uma ínfima parte do amor

o amor que eu tive

quando escrevi essa canção

era muito mais pequeno do que o amor

que eu tenho agora

por essa mesma pessoa

o que eu construí uma família

o que eu construí uma vida

o que eu mantenho a equipa

o amor é mais amor

quando é mais difícil

quando há afastamento

quando há despedida

que continua a ser amor

absolutamente

não era para a vida toda

e nós rimos juntos

não era para a vida toda

e nós rimos juntos

não fomos só ao vida

juntos como estudo

essa foi a vida toda

a parte 2 foi uma canção

que nós fizemos

exatamente para acertar

essa narrativa

o amor com jogá-la

é uma coisa maravilhosa

mas que é porta de entrada

para o que é tu conhecer-se

o outro no seu íntimo

e para o caminho

que tu vais construir

com o outro

há amizade

senti-te de família

ou estar lá

quando é preciso

se eu tenho um problema

negre-lhe

se eu tenho um problema

liga-me

eu acho que isso

é um exemplo muito grande

da forma como nós

criamos e vivemos

com os nossos filhos

vivemos ao lado de um do outro

eu continuo a ir à casa

dos meus sobras

todas as semanas

adoro lá estar

sinto-me super bem-vinda

quando tu te propões

a ter uma família

e com uma pessoa

se é o fim da relação

é só o fim da relação

não é o fim de tudo

os filhos também

nos ensinam isso

se nós deixarmos

calem no ego

o ego de quem é que deu mais

o ego de quem é que fez mais

o ego de quem é que sei

o mais magoado

trece a nada

eu acho que uma maior lição

da amor que eu posso dar

aos meus filhos

do que

não é o fim do casamento

que define o fim do amor

alguém te deve um pedido de desculpas?

eu

vais pedir?

tenho pedido

por me ter tratado tão mal

e por ter tratado tão mal

a meu corpo e a minha saúde

peço-me muitas vezes desculpa

dos outros não os peras?

não

normalmente pedem

o que é que é fazer-te mal?

mentir-me

não é mentir

é o enganar

é o enganar continuamente

é criar um esquema

que envolve a ter de me enganar

isso faz-me mal

é as duas quem querias ser

tens o que querias ter

tenho o que queria ter

não sou quem queria ser

tenho construção

mas acho que

consigo fazer uma coisa

que para mim é tudo

olhar para a construção

e não ter pressa

olhar para a construção

e saber que é um caminho

e que tocar para ele

com esperança

com amor para dar

a receber amor

gosto de repetir os mesmos filmes

não gosto de pôr a mão

no corrimão

pescada rolando

não gosto de apanhar aviões

ai de pessoas que dizem

temos de falar e depois não respondem

que era nem matado o coração

ansiedade para um pau como o Altice

vem por antecipação?

primeiro é assim

eu estou sempre a dizer

eu só acredito como fazer na Véspera

porque eu até lá

eu acho Altice

mas está tudo numa luz

mas como é que eu vou fazer o Altice?

é uma responsabilidade grande

eu olho como uma celebração

vem a minha família

vem os meus amigos

olhar para mim no quarto

e pensar que eu nunca na vida

consegui viver disto

e de repente fazer um Altice Arena

acho que eu sou primeira mulher

a fazer um Altice Arena

num próprio sozinha

que não seja fadista

e portanto acho que isso também

simboliza o lugar dos tempos

abrir portas para a mulher ter um lugar

para a música pop ter um lugar

para a língua portuguesa ter um lugar

de destaque

temos uma geração de músicos

de artistas

incrível

e estou muito contente

como é óbvio que vou estar a moquear de meros

não só para o Altice

mas para a Boca Arena também

mas sinto que me preparei

bora lá celebrar

e a seguir bora lá

permitir-me ao silêncio

e passar para onde é que vou seguir

quem queres que os teus filhos vejam quem ama?

acima de tudo eu quero que os meus filhos

me vejam na vida deles

como uma pessoa que não vai a lado nenhum

que está a lá

independentemente da circunstância

que mesmo quando eu já não estiver

porque ninguém é eterno

vou deixar muitas canções para que eles possam ter

e os meus netos e os meus beijones

e por aí fora se eles assim o quiserem

o que é que eles já te disseram de mais marcante?

o Benji quando chegar em minha casa

dá-me um abraço e diz-me

ai mãe é sempre tão bom chegar a ti

o Santiago nós dizemos todos os dias

uma coisa antes de te dormir

que é eu digo

tu és e ele diz

tu és bonzinho

tu és bonito

tu és especial

eu digo o que é que tu tens dentro do pé

e ele diz

uma estrelinha

e agora mais recentemente há 5 ou 6 dias

eu disse o que é que tu tens dentro do pé

e ele uma estrelinha que é o Santiago

e uma lua que é a mãe

eu achei aquela coisa mais querida

e mais bonita do mundo

e o meu filho de Lher me fez muma

há um tempo que eu derreti

estava a dormir e teve um pesadelo

fedor ao quarto dele, fiquei a acalmar-lo

e ele disse

oh mãe, amanhã nós vamos para a casa do pai

e eu disse

vais filhar a minha dia da casa do pai

e eu vou ter saudades tuas também

e eu também vou ter saudades tuas

mas a mãe vai lá, a mãe está sempre com ti

e eu disse olha para lá a tua mão

pois assim minha mão fecheia

eu disse

isto é o que eu

é um bocadinho do meu coração

agora levas para a casa do pai

mas tens que tratar bem dele

fui para a minha cama

passar 2 minutos

lá vem ele para a minha cama

posso impar a tua cama

podes filho

e ele

dá-me a mão

eu dou ele

e eu achei a coisa mais querida

eu vi de hoje

a forma como nós falamos com eles

e a forma como se falas os sentimentos

na nossa casa e na nossa família

dá-lhes essa liberdade

com as palavras e com falar o amor

no teu silêncio

enfrentar o espelho

tu diz tu és

que é que o espelho responde

um trabalho em construção

tu és um trabalho em construção

qualquer que seja a tua marca

tu é uma pessoa digital que fique

que eu fui de verdade

que falei daquilo que quis falar

que fui livre

e que deixei obra

para se ouvir e para

poder ser a banda sonora da vida das pessoas

o que é que dizem?

os teus olhos

o que é que dizem as minhas olhos

que cheguei aqui

e é tudo que eu sempre ou agora

que cheguei aqui

pois não sei

obrigado

obrigado eu

óh

tu sou a sua irmã melhor

a bom?

chega

e cinco anos a mais

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Carolina Deslandes, se pudesse voltar a falar com quem era há cinco anos, diria a si mesma para ter menos certezas. É assim que regressa ao Alta Definição para fazer uma retrospetiva às palavras que hoje não diria. Recorda com tristeza como a música mais conhecida da sua carreira se tornou uma piada. “Então o amor não era para a vida toda?”, questionaram-na depois do divórcio. Foi nessa separação e noutros momentos atribulados que encontrou a inspiração para o novo álbum “Caos”. “Tem a raiva, tem a mágoa, tem o luto. A tristeza não precisa de ser eloquente”, avalia assim o seu novo trabalho. A experiência enquanto artista, mulher, mãe e figura pública ensinaram-na a aceitar a turbulência que a vida traz e que "o amor é mais amor quando é difícil". A construção de uma boa relação com o seu corpo e o desafio de ser mãe de um filho com autismo foram outros dos temas que decidiu trazer para a conversa com Daniel Oliveira. Ouça o programa Alta Definição em podcast, emitido na SIC a 13 de maio.   

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